A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE COMO DIVISOR DE ÁGUAS ENTRE OS DIREITOS E DEVERES DA PROPRIEDADE PRIVADA
Por: Juliana2017 • 2/5/2018 • 3.310 Palavras (14 Páginas) • 492 Visualizações
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[...] Cada coisa tem seu dono. Os poderes do proprietário são mais amplos. A formulação que emerge da investigação das fontes não encontra área imune à controvérsia. [...] No Direito Romano Clássico a expressão ius in re não coincide com o conceito jurídico hoje denominado direito real. Os romanos não elaboraram um conceito de direitos reais e não tiveram um nome para representar estes direitos. Esta noção só veio se formar muito mais tarde, a partir do século XVIII com Pothier, passando aos romanistas do século XIX e, também a uma parcela de autores modernos. (GOMES, 2008)
Em Roma, o conceito de propriedade já caracterizava-se predominantemente e exclusivamente como individualista, e totalitário, uma vez que os limites para gozo de tal direito eram em grande indeterminados, sofrendo sanções apenas de interesse público ou privado do vizinho após a lei das dozes tábuas. “Desta forma, ao bem regulá-la, a propriedade em Roma não mais se constituía como um direito absoluto. Conforme lição de Caio, a propriedade seria o jus utendi et abutendi, quatemus juris ratio patitur; o direito devia ser usufruído conforme razões de Direito.” (BARRETO, 2005). Tal sentido absolutista foi passando por alterações ao longo do governo romano, ganhando posteriormente uma conotação mais social, adquirindo direitos e deveres.
2.2 Conjectura social na Idade Média
“Grande salto dessa teorização se deu na Idade Média, com a conformação inicial do conceito da função social da propriedade, contribuição palmar da Igreja, seus filósofos e pontífices, que consideram dever a propriedade ser exercida com vistas ao bonum commune.” (BARRETO 2015). A propriedade moderna desvinculou-se totalmente dessa dimensão religiosa das origens e passou a ter marcadamente, com o advento da civilização burguesa, um sentido de mera utilidade econômica. O Direito burguês, segundo o modelo do Código Napoleão, concebeu a propriedade como poder absoluto e exclusivo sobre coisa determinada, visando à utilidade exclusiva do seu titular (eigennützig, como dizem os alemães). (COMPARATO; FÁBIO, 1999)
Na Idade Média foi elaborado um conceito próprio de propriedade, introduzindo uma superposição de titulações de domínios que se mantinham paralelas umas às outras. A valorização do solo e a dependência entre o poder político e a propriedade de terras criaram uma identificação entre o tema da soberania e o da propriedade, que é o senhor feudal, e o domínio útil do vassalo. (CASTRO, 2008)
Observa-se então a necessidade do agrupamento sob proteção de uma monarca devido as grandes invasões visando tomada de territórios e bens da época. Tal necessidade gerou um tipo de “contrato” entre o possuidor da terra (nobres) e aquele que de fato a utilizaria (camponeses), sendo para tanto o camponês como fornecedor de parte de sua produção ao nobre como forma de pagamento pela utilização da propriedade concedida.
Surge então a defesa do direito de propriedade não mais por argumento religioso, mas sim seja por direito natural ou contrato social do indivíduo com o Poder Público, contando com a existência de documentos oficiais políticos como suporte, evitando não apenas seu afronte pelo Estado, por outro cidadão ou redução de sua validade pelo poder do Estado. Logo a propriedade foi reconhecida como direito fundamental da pessoa humana, já que por representar a derradeira liberdade individual, deveria proteger os atuais, futuros e potencias proprietários.
Posteriormente, a burguesia nascida desse próprio sistema feudal adveio para modificar tal realidade junto a revolução francesa, sendo principal fator para desestruturação do regime. Com a aliança entre burgueses e reis constituiu-se o Absolutismo Monárquico que perdurou na Europa até o século XVIII, representando um regime de libertação.
Substituindo a arbitrariedade pela lei, o privilégio pela igualdade; a Revolução Francesa livrou os homens das distinções das classes; o solo das barreiras das províncias; a indústria dos embaraços das corporações e juízes de ofícios; a agricultura das sujeições feudais e da opressão dos dízimos; a propriedade dos estorvos das substituições; e reuniu tudo a um só Estado, a um só direito, a um só povo. (CASTRO, 2008)
2.3 O direito de propriedade na contemporaneidade
A evolução socioeconômica ocorrida a partir de fins do século passado veio, porém, alterar o objeto dessa garantia constitucional. Doravante, a proteção da liberdade econômica individual e do direito à subsistência já não dependem, unicamente, da propriedade de bens materiais, segundo o esquema do “ius in re”, mas abarcam outros bens de valor patrimonial, tangíveis ou intangíveis, ainda que não objeto de um direito real. (COMPARATO; FÁBIO, 1999)
Para Castro (2008) o entendimento do Direito de Propriedade modifica-se no Direito Contemporâneo: opondo-se ao individualismo do Direito Moderno, acontece o nascimento e positivação dos direitos coletivos e difusos. Logo visa não apenas caracterizar-se pela garantia de direitos ao detentor da posse, mas também de deveres para os quais o mesmo tem relativos a sociedade, contribuindo para o bem do meio em que está inserido, pois, como afirmado pelo autor:
É certo que o privilégio aos interesses particulares, em detrimento dos interesses da coletividade tem conseqüências danosas à realização do bem comum. Nesta perspectiva a propriedade adquire uma função social, inicialmente nas construções teóricas dos doutrinadores, evoluindo para sua consagração no âmbito do Direito Positivo. (CASTRO, 2008)
Vários foram os contribuintes para a transformação do conceito de propriedade entre os séculos XIX e XX, tais como o contexto social, político e religioso da época. Castro (2008) diz que A evolução dos direitos no sentido de uma maior consideração de seu aspecto social culmina na Constituição Alemã de 1919, que inaugura uma fase, caracterizada pelo sistema constitucional, que afetará profundamente o Direito de Propriedade.”
Hoje, o direito de propriedade já não mais implica apenas em direito fundamentais como em deveres fundamentais, tendo ao seu lado o princípio da função social da propriedade para guia-lo nessa questão, ou seja, ao passo que garante ao proprietário livre gozo da propriedade e o direito de reavê-la de quem quer que a detenha injustamente condiciona-o ao respeito à dignidade da pessoa humana.
3 A LEGITIMIDADE DO PRINCIPIO PARA LIVRE EXERCICIO DO DIREITO
3.1 Direitos
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