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A Criminalização da Cultura

Por:   •  26/10/2018  •  2.101 Palavras (9 Páginas)  •  275 Visualizações

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Concomitantemente, ainda, há o fato de que a classe dominante, ou seja, a elite econômica conservadora é a que define a cultura principal do país, determina o que é esteticamente aceitável , a qual a mídia ajuda a propagar com o rótulo de que é a cultura adequada. Com isso qualquer outra expressão cultural se torna uma subcultura e muito provavelmente pode vir a ser criminalizada também.

Essa criminalização das subculturas é dada pois, os grupos sociais menos favorecidos, que foram impelidos à margem da sociedade vão procurar suas próprias formas de se expressarem culturalmente, de acordo com os meios a que se tem acesso, com isso, é de se presumir que sua subcultura não será a mesma, ou sequer semelhante, à cultura principal, uma vez que, os modos de vida são diferentes. Logo, tudo que é diferente gera pré-conceito, principalmente nas mentes conservadoras que só aceitam o que lhes é adequado e conveniente. A partir daí surge a criminalização dessas subculturas, a estereotipação, e a repressão.

É o que ocorre com a cultura das ruas, das periferias que tem como principais marcas o estilo musical, as danças, a arte, entre outros. Dentre os conteúdos artísticos está o grafite, que ainda é bastante criminalizado por ser confundido com a pichação. Essa diferenciação entre os dois estilos se da porque a pichação está livre de qualquer referência artística e invade as ruas com palavras hostis e símbolos agressivos com o objetivo de confrontar o sistema. A grafitagem, por sua vez, estruturada por grupos comprometidos com a arte, busca o espaço urbano para trabalhar com sua tinta spray e criar paisagens, gravuras e painéis harmônicos, extremamente coloridos que agradam aos olhos que de quem vê.

Por fim, após uma pequena reflexão pode-se dizer que, o grafite foi legalizado porque se tornou uma mercadoria, através dele é possível obter lucro, uma vez que, há inúmeras exposições da arte em museus etc. Já a pichação, no Brasil, continua criminalizada porque afronta a estética adequada à cultura dominante, e quando pichada palavras de ordem que vão contra o sistema, afetam diretamente na forma de governo, de controle de quem comanda o país.

A criminalização da dança:

Uma das vertentes da criminalização na sociedade são as manifestações culturais advindas das classes mais baixas, compostas majoritariamente por pessoas de pele negra, historicamente vítimas de preconceito. Dentro dessas manifestações, destaca-se a dança de rua, um dos pilares da cultura hip hop, e ainda as expressões de danças de origem africana.

A primeira análise vê-se logo, a existência de estilos e símbolos destas subculturas que se diferem da cultura dominante, provocando, muitas vezes, uma visão moldada e, portanto, destorcida da realidade.

A dança de rua, por exemplo, origina-se num contexto de grande crise econômica dos EUA, quando os dançarinos que trabalhavam nos cabarés foram desempregados e começaram a se apresentar nas ruas da cidade. E, por causa de seus trajes aberrantes e seus imensos boomboxes (como denominam os enormes aparelhos de som portáteis) levados para o ponto escolhido, no qual apertavam o play e, sem qualquer cerimônia, formavam uma roda, desse modo, a dança de rua foi reconhecida como uma dança grosseira e sem técnica.

Esse estilo de dança chega no Brasil, por meio de Nelson Triunfo que descobriu uma nova dança que vinha sendo praticada pelos negros nos Estados Unidos, um desdobramento das danças funk e soul que ele já praticava, mas que trazia novos movimentos, inusitados e acrobáticos. Era o breaking. Posteriormente, levou a dança para as vias centrais de São Paulo, de modo a torná-la acessível a mais pessoas. Em poucos minutos uma multidão de curiosos os cercava, de forma a colorir e descontrair a mecânica rotina da área central da cidade. A iniciativa inusitada, sobretudo num período de repressão artística por conta dos últimos anos do regime militar, enfrentou preconceitos e muita resistência, sendo considerada de caráter "subversivo". Um medo de que no Brasil eclodisse um movimento negro semelhante ao que, nas décadas anteriores, provocara levantes populares pelos direitos civis nos EUA.

Ao se tornar um instrumento de ocupação das vias públicas e confrontar instituições e regras estabelecidas, essa modalidade de dança foi além de seu papel artístico e passou a obter significado também nos âmbitos social e político.

Essa concepção preconceituosa do regime militar é vista até nos dias atuais, como foi visto na apresentação de John Lennon da Silva, no programa "Se Ela Dança, Eu Danço". O jovem fez uma belíssima releitura da famosa obra "a morte do cisne" sob o viés do popping - estilo da street dance caracterizado por movimentos que ora lembram os de um robô, ora o das ondas. Porém, antes de sua apresentação John foi julgado pelos jurados pela roupa que usava e questionado se ele realmente conhecia a versão original da obra. E, posteriormente, depois de emocionar os avaliadores, eles perguntaram-no quem havia sido o coreógrafo e John Lennon afirma que foi ele mesmo quem desenvolveu a ideia.

A genealogia da cultura popular sugere que lancemos um olhar para o passado. É curioso comparar essa repressão à manifestação da dança em espaços públicos vivida por Nelson Triunfo nos anos 1980 com o modo como era vista a capoeira quase um século antes. Trechos do capítulo XII do Código Penal de 1890, intitulado “Dos vadios e capoeiras”, consideravam práticas criminosas:

Art. 399 – Deixar de exercitar profissão, ofício, ou qualquer mister em que ganhe a vida, não possuindo meios de subsistência e domicílio certo em que habite; prover a subsistência por meio de ocupação proibida por lei, ou manifestamente ofensiva da moral e dos bons costumes.

[...] Art. 402 – Fazer nas ruas e praças públicas exercícios de agilidade e destreza corporal conhecidos pela denominação de capoeiragem (RIBEIRO; CARDOSO, 2011, p. 9-10).

A capoeira é uma mistura de luta com dança que foi introduzida no Brasil por negros africanos. Ela representava a rebeldia e a resistência à escravidão. Associada à baderna, à violência e à vadiagem, a pratica da capoeira desafiava claramente as regras da origem pública. No entanto, essa proibição não se dá tanto pelos desdobramentos que estas manifestações trariam para essa sociedade, mas sim pelo fato de que esta seria a melhor forma de acabar com a memória de um povo, "apagando" suas manifestações, tornando-as proibidas e passíveis

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