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Celso furtado - Formação econômica do Brasil

Por:   •  5/8/2018  •  10.628 Palavras (43 Páginas)  •  396 Visualizações

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CAPÍTULO XXXIII O DESEQUILÍBRIO EXTERNO E SUA PROPAGAÇÃO

No capítulo anterior se fez referência ao fato de que a baixa do coeficiente de importação havia sido obtida, nos anos trinta, à custa de um reajustamento profundo dos preços relativos. A alta da taxa cambial reduziu praticamente à metade o poder aquisitivo externo da moeda brasileira e, se bem houve flutuações durante o decênio nesse poder aquisitivo, a situação em 1938-1939 era praticamente idêntica à do ponto mais agudo da crise. Esta situação permitira um amplo barateamento relativo das mercadorias de produção interna, e foi sobre a base desse novo nível de preços relativos que se processou o desenvolvimento industrial dos anos trinta. Observamos também que a formação de um só mercado para produtores internos e importadores - conseqüência natural do desenvolvimento do setor ligado ao mercado interno - transformou a taxa cambial em um instrumento de enorme importância para todo o sistema econômico. Qualquer modificação, num sentido ou noutro, dessa taxa acarretaria uma alteração no nível dos preços relativos dos produtos importados e produzidos no país, os quais concorriam em um pequeno mercado. Era perfeitamente óbvio que a eficiência do sistema econômico teria de prejudicar-se com os sobressaltos provocados pelas flutuações cambiais. A possibilidade de perdas de grandes proporções, ocasionadas pelo brusco barateamento das mercadorias concorrentes importadas, desencorajaria as inversões no setor ligado ao mercado interno. Não era por outra razão que as economias mais desenvolvidas se haviam submetido ao delicado e dispendioso mecanismo do padrão-ouro, que fazia solidários a todos os sistemas nacionais de preços. Já vimos que para uma economia tipicamente exportadora de matérias-primas o regime do padrão-ouro se apresentava impraticável. Mas, superada essa etapa, que se tornava impraticável era subsisti dentro da indisciplina dosistema de preços que havia prevalecido antes. Apequena valorização externa da moeda brasileira ocorrida entre 1934 e 1937 trouxe sérios transtornos a alguns setores industriais ligados ao mercado interno. Essa melhoria na situação cambial foi, entretanto, passageira, pois nos últimos anos do decênio houve nova depreciação no valor externo da moeda brasileira, o que praticamente restabeleceu o nível de preços relativos que havia prevalecido depois da crise168. Ora, no começo do decênio seguinte a política cambial iria ser submetida a uma prova definitiva. Acumulações sucessivas de saldos positivos na balança de pagamentos, resultantes da situação criada pela guerra, iriam pressionar a taxa cambial no sentido de rebaixá-la. Sendo a oferta de divisas internacionais muito superior à procura, era inevitável que a cotação das mesmas baixasse. Que conseqüências poderia ter essa elevação do poder de compra externo da moeda brasileira? Em primeiro lugar significaria preços mais baixos, em cruzeiros, para os produtos exportados. Os exportadores, em vez de receberem 20 cruzeiros por dólar de café exportado, recebiam tãosomente 10, digamos. Como o preço internacional do café estava fixado em acordos, a valorização da moeda significaria, em última instância, prejuízos crescentes para o setor ca-feeiro. A contrapartida dessa valorização seria o barateamento das mercadorias importadas, o que teria conseqüências diretas no setor manufatureiro. Se bem que a oferta externa de artigos manufaturados estivesse comprimida, o produtor interno se preocupava seriamente com a possibilidade de bruscas importações em um nível de preços muito mais baixo do que o que prevalecia no mercado. Dessa forma se aliavam contra a revalorização externa da moeda os interesses dos exportadores e dos produtores ligados ao mercado interno. Compreende-se, assim, que o governo tenha fixado a taxa (167) A reforma cambial de 1953 constituiu um retorno ao regime do câmbio flutuante, único em que a economia brasileira funcionou até hoje sem se criarem grandes problemas de balança de pagamento*. O novo sistema apresentava, demais, um elevado grau de flexibSdade, pois criou cinco compartimentos estanques que constituem outros tantos nfveis de paridade para o poder aquisitivo externo da moeda. (168) A análise dos preços relativos no período 1929-37 faz-se com base hos índices do custo de vida da cidade do Rio de Janeiro e dos preços de Importação • exportação, já referidos. Cambial, evitando explicitamente qualquer recuperação do poder de compra externa da moeda. Criou-se, em consequência dessa política, uma situação algo paradoxal. No momento em que o mercado mundial se transformava de forma crescente em um mercado de vendedores, isto é, enquanto aumentava o número de compradores e diminuía a oferta de mercadorias, o Brasil fixava o valor externo de sua moeda em um nível de preços relativos que refletia a situação do decênio anterior, no qual havia sido necessário baixar o valor externo da moeda pára recuperar o equilíbrio na balança de pagamentos. Essa situação iria favorecer enormemente as atividades ligadas ao mercado externo. Mas, como nem sempre eram as linhas tradicionais de exportação as que se beneficiavam, pois a estrutura da procura externa se havia modificado, houve fortes deslocamentos de fatores dentro da economia em benefício da produção daqueles artigos que encontravam mercado no exterior. Tal situação, sem lugar à dúvida, concorreu para agravar os efeitos dos sérios desequilíbrios internos surgidos na economia durante esse período. A política seguida durante os anos da guerra foi, na essência, idêntica à que se havia adotado imediatamente depois da crise. Teve, como seria natural, conseqüências totalmente distintas, pois as situa- ções eram radicalmente diversas. Ao se fixar a taxa cambial, sustentava-se o nível da renda monetária, tal como havia conseguido com a compra do café invendável no decênio anterior. Neste o café não encontrava compradores; na nova etapa esses compradores existiam, mas efetuavam a compra a crédito, isto é, pagavam com uma moeda que, em parte, era simples promessa de pagamento futuro. As conseqüências internas eram as mesmas: criava-se o fluxo de poder de compra dentro da economia sem uma contrapartida na oferta de bens e serviços. A diferença entre as duas situações estava no efeito que tinha sobre o sistema econômico esse fluxo de poder de compra criado sem contrapartida real. No começo dos trinta esse poder de compra novo tomava o lugar automaticamente de outro que minguava, isto é, daquele formado pela procura externa que se debilitava. Dessa forma evitava-se que se reduzisse o grau de utilização da capacidade produtiva ligada ao setor interno. A situação que agora prevalecia era totalmente diversa. Partia-se de uma conjuntura

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