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Ciências Sociais

Por:   •  21/1/2018  •  3.722 Palavras (15 Páginas)  •  228 Visualizações

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JU – O fenômeno banalizou-se? Ortiz – Exatamente. Nós passamos de um momento no qual a globalização era ocultada para outro no qual “tudo se globalizou”. O tema está na televisão, nas revistas de moda, nos jornais, nos movimentos ecológicos...Digamos que as ciências sociais não tiveram tempo ainda para trabalhar de maneira crítica, com uma relativa distância, esse fenômeno que, apesar de novo, já se impõe como senso comum. As explicações são dadas como se fossem verdades e sobre elas não pairam dúvidas.

JU – O senhor disse recentemente em entrevista ao Jornal da Unicamp que, quando surgiu, a globalização era um fenômeno que exigia uma ruptura com o pensamento mais convencional das ciências sociais? Isto aconteceu? Se sim, em que medida?Ortiz – A exigência permanece. Só que, agora, com um problema a mais: além de uma ruptura com o pensamento tradicional das ciências sociais, é necessário também romper com o senso comum. Por exemplo, quando são usadas explicações do tipo “vivemos numa sociedade em rede”. Não existe sociedade em rede. Uma sociedade em rede é uma sociedade que work as a net. Ora, nenhuma sociedade “funciona” desta maneira.

As sociedades são compostas de diversas dimensões e instituições – família, religião, política, cultura, artes – que certamente não podem ser subsumidas à noção de rede. O conceito pode ter utilidade quando analisamos alguns aspectos como o capitalismo financeiro, a gestão das empresas, mas seria insensato qualificar toda uma sociedade através de uma noção que apenas a apreende parcialmente.

JU – Quais os fatores que contribuíram para essa distorção e quando esse senso comum passou a predominar?Ortiz – Existe uma série de diagnósticos elaborados na esfera da administração, da economia, dos homens de marketing, do jornalismo, que tomam o mundo como objeto e que desfrutam de uma autoridade certamente indevida. Por isso utilizo, em um dos ensaios, como fonte básica de análise, esses livros, muitos deles best-sellers vendidos em todos os aeroportos do planeta. Eles materializam um senso comum planetário que constrói uma narrativa coerente e infundada sobre nossa contemporaneidade. O debate das ciências sociais com o senso comum é antigo, porém, o interessante é que hoje, devido à existência de instâncias sociais transnacionais, ele se mundializa.

Constrói-se assim uma versão da globalização que, ao ser difundida e celebrada, na mídia mundial, no jornalismo especializado, em escritos tipo Peter Druker, passa a ser considerada como o retrato fiel da realidade. É necessário trabalhar com uma certa distância essas versões e entender como elas são construções específicas do mundo contemporâneo. Daí o título de meu livro, “Saberes e Crenças”, pois várias dessas narrativas transformam-se em crenças.

JU – Nessa linha de raciocínio, parece haver uma certa confusão entre as esferas da macroeconomia e os conceitos de natureza ideológica, relegando a um plano secundário outras conseqüências do fenômeno. Por que o senhor acha que ocorre isto? Ortiz – Certamente, desde o início de minha reflexão sobre a problemática, procurei estabelecer uma distinção entre mundialização da cultura e globalização técnica e econômica. Há certamente uma relação entre esses níveis mas não uma homologia. Não existe, e tampouco existirá, uma “cultura global”, uma única concepção de mundo. Enquanto se fala de mercado global ou de tecnologia global, na esfera cultural somos obrigados a enfrentar o tema da diversidade. Para mim, a globalização é uma situação, uma totalidade que envolve as partes que a constituem, mas sem anulá-las.

Neste contexto, o velho e o novo estão presentes; o local, o nacional e o tribal não desaparecem. O “velho” é re-significado e o novo marca as mudanças ocorridas. Trata-se de uma realidade na qual convivem e entram em conflito espaços e temporalidades distintas. É essa riqueza da análise que às vezes se perde quando o quadro atual é analisado apenas do ponto de vista econômico.

JU – O senhor quer dizer que ele, por si, não explica a sociedade? Ortiz – Sim. Ele nos dá apenas a ilusão.

“O inglês não é mais norte-americano ou britânico. A pessoa de qualquer nacionalidade pode manipulá-lo”

JU – Além de ser, invariavelmente, hegemônico.Ortiz – Ele é hegemônico e ilusório. Por ser hegemônico, nós acreditamos, ao falarmos de economia, estarmos explicando os fatos que nos cercam. Isto não significa que a dimensão econômica não seja importante e constitutiva dos fenômenos atuais. Não tenho dúvidas a este respeito. Porém, ela está longe de explicar o conjunto de fatos vivenciados por nós. É curioso, como a colonização do debate atual pela economia tende a ter um valor terapêutico; ao se hipertrofiar uma dimensão da análise ela permite sempre a busca de uma solução, econômica, dos problemas enfrentados. O pensamento atua como uma espécie de pacificador dos conflitos conceituais e uma compensação psicológica diante das contradições do mundo real.

JU – Anestesia o debate...Ortiz – Creio que até mesmo entre os economistas.

JU – Em um dos ensaios, o senhor analisa a supremacia do inglês no mundo contemporâneo. Como surgiu o interesse pelo tema? Ortiz – Queria entender, de forma crítica, como se dá esta hegemonia e quais as implicações disso para as ciências sociais. Queria entretanto evitar uma armadilha usual e escapar de um tipo de análise vinculada a duas categorias – imperialismo cultural e raiz nacional. Creio que realizei minha intenção.

Primeiro, entendendo o inglês como uma língua que adquiriu um status e uma legitimidade de cunho mundial. No campo de forças das línguas existentes, ele ocupa uma posição hierarquicamente superior. Isso significa que o inglês não é uma língua franca, neutra, utilizada apenas em benefício de uma melhor comunicação, pois o atual mercado de bens lingüísticos é constituído por relações desiguais entre os idiomas.

JU – E quais são suas implicações para as ciências sociais?Ortiz – O inglês transformou-se na língua da modernidade-mundo. Neste sentido ele não é mais norte-americano ou britânico; ele se des-territorializa para se re-territorializar no espaço da modernidade do mundo. Qualquer um, independentemente de sua nacionalidade e de sua localização, pode manipulá-lo. Existe, portanto, uma variação de ‘ingleses” re-trabalhados em diferentes contextos culturais.

JU – Que resulta na diversidade de sotaques. Ortiz – Sim. É o preço pago pela centralidade

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