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Um caso de ética num processo seletivo

Por:   •  21/6/2018  •  1.579 Palavras (7 Páginas)  •  397 Visualizações

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Achei a pergunta incomum, mas entendi como um novo teste para ver se eu era flexível e como lidaria com situações inusitadas, ou até machismo na área industrial. E respondi que se eu, por algum motivo, precisasse transportar um cilindro de 50 kg, com certeza não o carregaria nas costas, arrumaria algum carrinho, ou alguma forma mais inteligente de transporta-lo. Disse também que entendia que o ambiente de trabalho no chão de fábrica numa indústria era diferente do escritório, que eu já havia estagiado nos dois ambientes e soube transitar muito bem entre os dois ambientes, que não tinha nenhuma dificuldade de lidar com o time operacional. Que sabia impor respeito e fazer com que o time focasse nas tarefas que deveriam ser feitas. O gestor insistiu, dizendo que a vida na indústria era pesada e que teria que lidar com pessoas bem diferentes de mim.

Disse que eu não teria problema nenhum em lidar com pessoas diferentes de mim, que me sentia preparada para essa rotação e que poderia desempenhar um excelente trabalho lá e contribuir bastante com a experiência dos meus estágios anteriores, da minha graduação e do trabalho de iniciação científica que havia feito na faculdade com assunto correlato. Ele percebeu que não conseguiria me fazer mudar de ideia quanto a isso, e fez perguntas sobre outros assuntos. Aquela história de carregar cilindro me parecia absurda e estava na minha cabeça, não entendi o motivo da pergunta, ele parecia mais interessado em medir a minha força do que a maneira que eu poderia resolver os problemas que de fato importavam para a empresa.

Voltei para a sala de espera pensativa, os outros candidatos conversavam sobre as entrevistas e me juntei a eles, trocamos contatos para conversar mais após o término do processo.

Chegou o momento da ultima entrevista, com a chefe do RH que havia me acompanhado ao longo de todas as fases do processo seletivo. Ela me chamou em sua sala, me agradeceu pela disponibilidade e empenho durante o processo seletivo. Que eles gostaram muito do meu perfil, dos meus princípios, da forma como resolvia problemas e era de longe a mais preparada para a vaga, mas o “problema” é que eu era muito bonita, vaidosa, com uma postura impecável, e que não conseguiam me imaginar dessa forma trabalhando no chão da fábrica.

Naquele momento eu gelei, mas me mantive forte ainda imaginando que esse era mais alguns dos “testes – pegadinhas” pelos quais já havia passado, para testar minha resiliência e vontade de trabalhar na empresa. Eu dei uma risadinha, agradeci o “elogio”, e disse que eu sabia que não usaria calça, camisa social e blazer em possíveis rotações na indústria, que estava vestida daquela forma pois estava no escritório matriz da empresa, na fase final de um processo seletivo, onde o dress-code é social. Mas que eu também sabia me vestir apropriadamente para outras situações, então peguei meu celular e mostrei uma foto minha com meus colegas no meu estágio anterior usando todos os EPIs da planta: capacete, jaleco, botas, óculos de segurança, luvas.

Ela sorriu e disse que o problema não era só esse, e sim que eu era mulher, alta, e que eles buscavam um perfil “mais forte”, que pudesse se adequar a qualquer situação, que ela tinha certeza que eu tinha um futuro brilhante pela frente pois era muito especial. Levantou-se, foi até a porta e disse que a entrevista havia terminado e que eu receberia o feedback em até 2 dias.

Sai da sala completamente desnorteada, decepcionada com o que tinha ouvido. Nada fazia sentido, os comentários do chefe de RH haviam sido contraditórios, mas tinha certeza que escolheriam um dos quatro meninos para a vaga.

Cheguei em casa exausta e triste, com uma decepção profunda, sem entender o porquê haviam falado tudo aquilo para mim. Achei um absurdo ser julgada dessa forma, sendo que estava de camisa e calça social como todos os outros candidatos. Porque me aprovaram para a fase final se me acharam “bonita demais para o cargo”? Mais do que isso, porque deixaram eu me inscrever, me preparar, participar do processo durante meses, se eu era mulher e eles claramente buscavam um homem ou uma mulher desarrumada, gorda e feia? Porque eles acreditam que essas características eram mais importantes do que a capacitação e a personalidade dos candidatos? E mais tantos outros porquês que rodeavam a minha mente e a dor de ter sofrido o maior preconceito da minha vida até aquele momento.

Pensei em processa-los, pensei em fazer um escândalo, em abrir minha história na internet, na TV, mas também pensei nos possíveis impactos que isso poderia trazer para minha carreira. Por mais que tivesse certeza absoluta que o que fizeram comigo e com as outras meninas que participaram foi errado, eu ainda queria ser trainee e ter as melhores oportunidades para o início da minha carreira e não queria que meu nome ficasse associado a escândalos. Mais do que isso, eu também não tinha como provar o preconceito que eu sofri: seria a minha palavra contra a palavra de uma das maiores indústrias do setor.

No dia seguinte, houve a confirmação do aprovado pelo grupo de whatsapp que montamos na sala de espera

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