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ANÁLISE INSTITUCIONAL DA POLÍTICA DE SEGURANÇA PÚBLICA A PARTIR DO DOCUMENTÁRIO “ÔNIBUS 174”

Por:   •  8/10/2018  •  5.688 Palavras (23 Páginas)  •  328 Visualizações

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e havia sido esfaqueada.

De acordo com a maioria das informações, inclusive de seus tios, Sandro Barbosa do Nascimento nasceu em São Gonçalo em 1978, filho de Clarice Rosa do Nascimento, abandonada pelo pai biológico de Sandro quando este soube da gravidez. Sua mãe, grávida de cinco meses, foi atacada e morta por três pessoas, no bar da família na favela onde moravam. Ela foi esfaqueada até na garganta, ficando com uma faca enfiada nas costas, o bebê em sua barriga ainda se mexia. Ninguém a socorreu de imediato. Sandro tinha seis anos de idade e assistiu tudo, foi em busca de socorro. Não foi ao enterro da mãe, disse que ia jogar futebol ou soltar pipa. Era a negação da realidade, sua maneira de não sofrer mais.

Sandro passou a morar com a sua tia Julieta Rosa do Nascimento e sua família, o marido e o filho dela, mas aos onze anos fugiu porque não se sentia parte daquela família e não conseguia esquecer a morte trágica da mãe. Ele tinha dificuldades de aprendizagem na escola, aliás nunca aprendeu a ler ou escrever e não teve assistência de um psicólogo.

Após fugir foi viver nas ruas do Centro do Rio de Janeiro, mais precisamente na Candelária, lá teve contato com Yvone Bezerra de Mello, artista plástica e mentora da ONG para menores: Projeto Uerê, que descreve Sandro como um menino muito amoroso. Fez amizade com diversos meninos que viviam nas ruas, passou a ter acesso a substâncias psicoativas.

Quando ele virou mais um menino que vivia nas ruas adotou o apelido de “Mancha”. Nas ruas acabou se viciando em cola e cocaína principalmente, e praticando furtos. Ele frequentava a região da Igreja da Candelária, onde recebia comida e onde se abrigava junto a outras crianças e jovens nas mesmas condições dele. Até uma noite de Julho de 1993, a noite de uma chacina. Sandro é um dos sobreviventes da Chacina da Candelária, um dos acontecimentos mais tristes da nossa história.

A Chacina da Candelária, como ficou conhecido esse triste episódio de massacre, começou de madrugada, quando homens, que mais tarde foram identificados como policiais, atiraram contra, segundo Yvone, setenta e duas crianças e jovens que dormiam em frente à Igreja de mesmo nome no Rio de Janeiro, apesar de que a imprensa noticiou serem aproximadamente quarenta. Oito morreram entre idades que variavam dos onze aos dezenove anos. Uma das crianças correu e telefonou para Yvone, ela então foi para lá e se deparou com alguns dos mortos e os sobreviventes ainda lá, não sabiam para onde ir. Dezenas estavam feridas. Ela sentiu um enorme descaso, pois a polícia em nenhum momento perguntou o que ela iria fazer com as que ainda estavam vivas e em torno dela. Algumas pessoas chegaram a cuspir nela, dizendo que ela protegia bandido. Quatro morreram na hora, outro morreu ao tentar fugir, um morreu dias depois no hospital em decorrência dos ferimentos e dois foram executados depois de serem levados para o Aterro do Flamengo, sendo que um sobreviveu, Wagner dos Santos, apesar de ser alvejado por vários tiros, e sofrer até hoje de sequelas, foi ele quem fez o reconhecimento dos algozes. Wagner foi vítima de outra tentativa de assassinato, desta vez na Central do Brasil, entrou para o Programa de Proteção às Testemunhas e hoje vive fora do país. Das oito pessoas arroladas pelo crime, três foram inocentadas, um não foi julgado pelo crime, apesar de deter uma das armas usadas, um não foi sequer indiciado apesar de uma das armas usadas pertencer ao seu padrasto e os três condenados não estão cumprindo pena atualmente, ou seja, não há ninguém preso pelo crime. O motivo? Represália após um episódio de alguns meninos jogarem uma pedra num carro da polícia que havia detido um amigo deles, no dia anterior.

Mais uma vez, Sandro presenciou uma tragédia, não ficou ferido, não teve um único arranhão, seu físico ficou intacto, mas sua alma, seu emocional... Os fragmentos de sua história pessoal apontam para um caminho cada vez mais presente. Após esse episódio, Sandro acabou passando por diversas instituições de reabilitação, se envolveu em assalto a mão armada e foi condenado estando foragido da justiça.

“ÔNIBUS 174”

Ônibus 174 é um filme documentário brasileiro de 2002, dirigido por José Padilha e tem uma curiosidade: o coprodutor é Rodrigo Pimentel, ex-capitão do BOPE – Batalhão de Operações Policiais Especiais - e hoje consultor em segurança pública, autor do livro Elite da Tropa que serviu de base para os filmes Tropa de Elite, que contou com praticamente toda a equipe técnica do documentário Ônibus 174. Fruto de uma cuidadosa investigação, que buscou as imagens de arquivo, entrevistas e documentos oficiais. Recebeu quatro indicações ao Grande Prêmio Cinema Brasil de 2003: melhor roteiro original, melhor documentário, melhor som e melhor montagem. Foi premiado na Mostra Internacional de Cinema São Paulo (2002) e no Festival de Havana (2003) como o melhor documentário; no Festival Internacional de Cinema do Rio de Janeiro (2002) como o melhor filme brasileiro e melhor documentário; além de vencer o Emmy Awards (2005) como melhor documentário. Apesar de tantas qualidades, o filme deixa a desejar ao não relacionar muitos dos entrevistados com Sandro, causa um pouco de dificuldade de compreensão.

A sequência inicial das imagens e as falas introdutórias evidenciam a realidade dos meninos de rua que vivem um cotidiano de violações sociais, privações e preconceitos, realidade esta que também faz parte da responsabilidade do Estado, como protetor de quem vive em risco social. Também o Estado não exerce sua função.

O sequestro é mostrado paralelamente à vida do sequestrador e sua interseção transcende a realidade de ambas, no mínimo incomoda, pois um dos argumentos sustentado pelo autor do filme é que Sandro tenha sido vítima de um processo de exclusão social a tal ponto, que ele se transformou, de uma criança órfã em bandido, não só por escolha própria, mas principalmente pelo abandono por parte das autoridades do Estado do Rio de Janeiro, nos fazendo refletir sobre a responsabilidade de cada parte, governo, sociedade e do próprio indivíduo nessa situação. É isso que o documentário mostra e mais, sugere as causas da violência nas grandes cidades do Brasil, o descuido com essa população específica: os meninos de rua.

O sequestro se dá no mesmo palco social onde se deu a “Chacina da Candelária”: as ruas, mais precisamente no Jardim Botânico, Rio de Janeiro e envolveu o sequestrador, os reféns, vários policiais, o BOPE, a mídia e curiosos.

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