Programa de Pós-Graduação em Estudos de Literatura
Por: Salezio.Francisco • 17/5/2018 • 1.278 Palavras (6 Páginas) • 459 Visualizações
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Como vimos no capítulo anterior, a partir da segunda metade do século XX em Portugal, inicia-se uma predileção poética que valorize o símbolo de forma dupla: tanto na esfera da analogia do símbolo como na esfera da analogia da linguagem – relativa ao verbo. Dessa forma, podemos observar que o Experimentalismo Português (PO-EX) está marcado por analogias que ora se comunicam com a esfera do simbólico e do cognitivo, ora com a esfera do significante, conseguindo unir traços do Existencialismo e do Estruturalismo, considerados antagônicos, por meio das associações da linguagem.
Por isso, acreditamos que o livro “Dinâmica Subtil” seja um exemplo de experimentalismo em busca da valorização do símbolo, mesmo que abstrato, como riqueza vivencial e do uso da palavra para reflexão da própria linguagem. É por meio desses experimentalismos que o poeta nos canta a criação do universo e do mundo, ao mesmo tempo que nos faz refletir sobre a linguagem.
Observemos, com isso, as três primeiros composições da segunda metade do livro denominada “PRONUNCIAR A TERRA”:
“Nasce e é uma sombra e arde
na frescura de ser a dilatada folha
exacta e branca.” (1984, p.23)
“Amar esta sombra que desliza
e que é talvez já a presença que nos foge.” (1984, p.24)
“Onde o pulso descaminha
por vezes num campo abandonado
é mais perto a terra mais solitária a sombra.” (1984, p.25)
Logo de imediato nos chama a atenção a quantidade de versos por página. O branco da folha insurge e nos sugere um espaço aberto e livre para composição, ao mesmo tempo em que o eu-lírico, no primeiro verso, canta o nascimento. Nasce, pois, uma sombra, que arde na frescura de ser a folha exacta e branca. Nasce, assim, algo dual, que é sombra, mas é também branca e exacta. Tal dualismo une-se através do verbo ser/estar, pois “é” sombra e arde na frescura de “ser” exacta e branca e vai além, une-se na imagética da mão projetando sombra sob a página branca, nasce, então, algo que não está dividido pela sombra e pela brancura: nasce a escrita, a criação.
O eu-lírico continua cantando a criação. A sombra desliza e torna-se cada vez mais fugaz conforme surge a terra, ou seja, a escrita, o que fica marcado na página que estava em branco: “é mais perto a terra mais solitária a sombra”. Estabelece-se, dessa forma, a ideia de que ao “pronunciarmos a terra”, por meio da palavra, da criação, da escrita, nasce o mundo, o nosso mundo. Como que ao ser nomeado algo passe a existir, passe a ser símbolo.
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- A paisagem que desabrocha
( Como já dito, este capítulo, juntamente com o anterior, forma o núcleo central da tese, assim seguimos com análise interpretativa, porém, agora, nos ateremos a uma característica marcante na atividade lírica de ARR e nesta obra: o espaço.)
Sendo o espaço uma das características marcantes da atividade lírica de ARR e considerando que o nosso objeto de estudo, segundo nossas interpretações, refere-se a criação do universo e do mundo físico e simbólico, consideramos oportuno analisar a questão da formação do espaço na obra, para tal elegemos como embasamento teórico os recentes estudos sobre paisagem.
.A paisagem, para Michel Collot, é fruto de uma certa maneira de olhar, culturalmente construída, é a imagem que construímos da natureza por um modo subjetivo. Portanto, falar em paisagem é falar de percepções do sujeito. Mas não apenas como um olhar, pois o sujeito ao mesmo tempo que a percebe é englobado por esta mesma paisagem, logo a subjetividade é construída na relação com o mundo e este, por sua vez, é constituído na relação que mantém com a subjetividade, de modo que mundo e subjetividade relacionam-se por alteridade.
Assim, o presente capítulo tratará de interpretar e de refletir sobre como em Dinâmica Subtil as palavras, universo e mundo vão além de si mesmos e dizem um outro espaço, que se transforma em paisagem – e como a paisagem pode, ou não, instaurar uma nova palavra/realidade.
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