O CONFLITANTE EMBATE ENTRE LÍNGUA MATERNA E LÍNGUA ESTRANGEIRA
Por: kamys17 • 27/3/2018 • 3.550 Palavras (15 Páginas) • 350 Visualizações
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Porém, para abordarmos aspectos referentes a uma língua não materna (estrangeira) julgamos necessário tratar deste de modo a esclarecer o ponto de partida de nossa contribuição que parte do materno a aspectos concernentes a apropriação do estrangeiro.
E a língua estrangeira, qual seria sua acepção? Conforme Coracini (2003, p. 146), “a língua estrangeira, também chamada por alguns de segunda língua, nome que se dá sobretudo quando sua aprendizagem ocorre em contexto de imersão”. O adjetivo "estrangeiro" indica uma língua que é estudada em uma região cuja LM não está presente, ao contrário da segunda língua que pode, ou não, estar presente. Com isso, o inglês que é estudado no Brasil é estrangeiro, tal como um brasileiro que aprende inglês em Mato Grosso, aprenderá inglês como língua estrangeira, ou seja, fora da área onde esse idioma é falado. Enquanto é "segunda língua" o inglês que é estudado por um brasileiro na Inglaterra, por exemplo.
No uso da linguagem há diferentes graus de “estrangeirização” como propôs Coracini. Segundo ela, “é, aliás, muito comum imputar-se à língua estrangeira essa sensação de estranhamento; afinal, trata-se de uma língua “estranha”, língua do outro, do desconhecido” (CORACINI, 2003, p. 146). Entretanto, não se pode inferir que a aprendizagem de LE é totalmente consciente e que a língua permanece sempre exteriorizada ao sujeito, pois é possível não apenas conhecer uma língua, mas saber uma língua a partir da língua que se sabe (MELMAN, 1992 apud CORACINI, 2003, p. 144). Na aprendizagem de uma outra língua, pode-se ter medo do deslocamento ou das mudanças ocorridas, medo de perda da identidade ou do desconhecido. O medo, em situações particulares, pode bloquear a aquisição/aprendizagem, dificultando a eficácia e o prazer desse processo. Por outro lado, a autora atribui uma forte atração pela língua estrangeira ao desejo do outro que nos constitui, desejo ilusório de completude. Porém, tanto no caso do medo quanto da atração, é o mesmo desejo do outro que move a aprendizagem ou a resistência a uma determinada língua.
Acreditamos ser na imbricação da língua materna e língua estrangeira que se situa nosso discurso. A cumplicidade entre ambas revelando a sedução que aproxima ou distancia o sujeito de uma nova língua. A divisão das línguas não passa de uma ilusão. É possível misturá-las sem que elas percam sua singularidade. A primeira língua sempre servirá de parâmetro para a assimilação da aquisição de uma segunda língua considerando tanto o que têm de semelhante quanto o que têm de diferente. A língua estrangeira, o estranho, o outro está sempre presente na língua materna. A verdade é que não estamos preparados para a heterogeneidade. Fomos formados para compreender que uma língua é completa, única e transparente repleta de palavras capazes de reproduzir nossas intenções e pensamentos. Neste sentido, afirmamos que essa forma de compreender a língua é uma ilusão, pois cada fala vem carregada de outras vozes, constituída na relação com o outro, num contexto sócio histórico. Assim, só é possível adquirir/aprender a língua estrangeira a partir do momento em que aceitamos o estrangeiro que somos e que nos constitui.
Por outro lado, o inconsciente definido como o Outro[2], assim
[...] “funciona como uma língua interditada e a expressão mais manifesta deste interdito repousa nisto: o sujeito não pode articular plenamente o desejo que é inerente, que é veiculado por esta cadeia, que é constitutivo dessa cadeia”; o inconsciente constitui essa zona heterogênea, habitada pelo desejo da mãe, interditado pelo pai (social) (CORACINI, 2003, p. 148).
Nesse sentido, Coracini resume o conjunto das ideias expostas como sendo o desejo do outro que nos constitui e cujo acesso nos é interditado. O desejo da mãe pode ser explicado como o desejo da completude, da totalidade e do pai como a fuga recalcada e da qual deseja escapar, na esperança de uma liberdade ilusória. A relação entre as duas línguas parte da noção de sujeito perpassado pelo inconsciente habitado por recônditos desejos ‘interditados’. Nesse aspecto, Maria José Coracini pontua ambas com suas respectivas especificidades. Enquanto
a língua materna é justamente aquela que abafa esses desejos, constituindo, em nível consciente, a ilusão do sujeito completo, uno, origem do sentido, capaz de se autocontrolar e controlar o outro (interlocutor), já que se percebe capaz de controlar os efeitos de sentido de seu dizer, a ilusão da identidade definida como igual a si [...] (CORACINI, 2003, p. 148).
Conquanto, “a língua estrangeira é a língua “estranha”, a língua do estranho, do outro. Tal estranhamento tanto pode provocar medo como uma forte reação. No primeiro caso, é o medo da despersonalização que sua aprendizagem implica” (MELMAN, 1992 apud CORACINI, 2003, p. 149). De modo geral, o caso em que aprender línguas pode ser explicada como o desejo do outro, um outro que nos constitui, que nos habita e cujo acesso nos é interditado.
A língua estrangeira nos permite ainda falar e ser falado, “‘saber” essa língua, isto é, “ser falado por ela” (CORACINI, 2003, p. 153). A questão não é considerar que um indivíduo deverá saber a língua estrangeira tal como a língua materna. Mas compreender a nova constituição de identidade e de sujeito.
Se “uma língua materna é aquela na qual, para aquele que fala, a mãe foi interditada” (MELMAN, 1992 apud CORACINI, 2003, p. 148), ou seja, ela é o lugar da interdição e que carrega, historicamente, o peso de sujeito histórico e o imaginário ideológico que naturaliza o que foi construído.
Como denota, a língua materna é a “língua do desejo interditado”, do conhecido, do já dito; nela está alocada também a memória discursiva. A língua materna é a que vincula lembrança da mãe que nos introduziu a fala e, ao mesmo tempo, a que nos interdita a mãe, porque através do intermédio dessa que sofremos nossa castração. As interdições são sentidos inscritos em outro lugar, assim é importante assinalar que é o falante que introduz lapsos, deslizes e tropeços, pois seu desejo é sempre o desejo de algo diferente do que a língua pode lhe oferecer, uma vez que o diferente está interditado apesar de ter causado desejo. Por outro lado, em tais situações como a expressão de afetividade, da emoção, do sentimento, de agradecimento, de desculpas e revoltas elas não se encontram interditados em nossa língua, pois ela nos permite dizer mais e melhor e nos sentir melhor.
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