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A Condição humana

Por:   •  24/12/2018  •  3.237 Palavras (13 Páginas)  •  419 Visualizações

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Hannah Arendt afirma que a filosofia moderna começou com o pensamento de Descartes no qual foi o primeiro a conceitualizar esta forma moderna de duvidar. A dúvida cartesiana advém do assombro diante dessas novidades. O assombro relacionado à dúvida cartesiana é uma reação à nova realidade, vista como um vislumbrar diante de uma concepção de mundo em que não era mais a contemplação, nem a observação e nem a especulação que mudava a concepção física do mundo, mas a invenção de um determinado instrumento - o telescópio. Neste caso, considerando a interpretação de Hannah Arendt, entra em cena o homo faber, com sua atividade de fazer e fabricar o mundo.

O homem foi enganado ao permanecer fiel aos olhos do corpo e da mente, isto porque a verdade e a realidade são coisas distintas e não se apresentam como são de fato . Somente com a eliminação da aparência pode se alcançar o verdadeiro conhecimento, e isso só pode acontecer através da interferência da ação humana. Os sentidos da percepção levam a uma interpretação equivocada da veracidade, como por exemplo, o olho via o Sol que girava em torno da Terra e não o seu contrário que consistia na verdade deste movimento, assim, já não se poderia utilizar a metáfora referente aos olhos da mente. A separação do Ser e da aparência por um instrumento criado pelo homem derrubou tanto a mente como os sentidos.

A dúvida cartesiana é autêntica e nada a escapa, desde o pensamento à experiência. A autora ressalta, Descartes parte da crença na dúvida e não na razão, na perda da evidência que dispensa demonstração e que é evidente apenas para o autor e não para todos. A dúvida está na existência de uma “chamada verdade”, apoiada apenas na percepção dos sentidos e na reação ou crença na existência revelada por si mesma ou recebida pelas faculdades humanas; credo presente tanto na antiguidade clássica como na filosofia cristã.

Já a filosofia moderna contrapõe-se a essa tradição de verdade estática, presente entre Ser e aparência, pois as novas descobertas possuem tal causa contrária à confiança humana no mundo e no universo, como se a aparência ainda escondesse algum ser verdadeiro pronto para ser descoberto. Mas agora o Ser tem como característica de fundamentação sua atividade de criar suas próprias aparências, ou embustes. Com tais propriedades o humano, com o auxilio de seus instrumentos, é obrigado a se surpreender e não apenas descobrir as coisas. Como o exemplo citado por Arendt do homem que ao preparar armadilhas para pegar o assaltante, deve surpreendê-lo com sua presença. A primeira meditação cartesiana evidencia esta interpretação do questionamento da confiabilidade nos sentidos, procedendo de tal maneira que deve surpreender e não apenas descobrir as coisas do mundo.

Existem também outros dois pesadelos modernos cartesianos: primeiro, referente à realidade do mundo e da vida humana, os quais são colocados em dúvida pela descrença no senso comum, na razão e nos sentidos. O segundo aparece no decorrer da obra Meditações e é relativo à condição humana perante um Espírito Mau e Enganador, que iludi as faculdades do pensar a partir dos sentidos, proporcionando uma verdade inalcançável. A perda da segurança nos depoimentos estabelecidos como verdadeiros gerou uma insegurança na possibilidade da salvação, ou mesmo na fé, que ensejou um excesso de práticas de boas ações durante a vida e uma aceitação da mentira, pois não havia uma certeza provida de veracidade.

O sucesso do mundo científico se consolidou nas armadilhas de capturar a natureza e revelar seus segredos. A transposição do itinerário do mundo da contemplação, do observador, para a realidade aberta, do fabricador, modificou seu método de verdade, pois agora a prova teórica passava a ser prática, ou seja, funciona ou não a hipótese posta em questão. Se a teoria ocorresse dentro desse sistema dual de falsidade e veracidade, ela enquanto verdade significaria o triunfo da engenhosidade científica independente da aplicabilidade, o que não se sustenta na modernidade.

A substituição da verdade por veracidade e da realidade por confiabilidade, significa que, mesmo não havendo verdades e certezas, o homem pode ser veraz e confiável, tendo a sua salvação presente nele mesmo. Neste caso, as perguntas da dúvida deveriam estar na própria dúvida e se tudo é duvidoso a dúvida é certa. Portanto, não está na autoconfiança, mas no ato de duvidar que o homem toma conhecimento de um processo de dúvida, o qual o leva a um dizer de sua mente, a uma introspecção. A introspecção é entendida como um olhar para dentro da própria mente para ver o que se pensa ou se sente. A idéia de que esse processo é semelhante ao da percepção, exceto por ser voltado para o interior. Em vez de conceber esse processo como uma percepção do que se pensa ou se sente, deveríamos talvez encará-lo como uma tentativa de saber o que dizer, ou de ensaiar uma narrativa que poderia tornar-se pública.

O interesse da consciência cognitiva em si mesma, o que caracteriza a introspecção, envolve apenas a mente e não há interferência alheia, a não ser do autor do produto, como salienta Arendt. O homem diante de si mesmo assegura a realidade e garante a sua existência, pela confirmação da mente que reconhece na consciência as sensações e os raciocínios como processos biológicos do corpo. Citando Arendt, “Conhecer e compreender outra coisa além de si mesmo, a filosofia moderna procurará garantir, através da introspecção, que o homem não se preocupasse a não ser consigo mesmo”

Para resolver o problema do Gênio Maligno, Descartes apresenta a Bondade de Deus como um recurso seguro da possibilidade do homem conhecer o mundo. No entanto, Arendt afirma que na modernidade a relação de Deus com o mundo e a Terra, gerou uma dúvida acerca de sua revelação, pois quanto mais o homem aprendia sobre o universo através da criação de instrumentos, mais ele se questionava sobre qual seria as intenções de seu criador ao criá-lo. A engenhosidade da introspecção cartesiana esta num desenvolvimento tanto espiritual como intelectual da modernidade. No processo introspectivo, um objeto é visto não como uma mera cópia da realidade recebida pelos sentidos, pois ao ser processado e transformado pela consciência, torna-se parte de um processo em movimento do conhecimento. A certeza ao ser resguardada pelo pensamento cartesiano surgia como conseqüência de uma proposta de um método claro e distinto, já que não posso conhecer a verdade como algo dado e revelado. O homem só pode conhecer o que ele mesmo faz, e é pela introspecção, pela consciência de si mesmo que ele produz a realidade humana,

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