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Fetiche da Mercadoria

Por:   •  16/12/2017  •  28.251 Palavras (114 Páginas)  •  371 Visualizações

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Isso posta surge o desafio maior para esses profissionais do mercado, que é compreender como funciona a “mente humana” para que se possa prever o comportamento no ato da compra, o que está levando o marketing a apelar para a psicanalise a fim de entender que sujeito é esse que a racionalidade cientifica não consegue mais explicar. Com efeito, as pesquisas tradicionais do consumidor – as que consistem em escalar, um grupo de pessoas para desferir diante da proposta do lançamento de um novo produto ou serviço – parecem não dar mais conta da complexidade da situação em que se encontra a sociedade atual. Isso porque, dizem os especialistas no assunto, “ao ser escalado para participar de um grupo de pesquisa o sujeito vira uma personagem: abandona sua espontaneidade, intuição, caprichos e esconde qualquer vestígio de excentricidade. Assume ares de uma personalidade madura e racional. O resultado é um retrato fora de foco. São as respostas tão formais e politicamente corretas quanto irreais”.

Essa analise baseada no livro Guts, de Robert Lutz (Ex-vice-presidente da Chrysler americana), é utilizada por Nelson Blecher para discutir o porquê dos fracassos que, muitas vezes, marcas poderosas sofrem até alcançarem novos produtos no mercado, mesmo quando precedidos de uma bagatela de pesquisas “cientificas”. O curioso é quando Blecher prossegue e cita os estudos de negocio que o neurologista Antônio Damassio, da universidade de Iowa, realizou com pacientes que sofreram lesões cerebrais e que, por isso, tiveram uma queda no nível emocional, enquanto suas funções racionais continuam funcionando normalmente para resolver problemas hipotéticos ou cálculos complicados, por exemplo. Esses pacientes tinham dificuldades até mesmo diante de pequenas escolhas pessoais, como optar pela cor de uma camisa ou por um prato num restaurante. Estes seriam, segundo Blecher, as cobaias ideais para os pesquisadores de mercado, que partem do pressuposto de que os consumidores agem apenas racionalmente.

Mas se levarmos essa questão as ultimas consequências, poderíamos afirmar que a função da marca trata, exatamente, de oferecer as opções para um consumidor que parece não saber mais escolher a cor de uma roupa ou um tipo de comida. Esse fato leva a um curto circuito no funcionamento da marca, pois, ao mesmo tempo em que ela, a marca, busca atingir um consumidor que não consegue mais fazer qualquer escolha sem o respaldo da marca, deve-se esperar que ele fosse capaz de, pelo menos, optar por uma marca especifica, ou seja, que ele ainda seja constituído por algum tipo de emoção, de afeto, por algo que o leve a consumar um ato que envolva algum significado.

Aqui temos um paradoxo: o desejo da marca, que é, no final das contas, o do proposito capital, criarem um estado de dependência absoluta do sujeito que, do ponto de vista de um “tipo ideal”, constituiria o mesmo que acontece com a toxicomania: ‘’ o fato de que existe um objeto fabricado, suscetível de anular todo gozo, por outro lado, de provocar o que se chama esse estado de dependência que faz com que não seja mais possível prescindir dele... Isso é muito exatamente o ideal... “De todos aqueles que se arriscaram a lançar produtos no dito mercado, ou seja, a encontrar o que seja suscetível de tomar esse lugar”. Em outras palavras, esse é um desejo sem representação, uma “passagem ao ato”, que consiste a experiência mais radical do usuário de drogas: o consumo absoluto do “real” do corpo.

Porem, na medida em que a marca precisava permanecer nos corações e mentes dos consumidores - já que, pelo movimento inerente ao próprio capital ela pode ser descolada, substituída por outras -, ela ainda parece requerer certa forma de apresentação, e exatamente num momento em que a junção entre técnica e economia provocou uma aceleração tal no movimento do capitalismo que tudo se tornou descartável, inclusive, e principalmente, a cultura. A imagem que a cultura nos fortalece – esse outro pelo qual nós nos constituímos – é um mundo que perdeu a sua forma, o que nos leva um sentimento de desagregação, que é à base das teorias pós-modernas sobre o sujeito fragmentado, sobre a perda do significado; portanto, sobre a impossibilidade da representação.

Mas o capital corrói e, ao mesmo tempo, oferece uma saída, embora ela seja tensa, ambígua e corra o risco de desintegrar-se o tempo todo. É essa tensão que, a meu ver, está tão evidente no funcionamento da marca, quando ela se apresenta como uma “ilusão de forma” numa cultura que se tornou “descartável”. Nesse caso, é o próprio capital que pretende assumir o lugar símbolo, mas esse é um lugar, que por sua própria natureza, ele não consegue sustentar, já que, na medida em que a concorrência leva os capitais individuais a se modificarem continuamente, e hoje mais que nunca, isso acaba por implodir a própria base da marca como símbolo que exige algum sentido de permanência.

Daí porque torna a marca como sintonia de nossa época, ao mesmo tempo em que ela é protagonista de um processo de descartabilidade da cultura, fomentando-o. Nesse sentido – e é esse o desafio deste livro -, a partir da formatação da própria marca publicitária podemos “rastrear” a formação da subjetividade que corresponde ao tipo de cultura descartável e que está na base do funcionamento do fetichismo das imagens. Mas as questões que procuro responder exigem que suas respostas sejam buscadas fora do âmbito do marketing, caso contrário, continuaríamos a fazer uso do seu próprio discurso.

Antes, porem, faz-se necessário explorarmos um pouco mais o funcionamento da marca do ponto de vista mercadológico. “Partindo da perspectiva, dada de antemão, de que nossas “mentes” são povoadas por marcas publicitárias, os profissionais do marketing estão utilizando novas técnicas de pesquisa” que exploram o imaginário do consumidor”, como um “laboratório de metáforas visuais” ou um “teste com técnicas projetivas”, nas quais se procura é abolir o lado do sujeito, levando-o a atuar de uma forma lúdica, até mesmo infantil – a qual, se supõe, seja a forma como o consumidor se comporta no ato da compra. Numa dessas “brincadeiras”, por exemplo, os hipotéticos consumidores são levados a escolher fotografias que materializem a personalidade de uma marca, caso ela fosse uma pessoa. Os dados coletados na pesquisa passam a ser, então, um ponto de partida fundamental para que as empresas desenvolvam estratégias de marketing que reflitam os desejos de um determinado segmento social, a partir dos consumidores pesquisados.

Ao que me consta, entretanto, essas são “armas” acessíveis somente às grandes empresas, ou seja, as

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