O campo das instituições religiosas: O vale do amanhecer da cidade de Formosa
Por: Kleber.Oliveira • 7/6/2018 • 1.986 Palavras (8 Páginas) • 393 Visualizações
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No banco que estávamos sentados, as pessoas também se incorporavam, havia uma criança, que parecia estar incorporada, mas que nem eles sabiam mais como lidar. De repente uma mulher que estava sentada ao nosso lado começou a sentir mal, creio eu, que estava se incorporando também. O que pude perceber é que ninguém vai ali por ir, tem sempre um motivo, o corpo está doente, a alma pede cura.
Assim que a fila começou a andar tive a chance de poder sair dali. Confesso que foi um alívio gigantesco, saí como se estivesse fugindo das coisas que já vivi. Fui lá fora tentando achar algo pra fazer, pois “o espetáculo” acontecia lá dentro. Mas não foi muito difícil, todos que estão ali são muito atenciosos. Aproximei-me de uma mulher que estava sentada dentro do bagageiro de um carro, ela estava almoçando, me ofereceu comida, mas agradeci, me ofereceu um copo com refrigerante e aceitei. Perguntei se ela frequentava ali há muito tempo, ela me disse que estava esperando o marido dela, pois ele sim é que trabalhava lá, ela estava só esperando.
Ela perguntou se eu não iria entrar, eu disse que não, que estava esperando uma amigas que estavam lá dentro. Confessei que estava um pouco assustada, mas não disse está ali pra fazer algum tipo de pesquisa, tive medo dela não querer conversar comigo sabendo que eu estava ali para fazer um trabalho antropológico. Mas foi só o tempo de beber o refrigerante e comer alguns biscoitos, eles precisavam sair, iam buscar alguns parentes que estavam chegando. Mas a respeito do vale, o que ela me disse foi que eu não precisava ter medo, se não fizesse bem, mal não iria fazer. Agradeci, e saí. Fui caminhando observando aquelas pessoas que não paravam de chegar, gente de todos os cantos, de todos os credos, de todas as idades.
Fui caminhando em direção a um espaço que parecia uns quitinetes, havia uma cadeira vazia, mas fiquei sem graça de sentar (vai que o dono aparecia), fiquei em pé, na sombra, quando olhei de novo pra cadeira havia um senhor sentado. Aproximei-me, o cumprimentei, ele foi muito gentil. Perguntei se ele frequentava ali, ele disse que sim, já havia 18 anos. Perguntei o que era aquele espaço, ele me disse ser um hotel aonde as pessoas que vinham de longe se hospedavam. Ele era responsável de receber as diárias das pessoas que ali se hospedavam.
Sentei-me no chão, ao lado dele, conversando descobri que tínhamos algo em comum, ele era da mesma cidade que eu, Fortaleza, que ele era um policial aposentado, era separado da esposa e que tinha dois filhos, na verdade um, pois o outro já havia falecido. Ele começou a me contar a experiência dele quando conheceu o vale do amanhecer, me contou da experiência com a tia Neiva, que é fundadora do local. Percebi que mesmo depois de morta eles têm uma verdadeira adoração por essa mulher, é como se ela estivesse ao lado deles o tempo todo.
Ele me disse para ir conhecer a casa dela, sim, a casa dela que era mantida lá montada, com fotos e toda a história desde a fundação. Fui na casa, entrando lá encontrei um verdadeiro museu com muitas, muitas fotos dela, o quarto com cama, roupas e tudo que ela usava. Na sala, as coisas permaneciam intactas, no banheiro da mesma maneira. Era uma casa simples, sem forro, só com o telhado. O piso era de “chão batido”, vermelho. Na cozinha, era a única parte da casa que não havia nada, somente as fotos, muitas fotos.
Enquanto eu estava lá, não podia tirar fotos do local, era a única exigência que faziam, num outro cômodo, havia uma foto gigantesca da tia Neiva, as pessoas que ali estavam a reverenciavam igualmente como faziam com a imagem de Jesus cristo lá dentro do templo. Continuei entretida olhando as fotos, de repente começa a entrar na sala aquelas pessoas com muitos incensos, as mesmas que passaram por trás de nós enquanto estávamos sentadas lá no banco do templo. Assustei-me e saí.
Voltei pra conversar com o senhor que lá continuava sentado, ele começou a me contar de como conheceu o vale, há quanto tempo foi fundado, que já havia em outras partes do mundo, em vários lugares do Brasil. Apesar da morte da fundadora, a tia Neiva, que já havia 30 anos, não deixaram os trabalhos parar, o filho dela andava por todo o país visitando os templos espalhados.
Ele me contou um pouco do que os frequentadores e trabalhadores do local precisavam fazer pra continuar lá dentro. Contou-me um pouco dos significados das coisas, das roupas. As pessoas que andavam com uma espécie de colete, poderíamos identificar pelo símbolo que estavam nas costas delas, quem tivesse um triangulo desenhado, eram os que incorporavam os espíritos, e os que tinham uma vela eram somente doutrinadores. As mulheres que, pareciam mais fadas, se vestiam daquela forma, pois era a vestimenta da entidade com a qual mais se identificavam. (Lógico que não contei, que aquilo pra mim parecia mais uma fantasia!).
Para permanecer, não poderiam frequentar nenhuma outra igreja, ou qualquer que fosse a religião, para não “cruzar corrente”, não podem ingerir bebida alcoólica, e os doutrinadores fazem um juramento de não falar nada do que foi visto e ouvido do que foi dito pelos pacientes aos espíritos incorporados. Se um dia quiser sair da religião a orientação é: “entrega as tuas armas, e nada te acontecerá”.
Contou-me que não conheceu a tia Neiva, mas me falava sobre ela como se todos os dias ele conversasse com ela. Tinha fotos, o áudio da voz dela gravado no celular, e se emocionava cada vez que falava dela. Todos tinham um grande respeito por ela, ela era muito amorosa com todos, gostava de ajudar as pessoas carentes, ela chamava as moças que a ajudavam de “minha ninfa”. Era uma mulher com um alto grau me mediunidade, a primeira vez que se incorporou, passou 7 dias desacordada. Já foi motorista de ônibus, taxista, era uma mulher forte e muito bonita. Nem perto da morte deixou a vaidade de lado (percebi ao ver as fotos).
Conversamos tanto que nem percebi o tempo passar, ele foi muito gentil, mas da mesma forma, como a mulher sentada no bagageiro do carro, não falei o meu real motivo
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