GENERO E SEXUALIDADE NO CINEMA
Por: Sara • 4/11/2017 • 2.539 Palavras (11 Páginas) • 494 Visualizações
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O filme mostra uma série de situações constrangedoras e violentas que acontecem com Joaquin, enquanto “sujeito de sexualidade desviante” (p.345) desde a infância, passando pela adolescência até chegar à idade adulta. Ao longo da trajetória de vida de Joaquim, o filme vai criticando a hipocrisia da sociedade em questão, uma vez que mostra a grande quantidade de homossexuais, que se escondem, reproduzindo por muitas vezes o discurso conservador vigente.
O romance em plena década de 90 do século XX contado nesse filme tem por objetivo criticar a ideia de estrutura social heterossexual como única e incontestável, demonstrando que muitas vezes esta se baseia em grandes farsas, como no caso de “No se lo digas a nadie”. O protagonista vive em núcleo familiar patriarcal, e devido a sua orientação sexual, seu pai, representante da masculinidade hegemônica - branca, heterossexual e economicamente privilegiada (p.349), e sua mãe, “a porta-voz da moral religiosa, que relaciona o par opositivo abstinência/concupiscência com o par virtude/ pecado” (p. 349), sentem nojo e o desprezam. Esse fato acarreta na fuga do protagonista de sua casa.
Um aspecto interessante visível no filme é a chamada “dupla vida” ao qual Joaquín vivencia cotidianamente. Publicamente, ele levava uma rotina heterossexual, ao passo que, às escondidas, vivenciava sua homossexualidade. É possível perceber esse modos operandi em vários parceiros de Joaquim durante a trama, entre eles Alfonso e Gonzalo. Há várias cenas em que o protagonista conversa com Alfonso acerca das implicações de se viver a homossexualidade no contexto peruano. Enquanto que para Joaquím, seu parceiro deveria ser sincero com seus pais e contar sobre sua orientação sexual, Alfonso diz que não o faz por amor e por receio de escândalos que provavelmente aconteceriam, preferindo assim, ficar no armário. Anselmo Peres Alós, em “Não contar a ninguém ou contar a todo mundo? Colapsos da masculinidade em No se lo digas a nadie” (2013), apresenta uma interessante reflexão de Butler sobre esse momento:
“Assumir-se” sempre depende, em certa extensão, de ser “enrustido”; “sair do armário” ganha o seu significado apenas dentro desta polaridade. Assim, “assumir-se” produz o “enrustimento” reiteradamente, como a própria condição de possibilidade do “assumir-se”. Neste caso, o “assumir-se” pode apenas produzir uma nova opacidade; e o “armário” [ou o “enrustimento”] produz a promessa de um discurso que pode, por definição, nunca acontecer. (p.354).
Ainda pelo viés de Judith Butler, a autora em seu livro “Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade” (2004) questiona, assim como o filme, a ideia vigente sobre o “sexo”, demonstrando que existe uma estrutura formulada que direciona o pensar sobre o assunto ao longo da história.
Ela discorda da ideia de que só se pode teorizar sobre o gênero, enquanto o sexo pertenceria ao corpo e à natureza. Para Butler, em nossa sociedade estamos diante de uma “ordem compulsória” que exige a coerência total entre um sexo, um gênero e um desejo que são obrigatoriamente heterossexuais. Assim, se uma criança nasce menino, por exemplo, ela estará condicionada, por suas características biológicas, sentir atração por meninas. Ao decorrer do texto, a autora discorda dessa ordem compulsória, descrevendo sexo, gênero e desejo como elementos diferentes, e não obrigatoriamente submissos a essa lógica social.
Assim, para Butler, o conceito de gênero vigente, está imerso nessa ordem social, a partir de construções legitimadas, nesse sistema. Portanto essa característica, legitimada, e propagada a partir do discurso, retrata o sexo e as diferenças sexuais fora do campo do social, isto é, o gênero aprisiona o sexo em uma natureza inalcançável à nossa crítica e desconstrução, elemento que Judith Butler visa desconstruir, pois este, fundamenta todo um sistema de relações de poder, heterossexual e masculino.
A partir de descrição desse sistema, Butler demonstra como o movimento Feminista, busca não subversão social, mas a quebra de um sistema de dominação exaltado como natural, mas fruto de uma construção social, que como todo sistema de dominação favorece um grupo em detrimento do outro e que assim como no filme “No se lo digas a nadie”, constrói uma verdade sem um fundamento real, a partir de uma formulação que reflete a hipocrisia de um modelo de dominação altamente hierarquizado e segregatício
3. Filme “Milk – a voz da igualdade”
Dirigido por Gus Van Sant em 2008 e baseado em fatos reais, o filme “Milk – a voz da igualdade”, conta a história do ativista Harvey Milk. Apresenta uma reflexão acerca da construção de identidades sexuais e da constante busca pela conquista de direitos e ideais em uma sociedade repleta de normas reguladoras no que diz respeito ao gênero, sexo, desejo e prazer presentes nos corpos e personalidades humanos.
Quando se fala nos direitos humanos e sexuais dessas minorias, a escritora Kate Sheill, em “Os direitos sexuais são direitos humanos, mas como podemos convencer as Nações Unidas? ” (2008), relata que em todo o mundo, vigora muitos movimentos e campanhas políticas em prol dos direitos sexuais. E que os direitos sexuais não devem ser vistos separadamente dos direitos humanos, pois estão diretamente relacionados, uma vez que a sexualidade é uma dimensão central da identidade dos indivíduos. Segundo a autora:
O cumprimento dos direitos sexuais requer a igualdade entre os gêneros na sociedade. Também desafia preconceitos raciais profundamente sedimentados. A realização dos direitos sexuais exige que conceitos estreitos que ajustam a sexualidade ao gênero e as normas sociais que modelam o comportamento sexual sejam desafiadas. A adoção de uma perspectiva de direitos em relação à sexualidade é um componente importante da luta para atingir a igualdade, eliminar a violência e alcançar a justiça para todas as pessoas. (p. 92)
O romance entre Milk, quase quarentão, e o jovem Scott, é ilustrado logo nas primeiras cenas. Ambos se mudam para San Francisco, onde abrem uma pequena loja de revelação fotográfica em um bairro conservador irlandês chamado Castro. Aos poucos, Harvey envolve-se na vida política do bairro que, gradativamente, passa a ser frequentado por homossexuais, negros, latinos e hippies. Sua loja passa a ser um verdadeiro ponto de encontro.
Durante toda a exibição do filme, o protagonista narra sua trajetória de construção política enquanto militante pela causa gay. Sua história é marcada por cenas de romances, preconceitos,
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