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A Inserção da Criança Em Creche

Por:   •  27/7/2022  •  Ensaio  •  6.658 Palavras (27 Páginas)  •  893 Visualizações

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MANTOVANI, Susanna; Terzi, Nice. A Inserção. IN: BONDIOLI, Anna e MANTOVANI, Susanna (orgs.). Manual de educação infantil: 0 a 3 anos – uma abordagem reflexiva. Porto Alegre: ArtMed, 1998, p.173 - 184.

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  A Inserção

  Susanna Mantovani e Nice Terzi [Nota: 1]

  1. AS RAZÕES DE TANTA ATENÇÃO

 

  Uma estranha variedade de circunstâncias levou a afirmação de uma experiência única, sobre o panorama internacional, por sistematicidade e difusão capilar de reflexões e experimentações: a tentativa de criar uma continuidade emotiva entre família e creche, através da elaboração de um projeto daquele delicado momento de transição que é a adaptação da criança no novo ambiente ou, como costumamos dizer, a inserção na creche.

  As objeções em relação à creche, ainda existentes em nome do perigo de um trauma da separação, revelaram-se sem fundamento científico, mas estimularam o emprego de uma grande delicadeza e a realização de análises atentas do processo de inserção, ate torná-lo a primeira experiência educacional, uma coluna peculiaríssima sobre a qual se sustenta esta instituição também peculiar que, diferentemente de outro espaço dedicado à criança, apresenta-se como lugar de encontro e rede de relações complexas, nas quais os problemas e os comportamentos dos adultos também são tão importantes e dignos de atenções quanto os da criança. Trata-se de uma consciência muito atual que acompanhou, ou até antecipou - em sede educacional e institucional -, a perspectiva de pesquisa que vê, nas relações e nas interações entre adulto e criança, e não no comportamento da criança ou do adulto separadamente, a raiz do desenvolvimento cognitivo, afetivo e social (Schaffer, 1977; Kaye, 1982). Acrescentaremos até que talvez em nenhuma outra reflexão ou pesquisa consideraram-se realmente, alem das intenções declaradas, tanto o adulto quanto a criança. De fato, as pesquisas sobre as interações precoces, excetuando-se os estudos sobre o desenvolvimento comunicativo pré-lingüístico, que analisam com precisão a linguagem da mãe, mesmo salientando a necessidade teórica de considerar o relacionamento, na realidade descrevem, mais uma vez, sobretudo os comportamentos da criança que indicam o desenvolvi-

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mento cognitivo e social (no caso da literatura sócio-cognitiva) ou suas experiências emocionais (no caso das pesquisas de matriz etológica, como os trabalhos de Ainsworth, ou de matriz psicanalítica, como os de Mahler).

  Os temores de que a creche cause "traumas da separação" não possuem fundamento científico. Devido a duas ordens de motivos:

 

  a) a literatura sobre a separação (dos clássicos trabalhos de Spitz, 1958, e Burlingham & Freud, 1944, a Bowlby,1968, aos trabalhos dos Robertson, 1962, sobre crianças hospitalizadas), fala de separações totais (dia e noite), imprevistas, que acontecem sem preparação, introduzindo a criança em um ambiente desconhecido e estranho, onde não existem outras figuras adultas estáveis de referência (por exemplo, pelo rodízio, dia e noite, de enfermeiras ou educadores em hospitais ou orfanatos), onde freqüentemente acontecem fatos desagradáveis para as crianças (como os cuidados médicos, as refeições forçadas, a ausência de interações lúdicas, etc.).

Nada disso acontece (ou deve acontecer) na creche. A creche e uma separação parcial e temporária (a criança mantém uma rotina diurna e noturna em família), introduz a criança em um ambiente acolhedor, acompanhada pela mãe ou por uma figura familiar, gradualmente com uma, duas ou no Maximo três educadoras de referencia. Isso já é possível e acontece em todas as creches italianas, mesmo lá onde as modalidades e as técnicas para facilitar-se a adaptação não são particularmente desenvolvidas;

  b) as pesquisas - conduzidas em sua maioria nos Estados Unidos, mas também em alguns países europeus - sobre os efeitos da creche, particularmente sobre os comportamentos sócio-emotivos (apego a mãe, dependência-autonomia, tolerância a frustração, agressividade, comportamento social com os adultos e com as outras crianças), não mostram diferenças significativas entre crianças educadas em família e crianças provenientes da creche, nem em sentido positivo, nem em sentido negativo (Bronfenbrenner 1986a; Lazar 1984).

  Na realidade, encontram-se algumas diferenças positivas no que diz respeito à autonomia e socialização com as outras crianças, para os pequeninos provenientes da creche, e em algum estudo - porém refutado por outros - leves diferenças negativas no que tange à tolerância das frustrações e um apego à mãe um pouco mais ansioso nos momentos de separaçao (Blehar, 1974). Se considerarmos que tais pesquisas foram efetuadas lá onde não se tomou um cuidado nem ao menos comparável com o nosso, no período de transição entre família e creche, nem às dinâmicas sócio-emotivas, é lícito considerar que os efeitos, entre nós, talvez poderiam cair mais decisivamente a favor da creche.

  Sabemos, através de outros estudos (Bronfenbrenner, 1986a-b) que confrontam os efeitos do trabalho materna sobre a criança, ou a permanência junto à mãe, nos primeiros anos de vida, que as variáveis significativas são:

  a) o grau de satisfação que a mãe experimenta pela escolha realizada (trabalhadora satisfeita, dona de casa satisfeita, etc.) e não o fato de que a mãe trabalhe ou não, e que isso e proporcional a um desenvolvimento sócio-emotivo equilibrado da criança;

  b) a regularidade nos ritmos de vida da criança, com a mãe trabalhando ou não: para nos entendermos, é melhor a creche, mesmo que por muitas horas, junto a rotinas certas, regulares e previsíveis com as figuras familiares, do que um pouco de mãe, um pouco de avó e um pouco de babá, de forma irregular. De fato, nos primeiros anos de vida, quando a criança enfrenta a total novidade do mundo e da existência, a

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descoberta das sensações do seu corpo e do de outros, a raiva e a alegria, a alegria e o tédio, a cor e o som, o movimento e a linguagem, ela tem necessidade de algo certo, reconhecível e regular, de relações e trocas decodificáveis e, portanto, suficientemente estáveis a ponto de serem conhecidas, reconhecidas, de se tornarem previsíveis e portanto emotivamente relevantes e seguras. O equilíbrio novidade/regularidade o nível ótimo de discrepância - é sempre delicado, e sobretudo nessa idade, principalmente nas relações com as pessoas e com os locais que envolvem o máximo de energia emocional.

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