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O COTIDIANO E AS IDEIAS DE UM MOLEIRO PERSEGUIDO PELA INQUISIÇÃO

Por:   •  9/12/2018  •  5.007 Palavras (21 Páginas)  •  329 Visualizações

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Fazendo uma relação da cosmogonia (origem do mundo ou universo) com a de Menocchio pode-se comparar a um queijo no qual, com o passar do tempo surgem os vermes, figurando na história de Menocchio com a Reforma. Sendo assim, os vermes (a Reforma) rompe a crosta do queijo (universo/ mundo/ sociedade) e a Contra Reforma surge também neste contexto na tentativa de recompor a unidade.

Não satisfeitos com as respostas de Menocchio, durante o interrogatório na inquisição lhe foi questionado o nome dos demais integrantes do grupo, pois acreditava-se que ele não estaria só. Sabia que existia outra pessoa (Nicola de Melchiori), uma fonte que transmitia informações, já interrogada no primeiro processo, que forneceu o livro Decameron. Além desse livro, existiam outros como o chamado Zampollo que narra a história de um bufão (ator encarregado de fazer rir o público com mímicas, esgares, etc.) que morreu e foi para o inferno e fazia bufonarias com os demônios. Cita em seus versos atitudes de Martinho Lutero, vista como positiva, já que clama pelo concílio que trará de novo clareza doutrinal e repropõe o “puro Evangelho”, fé no sacrifício de Cristo. Suspeitava-se ainda que Menocchio também devia ter lido o livro “Sogno”, pois suas ideias eram profundamente fundamentadas.

Menocchio em seu dia-a-dia transmitia seus conhecimentos através de linguagem figurada para driblar a inquisição. Como ele possuía uma boa fundamentação e segurança naquilo que defendia, não era intimidado pela ameaça dos inquisidores. Não era um simples profeta visionário, um pregador ambulante. Relatava-se que quando ia se confessar questionava sobre a possibilidade de Cristo ter sido concebido pelo Espírito Santo e nascido da Virgem Maria.

No momento da prisão, o vigário-geral mandou revistar a casa e muitos livros foram encontrados, porém a maioria não era suspeita ou proibida, por isso não constam no inventário. A maior parte dos livros foram doados à Menocchio, essa informação foi importante para tentar identificar a rede de leitores em uma comunidade tão pequena como é a que Menocchio vivia.

Cogitado pelo vigário geral se seu discurso seria de um louco, porém descartada a possibilidade sugeriu-se Menocchio ser anabatista, também abandonada viu-se que ele se considerava um mártir "luterano", daí suas relações com a Reforma. Sua lista de leituras contradizia as suas ideias terem vindo da Reforma. Terminava por isolar palavras do contexto o que desformava sua leitura. Havia ao menos um livro que o inquietara a ponto de lhe dar pensamentos novos.

Possua maneira de ler complexa, no primeiro interrogatório afirmou que Cristo era homem nascido comum, e que Maria era chamada de virgem por ter estado no templo das virgens onde eram preparadas para casar. E baseou seu argumento no livro Lucidario della Madonna que veio a confundir ainda anteriormente citando-o como o Rosario della gloriosa Vergine Maria. Menocchio independente do livro inverteu os significados pois no texto do livro Maria era destacada pelos anjos e ele ateve-se a presença de outras virgens.

No interrogatório de 28 de abril expressou sem restrição sua acusação contra a Igreja respondendo ao inquisidor que a imperatriz nesse mundo era mais importante que Nossa Senhora, e que no outro mundo ela seria maior pois lá somos invisíveis. E justificou novamente seu argumento pela leitura do livro da vida de Nossa Senhora. No qual era relatado que o príncipe dos sacerdotes tentou derrubar o corpo de Maria que era levado pelos discípulos, onde a afronta do príncipe foi punida segundo o autor do livro com as mãos secando e ficando grudadas no leito, daí o príncipe exalta Jesus Cristo e tem uma cura milagrosa de suas mãos fazendo até exaltação da Virgem Maria. Porém Menocchio guarda na mente apenas o ato desonroso do chefe dos sacerdotes e ignora a questão do milagre (o livro era o Legendario).

No primeiro interrogatório Menocchio afirmou não crer na concepção imaculada de Maria, e citou ter lido num livro Fioretto della Bibbia que são José chamava nosso senhor jesus Cristo de filhinho, logo para Menocchio ele realmente o era. E ignorou que no mesmo livro Maria teria dito a uma mulher que o pai do filho dela era o Deus único. A leitura do Menocchio era evidentemente parcial e arbitrária as suas ideias pré-estabelecidas.

Durante os interrogatórios Menocchio fez muito poucas referências a Bíblia em si. Inclusive reelaborações paraescriturais do Fioretto della Bibbia eram-lhe mais familiares. Assim respondeu a uma pergunta vigário geral que amar o próximo é um preceito mais importante que amar a Deus. Afirmação essa que se apoiava num texto que falava que no dia do Juízo Final, Deus diria para um anjo: "eu tinha sede e não me deste de beber, eu tinha fome e não me deste de comer (...)". Daí Menocchio tinha a ideia de que Deus fosse o próximo pois teria dito ainda num trecho do livro a Historia del Giudicio: "Eu era aquele pobre". Assim ele infere que se Deus é o próximo, é mais importante amar ao próximo do que a Deus. Insistindo assim numa religiosidade prática, comum a todos os grupos heréticos italianos da época.

Um bispo anabatista ensinava a fé com a caridade voltada para o próximo citando também que no dia do Juízo Final nos perguntarão se ajudamos o próximo necessitado. Menocchio tinha uma atitude voltada ligeiramente para a redução da religião à moralidade. Utilizando-se de uma argumentação forte baseada em imagens concretas, afirmou que blasfemar não faz mal ao próximo, somente a si mesmo, e assim quem não faz mal ao próximo não comete pecado. Se levasse adiante chegaria ao ponto da relação com Deus ser substituída pela relação com o próximo, levando a um ideal de justa convivência humana sem conotações religiosas. Porém para ele o amor ao próximo permanecia um preceito religioso, o coração da religião.

Assim era justamente a insistência exclusiva na mensagem evangélica em sua forma mais simples e nua que permitia deduções extremas como as formuladas por Menocchio. Um autor chamado Tullio Crispoldi dizia que o sumo da religião cristã consiste na "lei do perdão" onde apenas ao perdoar o próximo se consegue ser perdoado por Deus. Nada leva a crer que Menocchio conhecia a obra de Crispoldi, porém na região na época havia uma tendência em reduzir a religião a um vínculo moral ou político. Para Menocchio a rede interpretativa era de longe mais importante do que a "fonte".

Dos textos mais importante para Menocchio grande destaque tinha o livro As viagens de sir John Mandeville. Quando seu processo foi reaberto, os inquisidores insistiram novamente para que

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