CRIME DE HOMICÍDIO COM DOLO EVENTUAL PRATICADO POR CONDUTORES DE VEÍCULOS SOB A INFLUÊNCIA DE ÁLCOOL
Por: SonSolimar • 30/4/2018 • 3.713 Palavras (15 Páginas) • 427 Visualizações
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De acordo com a denúncia[6], o réu dirigia o veículo sob efeito de álcool e entorpecido, em alta velocidade, assumindo voluntariamente o risco de produzir o resultado morte. Ainda conforme a denúncia, o réu (condutor) se recusou a realizar o teste de etilômetro e os exames periciais de dosagem alcoólica e o toxicológico. O réu admitiu apenas ter feito uso de substância entorpecente um dia antes do acidente. Além da grande repercussão social que envolveu a morte da agente federal, o caso chamou a atenção da sociedade paraense pelo ineditismo da sentença, pois foi a primeira vez que Justiça Federal do Pará condenou um condutor envolvido em acidente de trânsito com vítima fatal por homicídio doloso (dolo eventual), com base no art. 121, CP escapando da esfera do CTB, que guarda um capítulo específico para os crimes de trânsito, tipificado como homicídio culposo e com previsão de penas mais brandas se comparadas ao Código Penal.
Desde a publicação da Lei 9.503/97, que instituiu o CTB, estava pacificado o entendimento que acidente de trânsito com vítima fatal era considerado homicídio culposo, pois como o próprio nome sugere, foi um “acidente” e, em regra, aplicava-se o art. 302 do CTB “praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor”. Posto isso, cabe alguns questionamentos: a partir de que momento um acidente de trânsito deixa de ser considerado culposo, analisado sob a ótica da legislação específica, o CTB e passa a ser considerado doloso, julgado pelo Código Penal? Como é possível afirmar que um condutor ao ingerir bebida alcoólica ou entorpecente e passa a conduzir um veículo tem condições de prevê o resultado e ainda, como determinar o comportamento desse condutor perante o resultado causado? Reservamos um tópico exclusivo para responder essas perguntas, onde analisaremos os dois institutos, crime doloso e crime culposo, principalmente as suas subdivisões: dolo eventual e culpa consciente.
- BREVE HISTÓRICO DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO
O Código de Trânsito Brasileiro, de 1997, representou um grande avanço para a sociedade, fundamentado na humanização do trânsito e na necessidade de proteger com mais eficiência a vida dos usuários das vias públicas, premissa norteadora de todo o Sistema Nacional de Trânsito. Não obstante, para garantir a real segurança das pessoas, o legislador precisou fazer várias modificações no texto original, tanto no que tange as infrações administrativas, majorando os valores das multas, como ampliando os tipos penais no trânsito.
Originalmente o art. 165 do CTB, previa infração de trânsito “Dirigir sob a influência de álcool, em nível superior a seis decigramas por litro de sangue, ou de qualquer substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica”. Ao contrário da infração de trânsito, para a incidência do tipo penal, previsto no art. 302 do CTB, o legislador não previu qualquer limite de tolerância, porém a embriaguez ao volante só era tipificada como crime de trânsito, se o condutor expusesse a dano potencial a incolumidade de alguém.
A primeira tentativa de intensificar o enfrentamento ao crime de embriaguez ao volante ocorreu em 2006, com a publicação da Lei 11.275/06[7], que alterou o CTB. Foi abolido o limite original de seis decigramas para caracterizar a infração de trânsito, previsto no art. 165, implantando a “alcoolemia zero” para configurar a infração administrativa, ficando vedado dirigir veículo automotor sob qualquer concentração de álcool no organismo. A referida lei alterou ainda o art. 277 do CTB, possibilitando ao agente de trânsito, no caso de recusa do condutor à realização dos testes de alcoolemia, a obtenção de outros meios de prova admitidos pelo direito para a constatação dos notórios sinais de embriaguez e consequente aplicação da sanção administrativa. Alterou-se também o art. 302 do CTB, transformando a embriaguez ao volante em causa de aumento de pena, mudança que seria revogada em 2008.
Nova mudança no CTB ocorreu com a Lei 11.705/08[8], batizada de “Lei Seca” que teve grande repercussão na sociedade. Entre as várias mudanças, a nova lei inovou alterando pela primeira vez o artigo 306 do CTB, que tipifica o crime de embriaguez ao volante, suprimindo da redação original o termo que condicionava o crime ao perigo de dano potencial a incolumidade de outrem.
Entretanto, o art. 306 do CTB também foi alterado no que tange a estipulação de uma quantidade mínima de álcool no organismo do condutor, estabelecendo que só estaria configurado o tipo penal se comprovado uma concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, comprovado através do teste de etilômetro, exame de sangue ou outro exame por meios técnicos ou científicos, desde que em aparelhos homologados pelo CONTRAN, ou seja, para certificar o estado de embriaguez do condutor era imprescindível a sua colaboração em concordar a se submeter aos exames comprobatórios, o que inviabilizou a efetiva aplicação da art. 306 do CTB.
A festejada Lei Seca não teve o resultado esperado, pois criou uma barreira no enfrentamento dos crimes de embriaguez ao volante, dificultando a materialização do tipo penal. Corroborou para a ineficácia da nova lei, a jurisprudência, baseada no princípio da vedação da autoincriminação, garantindo que o condutor suspeito de conduzir veículo sob a influência de álcool não poderia ser forçado a se submeter a qualquer exame dosagem alcoólica. Dificilmente um condutor que se recusasse a realizar os testes de alcoolemia seria condenado.
Diante da frustação com os resultados obtidos com a Lei Seca, o legislador tratou novamente de aperfeiçoar o CTB para combater a embriaguez ao volante, editando a Lei 12.760/12[9], denominada “Nova Lei Seca” que aumentou em dez vezes o valor da multa para o condutor que dirigir sob efeito de álcool. Outra mudança foi a ampliação da possibilidade de comprovação da embriaguez, admitindo além do teste de etilômetro e exames periciais, vídeo, prova testemunhal, sinais que indiquem alteração da capacidade psicomotora ou outros meios de prova admitidos pelo direito, deixando de ser relevante a colaboração do condutor embriagado para comprovação da alteração de sua capacidade psicomotora. Não por coincidência, começou a ser observado o aumento das condenações por dolo eventual nos crimes de embriaguez ao volante.
Por fim, em 2014 foi aprovada a Lei 12.971/14[10], aumentando as sanções administrativas e penais, aumentando em até dez vezes os valores das infrações de trânsito, como o “racha” e forçar ultrapassagem entre veículos,
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