Interdisciplinar - Dolo Eventual na sociedade de risco
Por: Rodrigo.Claudino • 2/10/2018 • 4.599 Palavras (19 Páginas) • 415 Visualizações
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Vamos mostrar como a mídia alimenta a sociedade de risco através da difusão, por meio dos veículos de comunicação, da cultura do medo, aumentando a percepção do que seria a sociedade de risco e criando um ambiente de insegurança coletiva. Por sua vez essa clima fomentado pela mídia gera o clamor social pelo expansionismo penal, sob a ideia de que a solução seria a criação de novas leis, e também o punitivismo vingativo presente no discurso daqueles que defendem os ideais da aplicação máxima do Direito Penal, afetando diretamente a sociedade brasileira.
Vamos estabelecer também uma relação da sociedade de risco com o crescente número de crimes tipificados pelo ordenamento jurídico, sobretudo crimes de perigo abstrato, que não envolvem de fato a lesão ao bem jurídico protegido. Abordaremos como o próprio ordenamento jurídico vêm mudando a sua forma de tratar os crimes nos últimos tempos, em parte, motivado pena “necessidade” de dar uma resposta rápida e eficiente ao clamor “popular” por mais controle do estado, punindo os delitos e encarcerando os infratores.
2. A SOCIEDADE DE RISCO
Criada pelo sociólogo alemão Ulrich Beck, no ano de 1986, a expressão “Sociedade de Risco” veio a existir após o catastrófico acidente nuclear de Chernobyl, na Ucrânia. Essa forma de adjetivar a nossa sociedade surgiu a fim de designar os dias atuais em que vivemos, como constatação da presença de perigos hoje enfrentados pela humanidade que não existiam no passado, frutos da própria ação humana, gerando assim, imprevisibilidade no que tange as consequências das medidas adotadas.
Segundo Beck:
A sociedade contemporânea é uma sociedade de risco, e esta se caracteriza não só pela produção de novas ameaças (sociais, ambientais, tecnológicas, econômicas), mas também pela percepção partilhada das mesmas, percepção esta que conduz a um abalo na crença nas instituições. A sociedade de risco se caracteriza pela globalidade das ameaças, pela difusão das mesmas e pela dificuldade de se tratar com o risco, pois estes não respeitam fronteiras políticas, sociais ou econômicas, atingem a todos. (BECK, 2013, p. 193)
A sociedade de risco é também conhecida como a sociedade da ciência, da informação e da mídia. Com grande frequência nos deparamos todos os dias nos noticiários televisivos com inúmeras notícias de possibilidades de ataques nucleares entre grandes potências, como é o caso recente do conflito entre Estados Unidos e Coréia do Norte, guerras civis, como a que assola a Síria, criando uma multidão de refugiados, aumento do número de roubos, furtos, tráfico de drogas, crimes sexuais e etc.
Diferente de outros métodos e alterações vindas da evolução natural do mundo, que podem ser percebidas diretamente pelo homem comum, de forma individual, e também pela sociedade como um todo – como foi o caso da evolução industrial do século XVIII, a expansão do direito de consumo do século XX, ou ainda a evolução tecnológica do século XXI – os riscos não são rapidamente perceptíveis, demandando a minuciosa intervenção científica. Isto é, essa percepção de perigo, da qual trata a sociedade de risco, só pode ser percebida, devido a sua relação de casualidade, através da sabedoria acadêmica, que pode chamar a atenção para a relação direta entre fenômenos até então isolados, como o caso do degelo das calotas polares e sua relação com o aquecimento global, o que pode, a longo prazo, aumentar o nível dos oceanos, criando um fluxo migratório de pessoas de cidades costeiras para o interior dos continentes.
A compreensão dos riscos não é resultado de sua simples presença na realidade fática das pessoas, mas parte de um processo de entendimento coletivo, que por fim se traduz para o senso comum. Para a consciência deste processo o conhecimento científico é de suma importância, como já fora exposto, caso contrário os riscos existem, mas não são nítidos, logo não são percebidos enquanto riscos pela coletividade.
Nesse ponto de vista, Beck assume que:
as possibilidades de reação aos riscos sejam desigualmente distribuídas (…) mas não reafirmam as sociedades de classes, atingem a todos indiscriminadamente e representam, dessa forma, evidência incontestada da interdependência irredutível entre os diversos grupos e processos sociais. (BECK, 2010, p. 89)
Com as informações referidas percebe-se que Ulrich Beck, com a sua declaração teórica, não planejou somente inserir algo atual na ciência social, mas também uma hipótese global que ficou estabelecida, em outros trabalhos posteriores, como sociedade global de risco, uma vez que ninguém está livre dela, pois o “risco” pode alcançar qualquer um, indistintamente. Neste ponto a autora e professora Julia S. Guivant, em seu ensaio sobre Beck reflete:
O conceito de sociedade de risco se cruza diretamente com o de globalização: os riscos são democráticos, afetando nações e classes sociais sem respeitar fronteiras de nenhum tipo. Os processos que passam a delinear-se a partir dessas transformações são ambíguos, coexistindo maior pobreza em massa, crescimento de nacionalismo, fundamentalismos religiosos, crises econômicas, possíveis guerras e catástrofes ecológicas e tecnológicas, e espaços no planeta onde há maior riqueza, tecnificação rápida e alta segurança no emprego. (GUIVANT, 2001, p. 96).
3. DOLO EVENTUAL NA SOCIEDADE DE RISCO
Existirá dolo eventual todo momento que o autor, ainda que tendo em vista diretamente a produção do tipo, o aceite como provável ou mesmo como iminente, admitindo o risco da realização do resultado. “Não obstante, não se requer que a previsão da causalidade ou da forma em que se produza o resultado seja detalhada” (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2011, p. 423), é fundamental apenas que o resultado seja possível ou provável. O autor não almeja o efeito, pois se assim fosse, não seria dolo eventual, e sim direto. Ele pressupõe que é possível motivar aquele resultado, mas a escolha de realizar é mais forte, que o sujeito opta por assumir o risco, ao invés de abandonar a ação. Não há um consentimento do resultado em si, há o consentimento como possibilidade, como expectativa. Um exemplo servirá para ilustrar a explicação:
Certos mendigos russos amputavam os braços ou pernas de crianças para depois usá-las como chamarizes da compaixão dos transeuntes. Por certo que de vez em quando alguma criança morria em consequência das amputações, e os mendigos sabiam de tal possibilidade
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