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LIÇÃO ENTRE AMIGAS: CARTAS NA MESA

Por:   •  1/10/2018  •  4.358 Palavras (18 Páginas)  •  274 Visualizações

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Então, como iniciava minha narração, encontrei amores, muitos que só foram possíveis porque também os perdi. E foi na solidão de pesquisadora em um debate com os dados coletados que constatei com outras mãos amigas,Maria e Augusta, o que há de mais doce na presença: reencontrar.

Agora voltei ao ponto que me levou a escrever um diário: não tenho um amigo [...] aparentemente parece que eu tenho tudo, exceto um único amigo de verdade. [...] De qualquer modo, é assim que as coisas são, e não devem mudar, o que é um pena. Foi por isso que comecei o diário. Para destacar em minha imaginação a imagem da amiga há muito tempo esperada [...] quero que o diário seja minha amiga, e vou chamar essa amiga de kitty. (Frank, 2013)

Na minha história de pesquisadora e escrevente,forjei cartas que se inscreveram através das personagens.

O vazio que uma perda gera é como o silêncio, aquele reservado para que novas palavras se avolumem. Isto não se dá numa ordem direta nem linear, mas vai acontecendo em nosso corpo até que o corpus narrativo esteja configurado. Talvez o mais curioso seja o fato de que nem sempre nos damos conta dos vazios e dos silêncios com que lidamos. Cada palavra escrita em nossas narrativas docentes é também um manifesto dos silêncios que experienciamos em algum tempo, e formam uma injunção com os silêncios de outros que irão nos ler, ou escutar. Silêncio. Faço as cartas[1] falarem:

De: zeze@celeste.com.br

Para: guta@fogueira.com.br

Assunto: Re: Biblioteca viva

Vou direto ao assunto: gostei do material, como primeiras

reflexões sobre as entrevistas. Penso que você deve aproveitar

ao máximo os depoimentos dos alunos, talvez isto oriente melhor

o aprofundamento do referencial teórico. De qualquer modo achei

interessante a maneira simples como foi feita a análise de

discurso entremeada com suas observações de campo. Aliás,

como você conseguia registrar os elementos não-verbais

enquanto fazia a entrevista? Não consigo imaginar a estratégia

sem que se torne acintosa a anotação.

Mas emocionei-me com a sinceridade da garota, a descrição dela

enterneceu-me, como se ao ser franca nas respostas já tivesse

dito aquilo para ela própria, antes dizer para os outros.

Quanto à resposta de Adélia Prado, eu sugeria que você partisse

da entrevista dela para construir a noção de experiência estética,

ao invés de buscar num teórico de fato. O que me diz? Seria um

exercício curioso partir dessa empiria para (con) figurar a

concepção de experiência estética, imprecisa e fluida até agora.

Tente pelo menos, eu vou indo com você...

Abraços, Maria.(Nascimento,no prelo)

Calo as amigas, Maria e Augusta, para ouvir o sumo do que já se disse sobre a literatura, o fato de também ela tratar de intervalos,silêncios - como pausa ou não -, ante as palavras, que manifestas, se nos apresentam. E ao fazê-lo, por vezes, chega a nos calar ante as condições da existência humana as quais se refere. “De fato, só no outro indivíduo me é dado experimentar de forma viva, estética (e eticamente),convincente a finitude humana,a materialidade empírica limitada.”(Bakhtin,2003)

Didi-Huberman em seu livro “Sobrevivência dos vagalumes” recorre à imagem dos vagalumes para pensar sobre os espaços em torno deles, que a obra de arte sinaliza ao acender e apagar pensamentos e emoções em cada contemplador; W. Benjamin em sua obra situa em “constelações” o processo de criação artística; e nós, com as narrativas docentes, podemos piscar “luzes” que nos lembram do entorno : a escola;os alunos; os colegas; os autores que estudamos; as insônias que passamos para escrever bilhetes em provas; enfim,os pequenos e grandes amores que foram ficando soterrados pelas novas experiências cotidianas.

Pode parecer mórbido começar esta reflexão falando de mortos, mas não estamos tão distantes de Simônides e de Cícero, se lembrarmos de Nestor Canclini quando se pergunta e a nós sobre “o que fazer com as ruinas?”; tampouco estamos desconectados de Arfuch quando considera que “se a morte preside na casa da autobiografia”,como condição para o espaço autobiográfico.E se este for ficcionalizado e personagem de uma ficção então, vamos nos deparar com uma sobreposição que dá vida a outras vidas.

A origem do romance é o indivíduo isolado, que não pode mais falar exemplarmente sobre suas preocupações mais importantes e que não recebe conselhos nem sabe dá-los. Escrever um romance significa, na descrição de uma vida humana, levar o incomensurável a seus últimos limites. Na riqueza dessa vida e na descrição dessa riqueza, o romance anuncia a profunda perplexidade de quem a vive. (Benjamin,1983)

A memória na escrita docente pode ser “presidida pela morte”, o que já passou, o que até precisa ser escavado ante desmoronamentos. Porém, quando em situação de ficção, parece-me que há uma condição de natividade para aquelas vozes que dialogam e se interpelam, dialogicamente recorrentes. Assim, quaisquer textos autobiográficos são formas de ficcionalizar(se)em alguma medida a potência criativa nos sujeitos escreventes.

Quando escrevi o romance, como matéria e forma final da pesquisa, pretendi fazer falar para além de minhas lembranças - na ficção, silenciadas pelas personagens amigas - , fazendo falar tantas outras vozes docentes que como eu se dispuseram a alguma formação institucionalizada e às delícias e agruras de se embrenhar por essas terras, esses céus, de palavras, autores e pensamentos.O que invalida aquelas tantas vozes docentes exponencialmente ativadas através das cartas e e dos emails? Serem de papel? Serem inventadas?Observo o alerta emitido por Anatol Rosenfeld acerca das relações entre os textos ficcional e não-ficcional

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