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MACHADO DE ASSIS E SHAKESPEARE: UM ESTUDO COMPARATIVO ENTRE “A CARTOMANTE” E “OTELO

Por:   •  14/10/2018  •  3.507 Palavras (15 Páginas)  •  374 Visualizações

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É possível afirmar que a Literatura Comparada, dentre outras características, possui a da intertextualidade. É também por conta deste fato que esta disciplina bebe de outras fontes para construir-se. A intertextualidade aparece como constituinte do texto literário. Esta intertextualidade faz parte do exercício que a Literatura Comparada permite fazer. Um exemplo disto é a relação que se estabelece entre uma obra contemporânea e outra escrita há séculos atrás.

Concordamos com Nitrini (1991):

A intertextualidade introduz um novo modo de leitura que solapa a linearidade do texto. Cada referência textual é o lugar que oferece uma alternativa: seguir a leitura encarando-se como fragmento qualquer que faz parte da sintagmática do texto ou, então, voltar ao texto de origem, operando uma espécie de anamnésia, isto é, uma invocação voluntária do passado, em que a referência intertextual aparece como elemento paradigmático “deslocado” e provindo de uma sintagmática esquecida. Estes dois processos operando simultaneamente semeiam o texto com bifurcações que ampliam o seu espaço semântico. (NITRINI, 1991. p. 164-165).

É o que acontece com os escritos de Machado de Assis, nos quais se pode notar grande uma presença de traços característicos da literatura de William Shakespeare. Em que a intertextualidade vence séculos, fronteiras linguísticas e diferenças culturais para reverberar entre textos. Com relação a isso, outras categorias importantes, como conceitos de influência, imitação e originalidade, acabam sendo recorrentes quando trata se de Literatura Comparada.

Sobre tais categorias, Sandra Nitrini (1991) comenta:

Para Aldrigde (1963), a influência se define como “algo que existe na obra de um autor que não poderia ter existido se ele não tivesse lido a obra de autor que o precedeu.” Quando semelhanças entre dois autores são suficientemente claras para serem discernidas, o historiador literário encontra-se diante de material legitimado para seu uso. Influência não é algo que se revela no singular, na maneira concreta, mas deve ser buscada em diferentes manifestações. [...] Apontar influências sobre um autor é certamente enfatizar antecedentes criativos da obra de arte e considerá-la um produto humano, não um objeto vazio. Quanto maior o número de elementos aproveitados da obra de um autor por outro, tanto mais ele vai-se aproximando da imitação. A originalidade que se encontra em uma obra literária não é senão o gênio criador que levou um escritor a escolher um determinado assunto para ser o tema de sua obra. Entende-se então aqui que a originalidade surge da relação que o escritor instaura com o mundo, com a sociedade, com a cultura (NITRINI,1991. p.130).

Um bom exemplo disso é o do escritor brasileiro Machado de Assis que escreveu romances como Helena e Dom Casmurro, em que se tem passagens que lembram obras do escritor inglês William Shakespeare. Mas isso não coloca em dúvida a excelência do escritor brasileiro, pois, ao emular os escritos do autor inglês, a originalidade acaba emergindo de um ato de recriação do texto primeiro com marcas de diferença advindas de um contexto local, com contingências histórico-culturais próprias da época e do lugar escolhidos pelo escritor brasileiro para a montagem da sua ficção.

1 Machado e Shakespeare: Relações comparativas “A Cartomante” e “Otelo”

Não é somente nos romances machadianos que se encontram características semelhantes às de outro autor. Nos contos também é possível visualizar tal fato a partir do levantamento dos contos de Machado de Assis que foram publicados no suplemento Paraoara de 1896 a 1900.

A importância de estudar e recuperar os contos de Machado de Assis é fazer notar, além de sua natureza literária, o valor desses contos como arquivos com algum teor de historicidade capazes de figurar costumes e cotidiano da época. Desse modo é que para entender a situação em que esses contos foram produzidos e publicados, é preciso conhecer o contexto histórico, social e cultural, assim como ler os jornais, nos quais esses escritos circularam.

Dentre os contos selecionados, destacamos “A Cartomante”. Publicado originalmente no periódico Gazeta de Notícias em 1884, foi inserido no Folha do Norte[1] em 1900. O conto assemelha-se às histórias narradas em peças de Shakespeare, em que tragédia e romance caminham juntos, são praticamente inseparáveis. Assim como Shakespeare foi um sistematizador em sua escrita, Machado de Assis também o foi. Machado escreve e inventa o que já existe, copia, e como resultado disso traz uma obra com intensa complexidade.

O conto “A Cartomante” já inicia com um trecho de uma obra shakespeariana “Hamlet observa a Horácio que há mais coisas no céu e na terra do que sonha a nossa filosofia.” (MACHADO, 1900. s/p). O ciúme comumente é retratado nas obras de Shakespeare. Como se nota em algumas de suas peças como, Otelo (1603), Conto de Inverno (1611). Peças estas que serviram de textos doutrinários para o processo de escrita de Machado de Assis.

Tanto o protagonista do conto, que se chama Vilela, que faz parte de um triângulo amoroso, quanto o personagem principal da peça Otelo, assemelham-se por suas particularidades, tomados por uma desconfiança, pois são envenenados pelo ciúme doentio, e pela possibilidade de traição. De fato, no conto de Machado de Assis aconteceu o adultério:

Era a mesma explicação que dava a bela Rita ao moço Camillo, numa sexta-feira de novembro de 1869, quando este ria dela, por ter ido na véspera consultar uma cartomante; a diferença [sic] é que o fazia por outras palavras.

— Ria, ria. Os homens são assim; não acreditam em nada. Pois saiba que fui, e que ela adivinhou o motivo da consulta, antes mesmo que eu lhe dissesse o que era. Apenas começou a botar as cartas, disse-me:> Confessei que sim, e então ela continuou a botar as cartas, combinou-as, e no fim declarou-me que eu tinha medo de que você me esquecesse, mas que não era verdade...

— Errou! interrompeu Camilo, rindo.

— Não diga isso, Camillo. Se você soubesse como eu tenho andado, por sua causa. Você sabe; já lhe disse. Não ria de mim, não ria...

Machado de Assis

(FOLHA DO NORTE, 1900, 04 de Janeiro, 1900).

Na peça dramática Otelo, o personagem principal apresenta algumas características dos personagens criados por Machado de Assis,

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