A Tradução Comentada
Por: Rodrigo.Claudino • 22/10/2018 • 2.444 Palavras (10 Páginas) • 300 Visualizações
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Com a pequena apresentação feita desajeitadamente, ele vai oferecer-se para te pagar uma bebida. Diz que sim. Aliás, nem digas sim, apenas não digas não. Hesita, isso será suficiente.
Contra o corrimão curvado de latão, no canto do bar, tu e Nirupam – é esse o seu nome, Nirupam Choudhury – vão fazer um brinde e começar a conversinha do “quem é que nós temos em comum”. E vão descobrir que ele cresceu a apenas umas ruas de ti, numa das grandes casas na Avenida do Chipre e até que, durante um breve período, andaram na mesma escola primária.
De repente, vai te surgir uma memória: o rapaz monhé, magrinho e envergonhado e as duas irmãs chinocas gordas a serem levados para o palco, para celebrar o Ano Novo Chinês, e vais-te sentir a morrer de vergonha por ele, pela escola, por aquelas palavras; e ele vai ver tudo isso na tua cara e sorrir, com aquele triste sorriso fechado novamente, e dirá, Yup, era eu.
Lamento imenso, dirás, e ele vai dar uma golada na cerveja e dizer, Olha, não te preocupes com isso.
No curto silêncio que se segue, vais perceber que ele estava três anos à tua frente e dar por ti já a dizer: Não te lembras da minha irmã? A Janey, dirás. Ela chamava-se Janey.
Ele vai começar por abanar a cabeça e depois parar, perceber que usaste o verbo no passado e dizer, Não era a Janey que morreu no sexto ano, pois não? E depois será a sua vez de dizer, Lamento imenso, e tu vais dizer, como sempre dizes, Não faz mal, e depois dirás, Só tinha seis anos quando a Janey morreu, nem sequer eu me lembro dela, não muito bem pelo menos.
Ele vai desviar o olhar e dizer, O meu pai e a minha irmã bebé morreram num acidente de carro no ano a seguir, e vais perceber que isto também, soa vagamente familiar. Talvez tenha havido uma assembleia escolar especial, como para a Janey, e toda a turma tenha assinado um cartão. Ele era um cirurgião, dirá Nirupam, no Hospital Royal Victoria, e depois de ele morrer, tive esperança que a minha mãe se mudasse, que voltássemos para a Inglaterra, mas ela nunca o fez.
Ele vai terminar a sua cerveja e dizer, eu voltei. Voltei assim que pude.
Também eu, dirás, e depois vais-te ouvir a dizer, Na verdade, eu nem sequer me lembro de nada da Janey. Tudo o que me lembro vem de fotografias. Fotografias e histórias dos meus pais. Não há nada de meu.
Ela deu-me o pacote de batatas dela, uma vez, ele dirá. Nunca me vou esquecer disso. Os seus olhos vão-se iluminar com a memória. Ninguém se queria sentar ao meu lado ou falar comigo no recreio, mas ela sentou-se ao meu lado e partilhou o seu pacote de batatas. Ah certo, dirás, tentando fingir entusiasmo, porque não poderia ter sido a Janey: a vossa mãe trabalhava com um dietista e nunca teria permitido que nenhuma de vocês comesse batatas fritas no intervalo. Mas não parece valer a pena dizer isso agora e, para além disso, subitamente, não queres quebrar o momento.
Dificuldades e escolhas semânticas
De seguida apresento uma lista das palavras e conceitos que provocaram mais dificuldade, a par do significado e consequente tradução escolhidos para os mesmos. Este processo foi feito com base nas definições dos dicionários online Merriam-Webster e Priberam e, em alguns casos, com ainda base numa pesquisa mais alargada (leitura de enxertos/notícias em que os mesmos são aplicados, contexto histórico e geográfico, etc.). Tentei assim selecionar as definições mais adequadas ao contexto do texto original, corrigir e evitar possíveis “falsos amigos”, respeitar as possíveis variâncias culturais e melhor as traduzir expressões idiomáticas.
(l. 3) to shoulder [b]- to assume the burden or responsibility of → “arcar”/”aguentar”
(l. 3) to shrug off[c] - to brush aside → omitida (mudança pragmática)
(l. 5) stick in your throat [d]- if words stick in your throat, you cannot say them because of the strong emotion that you are feeling → “pesar no peito” (mudança de tropo)
(l. 9) draughty [e]- cold air moving through that is unpleasant or uncomfortable → “arejado”
(l. 11) shellac [f]- a preparation of lac dissolved usually in alcohol and used a filler → “verniz”
(l. 17) shunted [g]- to move (someone or something) to a different and usually less important or noticeable place or position → “empurrado” (perda de significado)
(l. 18) corralled[h] - to enclose in a corral → “encurralado”
(l. 21) maudlin[i] - drunk enough to be emotionally silly → “lamechas (do alcool)”
(l. 26) brash[j] - aggressively self-assertive; very strong or harsh → “barulhento e agressivo”
(l. 30) ramm[k] - to push (something) into a position or place with force; → “abarrotar”
(l. 30) disgruntled - [l] that have been made ill-humored or discontented → “mal-humorado” (com alguma perda de significado)
(l. 33) onto [m]- to a position on (implicou mudança sintática e do grau de explitação)
(l. 34) tarmac[n] - pavement constructed by spraying or pouring a tar binder over layers of crushed stone and then rolling → “pavimento”
(l. 35) lurch [o]- (to move with) an abrupt jerking, swaying, or tipping movement → “ir contra”
(l. 37) taken aback - [p] confused or surprised by something unexpected; Cliché surprised and confused; → surpreendido
(l. 59) Paki[q], (l. 59) Chinky – [r]termos algo perjorativos para descrever pessoas com caracteristicas sulasiaticas e asiáticas, respetivamente “monhé” e “chinoca”.
(l. 83) feign [s]- to present a false appearance of; act, affect, assume, bluff, counterfeit, dissemble, fake, pass (for), pretend, profess, put on, sham, simulate → “fingir”
Dificuldades sintáticas e pragmáticas
(título) “Avenida do Chipre”
Optei pela tradução literal como forma de adaptação, para manter o sentimento de familiaridade que os dois personagens sentem em relação à Cyprus Avenue, que não seria possível numa língua que não seja familiar ao leitor.
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