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Literatura de Cabo Verde - Nilson De Lourenço dos Santos Cruz - FFLCH - USP

Por:   •  14/4/2018  •  1.349 Palavras (6 Páginas)  •  382 Visualizações

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A sexualidade no romance é tratada -- como quase tudo no romance -- com naturalidade. Mário César Lugarinho afirma que em Marginais “a prática sexual é naturalizada, inclusive a homossexual”. Embora Sérgio “saiba” que tal orientação é “errada”, não deixa de ter seus “contos” (affairs) com personagens homossexuais.Há também uma freqüência de estupros e violações por parte das autoridades que é espantosamente corriqueira e que -- mais espantosamente ainda -- segue em silêncio e ignorada, principalmente quando ocorrem com, fazendo uso de um termo Lusitano, a “arraia miúda”.

Não há como não nos surgir à mente o clássico trabalho “Pode o subalterno falar?”, de Gayatri Chakravorty Spivak, que propõe diagnosticar diferenças sociais e avaliar o modo como são tratadas tais diferenças pelas elites. Não há como concluir que os subalternos do romance de Evel Rocha não só não podem falar, como são silenciados por uma elite e por um sistema que ,“no papel”, teriam sido criados para dar voz aos esquecidos. Figura icônica de tal mecanismo é o advogado Apolinário, alvo do desejo de vingança de Sérgio, que “tece verdades com mentiras” e tem nojo dos pobres.

Não há como escondermos que Sérgio não era um santo. Há, porém, tanto nos “desabafos” filosóficos do garoto quanto em bastantes entrelinhas (ou nem tão entrelinhas) ao longo do romance, a dúvida que nos faz pensar se as pessoas são como são porque o são, ou porque tiveram que o ser. Se são o rio que são porque são, ou porque tiveram que achar um caminho entre as pedras que já existem naturalmente e as que foram colocadas. Poucos dos personagens principais do romance tiveram um final feliz. Sérgio já não sonhava ser jogador de futebol ou advogado. Muitas das oportunidades foram, por motivos variados, extintas. Acabou por ser cantor e contentar-se com o pouco que se tornava muito, assim como com seus colegas. Acaba por ter como filosofia de vida um determinismo amargo de viver e adiar a morte.

Seria tarefa impossível descrever as nuances de um romance tão rico e tão questionador em tão pouco espaço. Ousaria resumir, porém, que toda a mensagem trazida pelo livro poderia ser simbolizada por dois personagens: sua professora, Izilda, tão idealizada pelo jovem, sonhada no altar, no início do romance, e que se mostra infiel, promíscua e “acostumada às maiores barbáries debaixo de um lençol”.

O outro “personagem” seria Zizi, uma ratazana, ou melhor, uma rata, animal odiado e segregado, mas que recebeu por parte dos Pitboys, odiados e segregados, carinho e afeto, recebeu atenção e individualidade ao ponto de deixar de ser uma rata e tornar-se Zizi. No entanto, acabou como todos: despedaçada por um sistema que não entendia bem, lutando contra um cão pela própria sobrevivência.

Bem colocada foi, no início do livro, a frase de Elie Wiesel que diz:

“O oposto de amor não é o ódio, mas indiferença.”

Álvaro de Campos deveria ter conhecido Sérgio Pitboy, que levou porrada a vida toda, mas soube achar diferenças dentro da indiferença que o rodeava. Ainda assim, tudo isso faz parte de uma indiferença maior que provavelmente esqueceremos.

E isso é uma porrada inesquecível.

BIBLIOGRAFIA:

LUGARINHO, Mário César. “Em Cabo Verde, os Marginais, de Evel Rocha: justiça social e gênero”. In Via Atlântica, São Paulo, N.22, Dez/2012

ROCHA, Evel. Marginais. Gráfica da Praia, 2010

SPIVAK, Gayatri Chakravorty. “Pode o subalterno falar?”

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