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Lucien FEBVRE - Martinho Lutero, Um Destino.

Por:   •  13/4/2018  •  5.484 Palavras (22 Páginas)  •  270 Visualizações

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Mas a afirmação de que todos os cristãos possuem condição eclesiástica; de que não há diferença alguma entre eles além da função, de que a ordenação não é um sacramento que confere aos padres um caráter indelével, e sim mera designação de função, revogável ao sabor do poder civil: o suficiente para contentar os burgueses, tão impacientes com qualquer intermediário entre eles e a divindade.

Em seguida, veio a revindicação, para todos os cristãos, do direito de ler a Bíblia. Vieram declarações de um liberalismo absoluto sobre o direito de cada um pensar e escrever segundo sua consciência; ataques incisivos contra a escolástica e seus representantes: o suficiente para aproximar os homens de estudo, humanistas, etc.

Trazia, por fim, o esboço de um programa singular, mais que inconsistente no conjunto, de reformas políticas, econômicas e sociais. Improvisação de um irresponsável, aparentemente:

Tinham-se variadas propostas, como a reivindicação do casamento dos padres, uma declaração de guerra às especiarias, símbolos do luxo; declamações de camponeses contra a usura, o banco e os Fuggers, etc. Devendo comover e atrair centenas de descontentes. De modo que nada surpreende quanto à proliferação do livrinho. “Nove em dez alemães estão gritando: Viva Lutero!, e o resto, embora não o seguindo, juntam-se para gritar “Morte à Roma!”, diz Aleandro na Alemanha.

II. CONSTRUIR UMA IGREJA?

O manifesto constitui, em definitivo, um apelo aos príncipes. Lutero vai investir nos príncipes, unir seus esforços aos de Hutten e dos seus, buscar com eles a grande figura que assumindo a frente do movimento nacional alemão, liderará a investida contra Roma: Carlos de Habsburgo, ou seu irmão Fernando, ou quem sabe o suspeito prelado que acusava Moguncia e Magdeburgo, Albrecht de Brandeburgo?

Nada disso. Lutero não se move. Lutero não age. Aos apelos diretos de Hutten, não responde por atos e nem iniciativas. Simplesmente escreve. O Manifesto, mas também o De Captivitate, o De Libertate... E mesmo no Manifesto ele visivelmente hesita. Tateia. Luta, talvez sem ter plena consciência disso. Qual é a sua intenção? Reformar a Alemanha ou a cristandade? Reforma nacional ou reforma “católica”? Estão aí inúmeros trechos, que Hutten subescreverá, que visam tão somente à Alemanha. Mas a reforma do papado, da cúria; o apelo por um concilio: isso de fato diz respeito a toda cristandade, isso denota, decerto, alguma confusão ou um pensamento bastante complexo e difícil de reduzir a formulações demasiado simples? Lutero se emprestou. Talvez. Mas não se deu.

Não é preciso dizer que, entre uma reforma nacional e uma reforma universal, entre uma reforma alemã e uma reforma católica, Lutero não escolha. Ele não sente necessidade de escolher. Não sabe as alternativas. Utiliza as imagens que lhe são oferecidas. Em suas intenções, é puro de qualquer compromisso com os interesses temporais. Sua visão política é curta, tão pouco maquiavélica...

Roma atravessou seu caminho. Roma o condenou. Ela não teria sido, aos olhos de Lutero, a própria personificação do Anticristo se o tivesse condenado sem ouvi-lo? O fato é que Roma não era santa, era mãe dos vícios. Roma lutava não por princípios, mas por interesses, para conservar sobre sua bota uma Alemanha extorquida... Era o que todos, em sua volta, o diziam.

O papa era sim, o Anticristo. Porque não se admitia, negava a admitir a justificação da fé e a teologia da cruz, que tanto pacificava como exaltava Lutero.

“O “segundo” Lutero [desse momento] extrai de seus princípios consequências cada vez mais ousadas. Não nos cabe aqui tratar dessas iniciativas. Nossa intenção é somente retraçar as curvas de um destino. Para conhecer esse destino, porém, os ares dessa teologia não são indiferentes. De que se ocupa Lutero nesses meses tão perturbados? De formular, justamente, uma doutrina da igreja. “ (p.184)

Que igreja? Alemã, hierarquizada, à frente da qual está, contudo, não o papa de Roma, e sim o primaz da Germânia? A Igreja de Roma regenerada. Mas como? Problemas que um historiador pode formular absolutamente. Lutero não se coloca algo do gênero. E nada melhor que sua indiferença a tais contingências para nos informar sobre seus sentimentos profundos.

A igreja cujo ele define em 1520, não é ampla e poderosa organização como a Igreja Romana. A Igreja Visível e digamos, maciça, Lutero opõe sua verdadeira igreja: A Igreja Invisível. Compostos por aqueles que vivem a verdadeira fé, encontram-se unidos não por laços externos de uma submissão meramente militar ao papa, e sim por laços íntimos e secretos que tecem, de espírito a espírito, uma comunhão profunda dentro das alegrias espirituais. A religiosidade sectária nunca foi de agrado de Lutero.

No povo, entre cristãos, nenhuma distinção ou hierarquia. “São todos iguais, pelo batismo, Evangelho e fé, se converterem em filhos de Deus”. São todos sacerdotes. E que não se julguem superiores aqueles incumbidos em funções especificas.

De alguma forma, se alguns regulamentos são elaborados, se, em um Estado [monárquico ou democrático] tratem de organizar o ensinamento da Palavra, saiba-se que esses agrupamentos, em nada participam da autoridade divina.

Não há uma coletividade religiosa que se possa dizer embutida pelo próprio Deus de definir o sentido da Palavra, nenhuma, enfim, possui o direito de recorrer ao braço secular para impor aos homens crenças determinadas, ou o uso de sacramentos. Em um dos seus textos de 1521 diz: “aquele que não quiser passar em comunhão ou não quiser se confessar os têm direito. ” Em 1523: “A fé é livre, não há como forçar corações [...]’’ (p. 186)

Lutero destrói. Nega. Da Igreja Visível que tem uma unidade de cultura e tradição, secular e grandiosa, desta Lutero se afasta e o desinteressa. Em 10 de dezembro de 1521, ele queima em Wittenberg a bula Exsurge. Mas faz um ano que escreveu na Explicações das teses de Leipzig. “Quero ser livre. Não quero tornar-me escravo de autoridade alguma. [...] Hei de proclamar o que acredito ser verdade, seja anunciado por um católico ou herético, seja aprovado ou rejeitado por qualquer autoridade. ” Depois de tais declarações, da Antiga Igreja nada subsiste. Arrasada até os fundamentos.

Lutero vai então reconstruir? Sobre o quê? Sobre que bases? A Lei?

Ele não vai se cansar de proclamar que o cristão está libertado da lei mosaica, até dos 10 mandamentos, que deu aos judeus. Sim, judeus e não

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