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Ilê Aiyê: a saga do bloco negro no carnaval de Salvador

Por:   •  22/10/2018  •  3.305 Palavras (14 Páginas)  •  229 Visualizações

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O PROCESSO DE CRIAÇÃO

Com base no documentário “Ilê Aiyê - Do Axé Jitolú para o Mundo”[7] antes de ser um bloco propriamente dito, o Ilê era um grupo de samba chamado de Zorra, formado por amigos que estudavam juntos e eram moradores do bairro da Liberdade em Salvador. O grupo não ficava apenas na área do entretenimento porque tinha um objetivo muito maior: combater o racismo e mostrar o valor do negro para os próprios, que também eram moradores do periférico bairro. É possível observar na fala de Vivaldo Benvindo:

O objetivo principal que me levou a fazer parte do Ilê Aiyê era o trabalho em cima da conscientização do negro em que ele se assumisse enquanto negro, o que era o primeiro momento foi fazer o negro se sentir como negro e como belo [...]

Todas as reuniões e eventos festivos aconteciam no barracão do Terreiro Ilê Axé Jitolú, situado no bairro da Liberdade; o qual tinha como ialorixá Mãe Hilda Jitolú. Ela era mãe de sangue de alguns dos jovens do grupo, a qual cedeu e solicitou a utilização do barracão pelo grupo. Dete Lima enfatiza esse ponto em sua fala “Antes do surgimento do Ilê, toda reunião nossa era no terreiro, porque minha mãe pra não deixar que nós saíssemos pra fazer festa na rua ela cedeu o barracão pra nós fizemos as festas.”

Depois de formado, o grupo parte com a ideia de formar um bloco de carnaval, visto que os blocos eram basicamente formados por brancos e o negro em sua maioria fazia o papel do prestador de serviço. Segundo Wilson Batista, no documentário Ilê Aiyê - Do Axé Jitolú para o Mundo, Vovô, um dos diretores do bloco, atualmente, ficava extremamente abalado ao ver “[...] nos blocos o negão (sic) empurrando a corda. [...]”. Dessa forma o bloco teria uma configuração completamente distinta: seria voltado única e exclusivamente para negros.

Seus fundadores desejavam a formação de um bloco diferente dos que já existiam, a exemplo os Apaches do Tororó que tinha como o foco de sua temática a cultura indígena. “Nesta ocasião começam a sair de cena os grandes ‘blocos de índio’ que atraíam hordas de jovens pobres da cidade de Salvador, basicamente afro-descendentes [...]” (Oliveira; Oliveira, 2005. p. 20)[8]. Surge assim a ideia de se criar um bloco de temática africana a fim de propor a “reafricanização” do carnaval de Salvador, cidade a qual nesta época tinha de maneira bastante forte a presença do mito da democracia racial, contudo havia uma nítida segregação espacial no carnaval.

Após a certeza da criação do bloco era necessário batiza-lo, diversos nomes são sugeridos e como primeiro aprovado pelos membros surge a ideia de “Poder Negro” uma clara alusão ao movimento que agitava os Estados Unidos e mais ainda os negros estadunidenses, o Black Power. “Além dos movimentos de libertação das comunidades africanas e dos direitos civis dos negros norte americanos, o rastafarianismo (movimento étnico-político-religioso da Jamaica), teve também influência na criação do Bloco Ilê Aiyê.” [9].

Os ânimos dos componentes ficaram aflorados com a sugestão de nome e as ideias não paravam de surgir, com base no documentário Ilê Aiyê - Do Axé Jitolú para o Mundo, se pensou em colocar um homem, negro, a frente do bloco como seu rei. Porém, esse nome não foi aprovado pela Polícia Federal, visto que eram tempos de Ditatura Militar no Brasil e, portanto, foi considerado como subversivo e até mesmo comunista.

Então inicia-se uma saga em busca do nome “apropriado”, já que o carnaval estava se aproximando e nenhum nome agradava o grupo de amigos, atualmente diretores-fundadores do bloco. Nesse momento, ainda de acordo com o documentário, os diretores foram em busca de um biólogo iugoslavo que já havia visitado o continente africano e era amigo de um deles. Prontamente o mesmo deu uma festa na sua residência e apresentou listado por volta de cinco nomes e o escolhido com unanimidade foi Ilê Aiyê que na tradução livre pode significar “Mundo Negro”. O nome tinha um encaixe perfeito e para o desejo de todos, era sonoro e tinha grande significação.

Foi tomada, enfim, a consciência de que era necessário todo um estudo teórico para se colocar o bloco na rua. Além do nome, que já havia sido escolhido, começam a procurar e pesquisar a respeito da cultura africana, desde simples formas de se vestir às complicadas e diferentes línguas dentro da África. É a partir de então que o Ilê Aiyê vai tomando sua postura de um bloco sério e de fato comprometido com a cultura que estava se envolvendo. “Todos os valores de uma raça estão presentes na estrutura desse bloco diferente [...]”[10]

De acordo como documentário, mãe Hilda intervém mais uma vez, mas nesse momento é a fim de não permitir que se misture o candomblé com o carnaval, segundo Dete Lima, no documentário supracitado, ela não desejava de forma alguma que uma música ou qualquer outra manifestação do bloco invadisse o campo religioso. Ela tinha um respeito muito grande pela religião dela e não queria que fosse exposta sem a necessidade. E enfim em 1 de novembro de 1974 o Ilê Aiyê é fundado, nome aprovado e uma ansiedade enorme para a sua primeira saída. Os ensaios se intensificam cada vez mais a fim de colocar o bloco realmente belo na rua.

O BLOCO NA RUA

Em fevereiro de 1975 o Ilê sai pela primeira vez a rua, munidos de placas e cartazes que possuíam palavras de ordem contra o racismo, mais uma vez sendo alusivo ao movimento Black Power. Os membros encontravam-se empolgados e entusiasmados que passaram a não perceber o risco que estavam correndo. Mas mãe Hilda mais uma vez na frente de acordo com Dete Lima no documentário Ilê Aiyê - Do Axé Jitolú para o Mundo “[...] ela ia sair com os filhos dela porque se a polícia chegasse pra prender ia ter que levar ela primeiro.”.

O choque das pessoas ao ver o bloco diferente e composto somente por negros foi extremamente grande, existia uma controvérsia de sentimentos e sensações: alguns queriam seguir e buscar saber mais enquanto outros desejavam tão somente rechaçar do bloco. Ainda era possível posteriormente ver o comportamento da impressa opositora completa dessa novidade

Para tocar as músicas de acordo com o documentário “Que Bloco é Esse?”[11], eles utilizaram para tocar as músicas um fusca improvisado como carro de som, mas o carro não aparece. Vovô relata no documentário Ilê Aiyê - Do Axé Jitolú:

Ai no dia que o bloco foi pra a Avenida (sic) ele, ele... o fusca desapareceu. Não sei se foi preso, se não tinha autorização ou se ele levou pra

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