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Ensaio sobre os conflitos de tradição em Terra Sonâmbula, de Mia Couto.

Por:   •  1/11/2018  •  1.421 Palavras (6 Páginas)  •  477 Visualizações

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pg. 45).

Neste sentido “as palavras do velho são, de facto, um chamamento para repensar o papel e o lugar da tradição na construção das nações africanas pós-coloniais.” (Krakowska, 2013, pg. 5). Aqui vemos que a confusão que aflige Kindzu e toda a terra, é na verdade um sofrimento de quem esta prestes a “definir as suas origens, os seus laços de pertença, a sua história.” (Krakowska, 2013, pg. 5). Segundo Krakowska, o período de pós-independência foi marcado por esse drama de consciência, o programa nacionalista feito pela FRELIMO, influencia a forma como a tradição é vista em Moçambique. Se por um lado as elites buscavam no passado referências para uma identificação nacional, por outro havia o temor dos vários povos que formam Moçambique se identifiquem apenas com as suas próprias comunidades, o que causaria conflitos. O programa politico da FRELIMO claramente influenciado pelo programa da URSS transforma o poder tradicional em um alvo a ser combatido, alegando que este seria parte do aparelho do poder colonial, visto que, tal poder se utilizou também da tradição para fazer uma ligação com as comunidades rurais.

Para Krakowska, a personagem Kindzu “representa simbolicamente o percurso pelos modelos de modernidade que surgem em Moçambique após a independência.” (2013, pg. 7). Ao sair de sua vila, local ligado a tradição em choque com as mudanças contemporâneas, chega a Matimati, uma vila administrada por Estevão Jonas, quem segundo Krakowska seria comunista, a autora afirma isto baseada em palavras ditas pela personagem “o inimigo do povo”, “o comício público” ou “massas populares” (Couto, 2007, pg. 56-57), de fato são termos que costumam fazer parte do vocabulário de adeptos do comunismo, no entanto afirmar que Estevão Jonas seria comunista baseando-se apenas nestas palavras, ignorando as suas atitudes pode mostrar-se um equivoco cometido pela autora, percebemos isto no momento em que Estevão (atual repressor) alia-se ao falecido Romão Pinto um português e antigo colono afim de conquistar uma grande chance para enriquecer. Percebemos nessa aliança, uma denuncia feita por Mia Couto, dentre as táticas governamentais da FRELIMO estavam à proibição e o desencorajamento de qualquer manifestação de identidade dos grupos étnicos, e adoção do português como língua oficial. Desse modo Couto mostra que as práticas adotadas pelo regime colonial e as táticas da FRELIMO são as mesmas, se não muito próximas, logo, não houve assim um rompimento com o estado colonial, mas de certa forma uma continuação.

Não podemos ignorar também, que:

“certa mentalidade africana de caráter fetichista, mágico e místico, além e em razão disso, irracional, constitui a causa de bloqueios no curso da elaboração de uma ação e de um pensamento construtivos, com vistas ao verdadeiro progresso da sociedade africana.” (Tshibangu, 2010, pg. 628)

Tendo dessa forma o poder tradicional, realmente feito parte do aparelho de estado, sendo assim a figura de Estevão Jonas e o conselho de anciães da vila de Kindzu seriam parte do mesmo aparelho que derivam do modelo de governo colonial. “Terra Sonâmbula desafia o erróneo binarismo entre tradição e modernidade” (Krakowska, 2013, pg. 9), desconstrói dessa forma tanto a visão tradicionalista que exclui qualquer possibilidade de mudança, bem como o projeto nacionalista com ideologias que não respeitam as heranças culturais e identitárias dos vários grupos étnicos de Moçambique. Mia Couto chama os moçambicanos a repensar sua ideia de nação, a necessidade de abertura e aprendizagem.

Referências

COUTO, Mia. “Terra Sonâmbula”. Companhia das Letras 1ª edição, 2007, 206 páginas.

KRAKOWSKA, Kamila. “Entre o passado tradicional e o futuro socialista: as modernidades moçambicanas em Terra Sonâmbula, de Mia Couto”, Configurações [Online], 12 | 2013, posto online no dia 18 Novembro 2014, consultado o 22 Novembro 2014. URL : http://configuracoes.revues.org/2099

OPOKU, Kofi Asare. “A religião na África durante a época colonial”. In: BOAHEN, A, Adu (ed.). História Geral da África – A Áfria sob dominação colonial, 1880-1935. 2.ed. ver. Brasília: UNESCO, 2010, vol. VII, cap. 20. p. 591-624.

TSHIBANGU, Tshishiku. “Religião e evolução social”. MAZRUI, Ali A. e WONDJI, Christophe (Ed.) História Geral da África: África desde 1935. Brasília: UNESCO, 2010, vol VIII, cap. 17, p. 605-629.

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