ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA

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A morte do chefe tornou-se uma infeliz porta de saída e esperança de “liberdade”, no momento em que um isqueiro ateou fogo no “quartel”, causando um incêndio no manicômio. O mesmo grupo que chegara primeiro ao manicômio, formado pelo médico, o rapazinho estrábico, a mulher do médico – que, essa altura, já havia contado que via – a rapariga dos óculos escuros e o velho da venda preta, conseguiram fugir. Sorte esta que, muitos naquele local, não tiveram.

A cidade já não era a mesma. A mulher do médico havia passado mal, diante da terrível cena, vista no depósito do primeiro supermercado, que visitara, após sair do manicômio. Como refúgio para sua recuperação, usou a igreja da cidade. Em seu interior, viu, no altar, as imagens de santos com os olhos vendados. Neste momento, o autor relata uma ideia, em duplo sentido, na qual, até mesmo a igreja, regada de doutrinas hierárquicas, não está imune às críticas relacionadas à hipocrisia. Como os personagens assumem opiniões controversas, despertam nos leitores indagações e questionamentos quanto aos seus atos. Seria essa uma forma de imunizar os santos diante do caos instalado e provocado pelos homens ou ressuscitar a ideia de que nem mesmo o clero estaria se importando com a futilidade e miséria em que seus servos se encontravam nesse momento?

De volta à sua casa, a mulher do médico e o esposo levam consigo alguma comida e usufruem da pouca água que ainda os resta. Contrário a esses, vivem lá fora, na rua, outros tantos, feitos nômades, a vagar em busca do que os possa satisfazer materialmente e sentimentalmente. Tão misteriosamente como chegou, a cegueira se foi.

A cegueira, retratada por Saramago, diz respeito à hipocrisia e outros tantos conjuntos de manifestações fúteis, explícitas nas relações sociais. Tais comportamentos caracterizam a sociedade com uma independência mesquinha e arrogante que ignora o presente e fecha as portas para os novos padrões de valores que surgem em seu meio. Ao mesmo tempo, a força de vontade, organização e solidariedade praticadas pela mulher do médico podem ser vistas com um olhar socialmente válido, respaldando a afinidade e os valores éticos, mesmo diante de uma situação tão degradante.

Ensaio sobre a Cegueira, do escritor português José Saramago, apresenta uma teoria comportamental dos seres humanos, frente aos princípios básicos de convivência, em meio a um caos súbito, decorrente de uma cegueira inexplicável, que atinge a sociedade em geral.

A obra é indicada para estudantes e profissionais da área das Ciências Humanas e para todos aqueles que se interessam por uma literatura de qualidade, pautada na reflexão sobre sua essência humana.

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