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O BRASIL DE SEU TEMPO E O BRASIL CONTEMPORÂNEO

Por:   •  22/12/2017  •  2.833 Palavras (12 Páginas)  •  290 Visualizações

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“Não as Matem”, “Quase Doutor”, percebe-se a crítica em tom sarcástico que Lima fazia ao que estava posto. Ao ler essas crônicas, é quase impossível não compará-las com o atual Brasil. Ao fazer esse paralelo, percebi o quanto o país nada mudou: gosto de dizer que apenas foram pintadas as fachadas do prédio, mas as estruturas e a essência continuam as mesmas. Em sua crônica “País Rico”, Lima diz:

“Não há dúvida alguma que o Brasil é um país muito rico. Nós que nele vivemos, não nos apercebemos bem disso, e até, ao contrário, o supomos muito pobre, pois a toda hora e a todo instante, estamos vendo o governo lamentar-se que não faz isto ou não faz aquilo por falta de verba.” (BARRETO, 1995, p. 59)

No Brasil atual, muita coisa não mudou em relação aos tempos do autor, como diz Lima, “nós que nele vivemos” percebemos que a realidade é bem diferente: sabemos que o Brasil é um país rico sim, mas em pesquisa recente o país é o quarto em relação a desigualdade na américa latina³. Lima, nessa sua crônica, vai enumerar alguns problemas que o Brasil de sua época enfrentava e que o de hoje continua enfrentando:

“Nas ruas da cidade, nas mais centrais até, andam pequenos vadios, a cursar a perigosa universidade da calariça das sarjetas, aos quais o governo não dá destino, o os mete num asilo, num colégio profissional qualquer, porque não tem verba, não tem dinheiro. É o Brasil rico... Surgem epidemias pasmosas, a matar e a enfermar milhares de pessoas, que vêm mostrar a falta de hospitais na cidade, a má localização dos existentes. Pede-se à construção de outros bem situados; e o governo responde que não pode fazer porque não tem verba, não tem dinheiro. E o Brasil é um país rico...” (BARRETO, 1995, p.59)

E termina a crônica dizendo:

“E o Brasil é um país rico; e tão rico é ele, que apesar de não cuidar dessas coisas que vim enumerando, vai dar trezentos contos para alguns latagões irem ao estrangeiro divertir-se com os jogos de bola como se fossem crianças de calças curtas, a brincar nos recreios dos colégios. O Brasil é um país rico...” (BARRETO, 1995, p.60)

Nada mais atual hoje, pois à época da copa do mundo vimos gastos e mais gastos totalmente desnecessários com estádios padrão FIFA, enquanto, do outro lado, as massas sendo deslocadas de suas moradias para se construir algo para essa tão aclamada copa, pessoas morrendo em filas de hospitais, em estradas esburacadas: se aqui fosse enumerar os problemas que o Brasil enfrenta, meu artigo não teria fim. Voltando a Lima, em outra crônica, “Elogio da Morte”, em uma passagem ele deixa claro como o povo do Brasil era e é acomodado e trata qualquer um que sai desse conformismo como louco:

“A covardia mental e moral do Brasil não permite movimentos de independência; ela só quer acompanhadores de procissão, que só visam lucros ou salários nos pareceres. Não há, entre nós, campo para as grandes batalhas de espírito e inteligência. Tudo aqui é feito com o dinheiro e os títulos. A agitação de uma ideia não repercute na massa e quando esta sabe que se trata de contrariar uma pessoa poderosa, trata o agitador de louco.” (BARRETO, 1995, p. 48)

Já dizia Bertrand Russell em sua autobiografia: “não tenhas medo de possuir opiniões excêntricas, pois todas as opiniões hoje aceitas foram um dia consideradas excêntricas”. Nessa crônica, Lima meio que concorda com Russell ao afirmar: “Estou cansado de dizer que os malucos foram os reformadores do mundo.” (BARRETO, 1995, p. 48). Mais à frente em sua crônica, Lima diz:

“Se nós tivéssemos sempre a opinião da maioria, estaríamos ainda no Cro-Magnon e não teríamos saído das cavernas. O que é preciso, portanto, é que cada qual respeite a opinião de qualquer, para que desse choque surja o esclarecimento do nosso destino, para própria felicidade da espécie humana. Entretanto, no Brasil, não se quer isto. Procura-se abafar as opiniões, para só deixar em campo os desejos dos poderosos e prepotentes. Os órgãos de publicidade, por onde se podiam elas revelar, são fechados e não aceitam nada que os possa lesar.” (BARRETO, 1995, p. 48)

3. O racismo em Lima Barreto

Outro tema muito presente em sua literatura era a questão racial. Ele tinha presenciado a abolição formal da escravidão, mas não se convenceu do modo como ela havia sido abolida. Lima sabia que o fim do cativeiro tinha sido uma revolução social incompleta: ele percebeu que a discriminação racial continuaria e que as possibilidades reais dos negros e dos mestiços continuariam precárias depois da abolição formal, que foi bastante limitada. Lima era mestiço e sofreu esse preconceito na própria pele. Compreendeu que os preconceitos dos quais foi vítima provinham de sua origem étnica e dos problemas sociais decorrentes. Não lhe era estranho ver a imensa capacidade das elites em mudar, sem alterar as estruturas profundas do país. Nada disso lhe agradava e ele não escondia isto de ninguém, pelo menos no que escrevia. Talvez, por isso, as possibilidades de sua aceitação no campo literário da época fossem limitadas. Ele achava isto um absurdo e, ao seu modo, buscou com todas as suas forças ser aceito e compartilhar o mesmo espaço material e simbólico dos seus colegas escritores, como o renomado Machado de Assis.

Em contos como “O Filho da Gabriela” ou “O Pecado”, dentre vários outros, Lima deixou claro seu repúdio diante do preconceito racial que estava se criando pela elite branca do Brasil, que ainda hoje vemos muito presente, mas que muitos dizem não mais existir. Por exemplo, a diferença do olhar dos policiais quando entram em um bairro tido como de rico: eles passam por uma pessoa branca e a cumprimentam; já nas periferias, eles “descem o cacete”, porque no Brasil bandido é negro e mora na periferia. No seu conto “O Pecado”, Lima fala de um cara que está na lista para ir ao inferno, mas São Pedro lê seu prontuário, que dizia:

“P. L. C., filho de..., neto de..., bisneto de... – Carregador, quarenta e oito anos. Casado. Casto. Honesto. Caridoso. Pobre de espírito. Ignaro. Bom como São Francisco de Assis. Virtuoso como São Bernardo e meigo como o próprio Cristo. É um justo.” (BARRETO, 1997: p.66-67)

O santo porteiro vai fazer de tudo para que a alma desse sujeito fique no céu, pois o mesmo tem boas qualidades, ora pois, ele é um justo! Depois de tentar convencer a todos que ele merecia ficar lá no céu, eis que vem a surpresa:

“– P. L. C., filho de..., neto de..., bisneto de... – Carregador. Quarenta e oito anos. Casado. Honesto. Caridoso. Leal. Pobre de espírito. Ignaro. Bom como São Francisco

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