Uma leitura Psicanalítica sobre o filme Orações Para Bobby
Por: Kleber.Oliveira • 20/6/2018 • 5.243 Palavras (21 Páginas) • 528 Visualizações
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"Eu não posso deixar que ninguém saiba que eu não sou hétero. Isso seria tão humilhante. Meus amigos iriam me odiar, com certeza. Eles poderiam até me bater. Na minha família, já ouvi várias vezes eles falando que odeiam os gays, que Deus odeia os gays também. Isso realmente me apavora quando escuto minha família falando desse jeito, porque eles estão realmente falando de mim... Às vezes eu gostaria de desaparecer da face da Terra."
Essas foram as palavras reais de desespero de Bobby, escritas em seu diário quando tinhas 16 anos. Aos 20, ele cometeu suicídio, se jogando de um viaduto em uma rodovia, no meio de caminhões.
Uma morte que causou grande sofrimento à sua família, mas também foi responsável a ensiná-los a olharem de forma mais humana e acolhedora a vida dos homossexuais. Alcançaram uma compreensão, através da dor da perda, de que há uma necessidade de se entender melhor o assunto, prevenindo tragédias, e que, independentemente dos credos e classes sociais, muitas famílias ainda encurralam seus filhos gays para quadros de depressão, revolta e desesperança.
Antes do sucesso no cinema e na TV, a história de Bobby já era emblemática para quem estuda a homossexualidade. Para os especialistas, estudos (como o de Columbia, citado no início deste texto) alertam que a taxa de suicídios é explosiva entre jovens homossexuais, principalmente entre efeminados, usuários de álcool e drogas, que não resistem a tanta repressão e angústia.
No livro A Experiência Homossexual (2007), a psicoterapeuta Marina Castañeda informa que, nos EUA, um em cada três homossexuais tentou se suicidar pelo menos uma vez. A autora traz explicações e conselhos para gays, suas famílias e terapeutas e afirma que a construção da identidade gay dura, em média, 15 anos, ou seja, é um longo período de incerteza que tem um custo afetivo muito elevado. Escreve Castañeda:
Os anos que muitos homossexuais passam se perguntando e explorando sua sexualidade poderiam explicar seu isolamento e sua imaturidade em certos campos. Em inúmeros casos passaram boa parte de sua juventude em conflitos internos ou em relações problemáticas, engajados na difícil tarefa de compreender a sua identidade sexual (2007).
A CULPA
A principal razão de nos determos na culpa e na vergonha durante este artigo, é que ambas, comumente, estão associadas à depressão. A culpa, semelhantemente à vergonha, tem suas raízes tanto naquilo que não deveria ter acontecido como naquilo que aconteceu. É a sensação de ter feito algo errado, o sentimento doloroso de autocensura por ter-se praticado uma ação considerada imoral, errada, criminosa ou pecaminosa. A vergonha, por sua vez, costuma gerar sentimento de tristeza e mágoa profunda, assim como uma falta de autoestima. Ambas as emoções, contudo, podem resultar num sentimento de autodesvalorização, desesperança, impotência, depressão, ou até mesmo outras emoções tóxicas que criam um ciclo incessante de pensamentos negativos, tolhendo a liberdade pessoal, a força e a saúde física e emocional.
No fundo, a pessoa que se sente envergonhada ou culpada, acha que não merece o amor e o carinho de ninguém.
E quando a culpa é falsa?
Há uma distinção entre culpas falsas e verdadeiras. A culpa verdadeira surge quando fazemos algo que sabemos estar errado e sentimos remorso pelo que cometemos. A falsa culpa surge quando não fizemos nada de errado, mas tomamos como nossa a culpa que, legitimamente, pertence à outra pessoa. É o que o Dr. Don Colbert, no seu livro Emoções Mortais (2013), intitula de “Personalização”, uma espécie de crença negativa ou distorção cognitiva. Em outras palavras, a Personalização ocorre quando as pessoas culpam a si mesmas por eventos sobre os quais elas não tiveram qualquer controle ou tiveram menos controle do que acreditam ter tido. Uma forte razão que leva as pessoas a se autossabotarem, prendendo-as psicologicamente a um padrão negativo de pensamentos.
Façamos aqui um paralelo com a história de Bobby, onde a não aceitação da família quanto à sua orientação sexual implicou num sentimento de Personalização, gerando distorções cognitivas que culminaram na falsa culpa, autorrejeição, autodesvalorização, desesperança e suicídio.
O sentimento de culpa, para a Psicanálise, é a experiência edípica que inaugura as bases da moralidade. O superego, sequela deixada pelo Édipo, é a instância responsável pela veiculação da culpa.
Vale lembrar que o superego é uma das três instâncias dinâmicas do aparelho psíquico. Em 1923, Freud abordou esse assunto na obra Além do princípio do prazer, destacando a forma como se dava o processo de interação entre os lados conscientes e inconscientes de nosso cérebro e definindo a existência do id, ego e superego.
Para Freud, o superego constitui-se como a parte moral da psique, representa os valores da sociedade e divide-se em dois subsistemas: o ego ideal, que dita o bem a ser procurado; e a consciência moral, que determina o mal a ser evitado. Seus maiores objetivos são inibir (através de punição ou sentimento de culpa) qualquer impulso contrário às regras e ideais por ele ditados (consciência moral); forçar o ego a se comportar de maneira moral (mesmo que irracional) e conduzir o indivíduo à perfeição - em gestos, pensamentos e palavras (ego ideal).
O superego forma-se após o ego, durante o esforço da criança de introjetar os valores recebidos dos pais e da sociedade a fim de receber amor e afeição, podendo funcionar de uma maneira bastante primitiva, punindo o indivíduo não apenas por ações praticadas, mas também por pensamentos.
Conforme Freud, o sentimento de culpa veiculado pelo superego é o pilar da civilização, pois através daquele, as pulsões de destruição inerentes ao ser humano seriam redirecionadas para o bem-estar da humanidade A Psicanálise acredita que sem o sentimento de culpa a humanidade estaria fadada à destruição.
Freud ainda descreveu que existe uma culpa de natureza “biológica”, decorrente do estado de desamparo do infante, que depende dos cuidados primários do adulto para a sua sobrevivência, e a culpa originária da resolução do complexo de Édipo, a qual é reeditada na cultura, isto é, a culpa que nasce no núcleo familiar através do interdito que já se encontra latente no social. A hipótese freudiana da transcendência de uma vivência individual do Édipo culminou na culpa social descrita em “Totem e Tabu” (1912/1913).
De acordo o pensamento
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