Psicóticos em Análise
Por: Ednelso245 • 4/12/2017 • 2.032 Palavras (9 Páginas) • 300 Visualizações
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Jacques-Alain Miller, na primeira aula do seminário “A experiência do real no tratamento psicanalítico”, define a psicanálise como “manipulação do semblante para aceder ao real” 4. Assim, o analista não ficaria limitado a ocupar o lugar de semblante de a, sob pena de não estar dirigindo uma análise, podendo se permitir ocupar o lugar de diferentes semblantes – evidentemente, sempre a partir de uma posição inaugural de se oferecer como objeto multiuso. Ele deveria se dispor a adotar o semblante do qual aquele sujeito possa se servir. O que já havia sido dito de certa forma por Lacan, quando, em A terceira, ele fala do analista como bufão.
Jacques-Alain Miller continua: “essa manipulação específica do semblante constituiria um protocolo que daria aceso a um real”.[5]5 O autor se esmera em definir o que entende por protocolo, porque esta palavra pode se prestar a um mal-entendido. Protocolo poderia ser a colocação em jogo de uma etiqueta cerimonial (como no caso do protocolo diplomático), mas o sentido que interessa é o de “conjunto de regras determinando a execução de uma experiência” [6]6. O Real que nos interessa – a nós, psicanalistas – na clínica com neuróticos é aquele que se toca como limite da interpretação. Na análise com psicóticos, aceder ao real seria poder dar um tratamento ao real do gozo em que o psicótico está imerso, ou permitir uma amarração provisória que possibilite ao sujeito abrir mão de uma suplência que não está se mostrando eficiente, passando a outra, sem ficar submerso no gozo[7]∗.
2. Na análise com neuróticos a partida começa quando o sujeito coloca o seu analista no lugar do Sujeito suposto saber. Na psicose não existe a denegação de um saber que não se sabe que sabe, mola que faz com que um neurótico coloque seu analista nesse lugar. Que lugar o psicótico atribui a seu analista que lhe permite não recuar frente à análise? Será que é o lugar de “suposto saber o que fazer com a função da palavra”[8]7, como propõe Michel Silvestre? Este autor postula que a demanda de análise de um psicótico poderia se originar numa significação em suspenso, fruto da percepção da falta do significante do Nome-do-Pai. Ele buscaria alguém que supusesse capaz de fazer chegar a seu termo essa significação, poder que, certamente, o analista não tem, como também não tem o saber sobre os sintomas neuróticos.
Ou será, como postula Angela Pequeno, o de “sujeito suposto saber sobre o gozo”[9]8? Penso que essas duas possibilidades são possíveis em sujeitos diferentes. Sujeitos mais desorganizados poderiam procurar, na análise, um significante que lhes permita amarrar o fluxo significante, pedindo que o analista funcione da maneira que Lacan propõe no Seminário III, como secretário do alienado. Outros psicóticos procurariam alguém de quem esperam ajuda na domesticação do seu gozo.
Posso dar o exemplo de uma paciente que me procurou, falando, inicialmente, de uma maneira lacônica e queixando-se de “não ter vontade de fazer nada”. Vivia na casa dos pais, passava os dias dormindo, etc. Só após várias entrevistas, ela começou a falar: Tinha sido vítima de um complô que visava envenená-la. Nesse momento, eu soube que ela havia sido internada várias vezes em instituições psiquiátricas, e tinha sido muito medicada. Ela se refugiara, assim, em um empobrecimento afetivo e psíquico, única forma que encontrara para se defender do gozo intrusivo. Isto me leva a pensar que, quando ela me colocou no lugar de alguém que poderia ajudá-la a lidar com esse gozo, pôde recomeçar a falar e a se atrever a viver.
3. Evidentemente, há transferência na psicose. Essa transferência tende a ser erotomaníaca, e deve ser manejada a partir do lugar no qual o analista se coloca.
Existe um semblante específico cujo lugar o analista deveria ocupar na clínica com psicóticos, ou esse lugar deve ser inventado em cada caso?
Na minha clínica, eu diria que tenho me colocado como semblante de A barrado: lugar de alteridade absoluta, de alguém completamente hétero, assimétrico em relação ao paciente, mas insistindo explicitamente no meu não saber. Porque a dissimetria pode colocar o analista no lugar do A sem barra, e esse semblante poderia fazer com que a transferência erotomaníaca se tornasse impossível de manejar, mortífera, como define Lacan na Apresentação da tradução francesa das memórias do Presidente Schreber[10]9. O analista deve fazer questão de mostrar o seu não saber, seus limites, as impossibilidades. Na análise com psicóticos, a falta de castração do analista pode ser altamente perigosa.
4. Acho que se, com a ajuda da análise, o psicótico consegue construir um sinthoma que lhe permita prescindir do analista, por que isto não seria um final de análise?
5. No sentido mais geral, é possível pensar que tudo o que vise ao final de análise é uma intervenção analítica.
No sentido mais especifico, vou refletir sobre as indicações que Lacan nos deu, às quais já fiz menção nesse escrito.
-Não enunciar a regra da associação livre.
Freud justifica a necessidade da associação livre no tratamento de neuróticos dizendo que, ao se suprimir as representações finais conscientes, aparecem as representações finais inconscientes, que são as que o analista deve escutar. Essas representações finais são chamadas de S1, em termos lacanianos. O chamado à associação livre confrontaria o psicótico com a ausência dos S1, ou com S1 bizarros ou delirantes, e ambas duas possibilidades podem deixar o psicótico exposto ao excesso de gozo. Mas não convidar a associar livremente não implica deixar o psicótico em entrevistas preliminares: é uma indicação para a direção da cura, não só dos pré-psicóticos, mas em todo e qualquer tipo de psicose.
- Tomar ao pé da letra as palavras do psicótico.
Esta indicação foi interpretada como: o importante é escutar com atenção o delírio e secretariá-lo. Mas, posteriormente, ficou evidente que esta manobra deixava o sujeito imerso no gozo. Então, caso exista algo equivalente ao corte na clínica com psicóticos, isso seria cortar o sujeito quando começa a delirar. Cortar, não no sentido de cortar bruscamente a sessão, mas sim promover que fale e pense em outras coisas. Eu, pessoalmente, dou um espaço ao sujeito para falar de seu delírio, já que penso que ele necessita comunicar o que está acontecendo com ele, mas sem dar excessiva atenção nem perguntar sobre detalhes. Estou, sim, atenta
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