Filme A professora de Piano
Por: Juliana2017 • 16/1/2018 • 1.898 Palavras (8 Páginas) • 362 Visualizações
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Todavia, não é isso que acontece na família Kohut. Erika vive um conflito com sua mãe; ao mesmo tempo em que se irrita com as suas constantes intromissões, termina semprepor permiti-las e perdoá-la por isso, deitando-se, ao fim de cada dia, na mesma cama que ela. Existem momentos que temos a impressão que a fase pré-edipiana não foi superada, em que mãe e filha ainda não se descolaram, já que não houve um terceiro barrando a simbiose entre elas. Se admitirmos que a passagem pelo Édipo – mais precisamente pelo horror da castração – é determinante para a estruturação do sujeito, constata-se que no caso de Erika ela deixou marcas profundas e permanentes, levando-nos a crer que seu caso se trata de algo além de uma mera perversão-polimorfa. No entanto, poderia ser imprudente afirmar que Erika é um raro exemplo de mulher perversa, estruturalmente falando. Não é de hoje que esbarramos com a dificuldade de isolar a perversão como uma estrutura específica, distinguindo-a da psicose e da neurose a partir do ponto de vista fenomenológico. Essa dificuldade é devido à manifestação polimorfa-perversa da sexualidade humana.
A principal característica da perversão polimorfa é de ser um regime de gozo. Mas Freud também se refere a ela como uma predisposição a todas as perversões, como um traço universal e original do ser humano. A perversão como estrutura clínica, só se constitui através de uma ‘tomada de posição’ frente à castração, onde ela também atua como uma defesa; o sujeito perverso busca o não encontro com a castração, com o que falta. Freud denomina de desmentido ou renegação (Verleugnung) o mecanismo utilizado pelos perversos perante o horror da castração, onde a percepção da castração materna é negada. De acordo com Alberti (2005), o perverso recusa reconhecer “que falta alguma coisa ao Outro, por mais que no fundo saiba perfeitamente que falta alguma coisa ao Outro” (p.27). Porém, deparar-se com esta falta é uma vivência que horroriza o sujeito e é através da fantasia que ele tenta recuperar aquilo que outrora foi perdido.
Coutinho Jorge (2006) coloca a fantasia como a articulação entre o inconsciente ($) e a pulsão (objeto a), entre o simbólico e o real. No primeiro pólo, pode-se situar o amor, enquanto que do outro lado, situa-se o gozo. A hipótese do autor é que a fantasia do perverso é pelo viés do gozo, pois sua relação com a polaridade amorosa é precária, o que lhe impede de fazer laço com o outro enquanto sujeito, mas apenas enquanto objeto. Indo além, o gozo fica como uma defesa em relação ao vínculo amoroso, pois este alude a certa castração do gozo.
Retornando ao filme, podemos observar que, para Érika, os outros são meros objetos e sua relação com eles é de puro gozo. Ela trata sadicamente seus alunos. Ela busca o mesmo tipo de relação com Walter: após um primeiro beijo, Érika mecanicamente abre o zíper da calça do rapaz e toca apenas em seu pênis, impedindo-o de acariciá-la ou mesmo reagir aos seus toques. Ainda, há uma inversão de papéis quando ela propõe seu jogo masoquista, colocando-se como mero instrumento de gozo para Walter, se desidentificando, assim, do lugar de sujeito e, por conseguinte, desmentindo a castração, pois não há sujeito que não sofra o efeito da castração. Este exemplo ilustra o que Freud (1905/1996) nos ensinou: sadismo e o masoquismo são vertentes de uma mesma perversão, cuja forma ativa e passiva tem proporções variáveis no mesmo indivíduo: um sádico é também sempre um masoquista.
Porém, há algo no rapaz que a cativa, e ela não suporta que ele lhe rejeite. Tenta se relacionar com ele de maneira que agrade ao jovem, mas não suporta um envolvimento com o outro enquanto sujeito pelo viés amoroso; ela se desespera e até mesmo vomita. Em outro momento, cruza com um aluno na loja de artigos pornôs e, neste instante, não se abala minimamente. Mas, na aula seguinte, ela o chama de porco, nojento e de alguém incapaz de se concentrar no piano devido as suas fantasias sujas. É evidente que ela está falando de si mesma. Nesses dois momentos particulares, Erika demonstra não ser tão impassível assim. De alguma forma, compreende que seus atos fogem às transgressões perversas das “pessoas sadias” e se incomoda com isso. Mas, ao enunciar um sentimento de culpa ou constatarmos uma ação do recalque, não estamos excluindo Erika do mundo das perversões, pelo contrário. Inicialmente acreditava-se que o neurótico recalcava no inconsciente suas fantasias perversas enquanto que os perversos as colocariam em atos, donde se concluía que na perversão a pulsão se declararia em sua nudez. No entanto, não importa qual for a formação perversa, a estrutura de compromisso, de dialética do recalcado e do retorno do recalcado é a mesma que há na neurose. Tanto na neurose quanto na perversão “há a ação do Nome-do-Pai, há recalque originário e, por conseguinte, a instauração da matriz psíquica chamada fantasia inconsciente fundamental” (JORGE, 2006:32). Ou seja, ambas as estruturas estão inscritas no simbólico.
O filme termina com Erika esperando ansiosamente por Walter no recital do Conservatório onde ela vai tocar. Esse dia procede de uma noite conturbada, em que Walter adentra a casa de Érika e, violentamente, tenta realizar as suas fantasias. Todavia, elas não ocorrem como a professora imaginava e a situação sai um pouco de controle. No dia do recital, Erika leva uma faca consigo, e quando vê que Walter passa por ela e o máximo que ele lhe diz é “bom concerto, mal posso esperar para ouvi-la”, ela enfia a faca no seu próprio peito, e sai porta afora. Como num último lance de se negar a ser objeto de gozo para o outro, que mal podia esperar para “gozar”, Érika sai de
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