Essays.club - TCC, Modelos de monografias, Trabalhos de universidades, Ensaios, Bibliografias
Pesquisar

Resenha do Livro Raízes do Brasil

Por:   •  12/7/2018  •  2.229 Palavras (9 Páginas)  •  406 Visualizações

Página 1 de 9

...

No segundo capítulo de Raízes do Brasil podemos apreender a herança da corrente weberiana na construção da dicotomia trabalhador-aventureiro, na medida em que Sérgio Buarque trabalha com o conceito de tipo ideal. Nesse sentido, como argumenta o próprio autor, ambos participam de muitas combinações e, em estado puro, nem o trabalhador nem o aventureiro possuem existência real, somente no mundo das idéias, servindo como mecanismos de comparação entre situações diferentes, modelos abstratos que nos auxiliam na construção histórica das “raízes” do Brasil. A ética do aventureiro é pautada em ignorar fronteiras, na amplitude do mundo, nas ações que levem a recompensas imediatas e no não reconhecimento dos obstáculos a serem ultrapassados, pois o objetivo final é o mais importante. Em contrapartida, a ética do trabalhador se baseia primeiramente na dificuldade a vencer, não no triunfo a ser alcançado, o que gera ações mais seguras. A plasticidade social é uma característica concernente aos portugueses, entendida como capacidade de adaptação ao meio americano tendo em vista que a tendência aventureira dos lusitanos foi o fator que os levou à expansão no início da Modernidade, mesmo funcionando com desleixo e certo abandono. Nesse sentido, a própria lavoura de cana seria uma forma de ocupação aventureira, não correspondendo a América Portuguesa a uma civilização tipicamente agrícola, pois esta não era a finalidade, na visão de Sérgio Buarque.

Esse espírito aventureiro lusitano pode ser considerado positivo quando em comparação à experiência holandesa, pois manifestou grande adaptabilidade, enquanto os europeus dos Países Baixos demonstraram todo um trabalho metódico e coordenado, uma religião que não era universalista como a Igreja Católica e o próprio orgulho de raça, que acabaram por demonstrar a falta de plasticidade tão comum aos aventureiros portugueses. Estes eram motivados pela ânsia de prosperidade, títulos, posições e riquezas fáceis. Além disso, havia a carência do orgulho de raça, já que em Portugal o povo era mestiço, devido à grande quantidade de escravos africanos na época das Descobertas.

Mais uma vez Sérgio Buarque acerta em estabelecer uma tipologia dicotômica, desta vez opondo o rural e o urbano. No terceiro capítulo de Raízes do Brasil, a paisagem natural é associada ao predomínio da fazenda sobre a cidade, sendo esta utilizada apenas para as ocasiões especiais, como festas e solenidades as quais os ricos fazendeiros não podiam deixar de comparecer a cidade como um apêndice da fazenda. Nesse sentido, a fazenda pode ser compreendida como o lugar da nobreza, onde são realizadas as atividades diárias, o que se faz supor um ruralismo extremo, na medida em que as cidades se encontram quase vazias. A herança rural aparece associada à agricultura, e esta associada à escravidão, tanto que, e isso é retomado com maior veemência posteriormente, extinguindo-se o trabalho compulsório, a vida rural entra em crise, cedendo espaço ao crescimento dos centros urbanos.

Esse modo de vida concernente à fazenda é também capaz de gerar intelectuais e políticos, atualmente associados logo à cidade. Há uma valorização exacerbada do “talento”, isto é, do movimento intelectual, do trabalho mental ligado à inteligência que não se relaciona, de forma alguma, ao labéu do trabalho manual, o que traz aos grupos rurais dominantes uma aura de nobreza. Enfim, a família rural é baseada num sistema patriarcal tradicionalista, em que os vínculos biológicos e afetivos unem o chefe, descendentes, agregados e afins, traduzindo-se até mesmo num modelo para a vida política, nas relações entre governantes e súditos, visto que a autoridade do proprietário não podia sofrer réplica.

Se num primeiro momento a cultura ibérica é tomada de uma forma geral por Sérgio Buarque de Holanda, com características gerais que seriam adaptadas na América, o que se observa em “O semeador e o ladrilhador” é justamente a diferenciação entre o que é português e o que é espanhol. Utilizando-se mais uma vez de uma dualidade pautada no tipo ideal de Max Weber, o autor de Raízes do Brasil utiliza a cidade como fio condutor deste capítulo central, sendo ela um instrumento de dominação, fundada para fazer presente a figura da metrópole, bem como a centralização do poder nas mãos desta. Nesse sentido, o espanhol é denominado “ladrilhador”, pelo seu zelo urbanístico baseado na razão, na uniformidade e simetria, além da predominância da linha reta, com preferência às regiões internas. Algo que vale apena ressaltar é que os espanhóis buscavam constituir no Novo Mundo o Velho Mundo, o que nos ajuda a compreender o significado de cidades bem estruturadas.

Já os portugueses estabeleceram uma política de feitoria, semeadores de cidades irregulares, crescidas e fixadas sem controle, próximas ao litoral, movidos pela rotina das experiências pelas quais se guiavam. São cidades que crescem verticalmente e que possuem um caráter altamente imediatista, o que comprova o espírito aventureiro relativo aos lusitanos, quando estes têm em mente apenas aquilo que deve ser alcançado e não relevando os obstáculos, marcando potencialmente uma diferença em relação aos espanhóis, mais visionários e renovadores da realidade que se apresentava na América.

Voltando sua atenção para uma análise mais psicológica e, novamente, interessada no tipo ideal weberiano, Sérgio Buarque de Holanda descreve o “homem cordial”, expressão de Ribeiro Couto, culminando num dos momentos mais importantes de Raízes do Brasil. O homem cordial poderia ser caracterizado genericamente como moldado pela estrutura familiar que, conseqüentemente, gera relações de simpatia e afeto e repulsa por relações impessoais. A cordialidade nega a polidez e almeja a vida em sociedade, pois vê na individualidade um grande pavor, tendo em vista a predominância da família tradicional brasileira, confrontada cada vez mais pela sociedade urbana de tipo moderno.

O “homem cordial” é um tipo ideal que não tem necessariamente em seu bojo a bondade, mas pressupõe comportamentos de caráter afetivo, manifestados até mesmo na religião, algo facilmente identificável no tratamento dos santos, em que estes são vistos como próximos e amigáveis, culminando numa aproximação exacerbada que traz à tona ritos afrouxados e humanizados. A cordialidade na política gera um patrimonialismo em que não há distinção do domínio público e privado, sendo a escolha de funcionários pelo empregador pautado fortemente pelas relações pessoais.

Mas eis que novos tempos se levantam, principalmente depois da vinda da família real, fato que revela um choque

...

Baixar como  txt (15 Kb)   pdf (59.5 Kb)   docx (17 Kb)  
Continuar por mais 8 páginas »
Disponível apenas no Essays.club