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Resenha do Livro Raízes do Brasil

Por:   •  12/7/2018  •  2.229 Palavras (9 Páginas)  •  419 Visualizações

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No segundo capítulo de Raízes do Brasil podemos apreender a herança da corrente weberiana na construção da dicotomia trabalhador-aventureiro, na medida em que Sérgio Buarque trabalha com o conceito de tipo ideal. Nesse sentido, como argumenta o próprio autor, ambos participam de muitas combinações e, em estado puro, nem o trabalhador nem o aventureiro possuem existência real, somente no mundo das idéias, servindo como mecanismos de comparação entre situações diferentes, modelos abstratos que nos auxiliam na construção histórica das “raízes” do Brasil. A ética do aventureiro é pautada em ignorar fronteiras, na amplitude do mundo, nas ações que levem a recompensas imediatas e no não reconhecimento dos obstáculos a serem ultrapassados, pois o objetivo final é o mais importante. Em contrapartida, a ética do trabalhador se baseia primeiramente na dificuldade a vencer, não no triunfo a ser alcançado, o que gera ações mais seguras. A plasticidade social é uma característica concernente aos portugueses, entendida como capacidade de adaptação ao meio americano tendo em vista que a tendência aventureira dos lusitanos foi o fator que os levou à expansão no início da Modernidade, mesmo funcionando com desleixo e certo abandono. Nesse sentido, a própria lavoura de cana seria uma forma de ocupação aventureira, não correspondendo a América Portuguesa a uma civilização tipicamente agrícola, pois esta não era a finalidade, na visão de Sérgio Buarque.

Esse espírito aventureiro lusitano pode ser considerado positivo quando em comparação à experiência holandesa, pois manifestou grande adaptabilidade, enquanto os europeus dos Países Baixos demonstraram todo um trabalho metódico e coordenado, uma religião que não era universalista como a Igreja Católica e o próprio orgulho de raça, que acabaram por demonstrar a falta de plasticidade tão comum aos aventureiros portugueses. Estes eram motivados pela ânsia de prosperidade, títulos, posições e riquezas fáceis. Além disso, havia a carência do orgulho de raça, já que em Portugal o povo era mestiço, devido à grande quantidade de escravos africanos na época das Descobertas.

Mais uma vez Sérgio Buarque acerta em estabelecer uma tipologia dicotômica, desta vez opondo o rural e o urbano. No terceiro capítulo de Raízes do Brasil, a paisagem natural é associada ao predomínio da fazenda sobre a cidade, sendo esta utilizada apenas para as ocasiões especiais, como festas e solenidades as quais os ricos fazendeiros não podiam deixar de comparecer a cidade como um apêndice da fazenda. Nesse sentido, a fazenda pode ser compreendida como o lugar da nobreza, onde são realizadas as atividades diárias, o que se faz supor um ruralismo extremo, na medida em que as cidades se encontram quase vazias. A herança rural aparece associada à agricultura, e esta associada à escravidão, tanto que, e isso é retomado com maior veemência posteriormente, extinguindo-se o trabalho compulsório, a vida rural entra em crise, cedendo espaço ao crescimento dos centros urbanos.

Esse modo de vida concernente à fazenda é também capaz de gerar intelectuais e políticos, atualmente associados logo à cidade. Há uma valorização exacerbada do “talento”, isto é, do movimento intelectual, do trabalho mental ligado à inteligência que não se relaciona, de forma alguma, ao labéu do trabalho manual, o que traz aos grupos rurais dominantes uma aura de nobreza. Enfim, a família rural é baseada num sistema patriarcal tradicionalista, em que os vínculos biológicos e afetivos unem o chefe, descendentes, agregados e afins, traduzindo-se até mesmo num modelo para a vida política, nas relações entre governantes e súditos, visto que a autoridade do proprietário não podia sofrer réplica.

Se num primeiro momento a cultura ibérica é tomada de uma forma geral por Sérgio Buarque de Holanda, com características gerais que seriam adaptadas na América, o que se observa em “O semeador e o ladrilhador” é justamente a diferenciação entre o que é português e o que é espanhol. Utilizando-se mais uma vez de uma dualidade pautada no tipo ideal de Max Weber, o autor de Raízes do Brasil utiliza a cidade como fio condutor deste capítulo central, sendo ela um instrumento de dominação, fundada para fazer presente a figura da metrópole, bem como a centralização do poder nas mãos desta. Nesse sentido, o espanhol é denominado “ladrilhador”, pelo seu zelo urbanístico baseado na razão, na uniformidade e simetria, além da predominância da linha reta, com preferência às regiões internas. Algo que vale apena ressaltar é que os espanhóis buscavam constituir no Novo Mundo o Velho Mundo, o que nos ajuda a compreender o significado de cidades bem estruturadas.

Já os portugueses estabeleceram uma política de feitoria, semeadores de cidades irregulares, crescidas e fixadas sem controle, próximas ao litoral, movidos pela rotina das experiências pelas quais se guiavam. São cidades que crescem verticalmente e que possuem um caráter altamente imediatista, o que comprova o espírito aventureiro relativo aos lusitanos, quando estes têm em mente apenas aquilo que deve ser alcançado e não relevando os obstáculos, marcando potencialmente uma diferença em relação aos espanhóis, mais visionários e renovadores da realidade que se apresentava na América.

Voltando sua atenção para uma análise mais psicológica e, novamente, interessada no tipo ideal weberiano, Sérgio Buarque de Holanda descreve o “homem cordial”, expressão de Ribeiro Couto, culminando num dos momentos mais importantes de Raízes do Brasil. O homem cordial poderia ser caracterizado genericamente como moldado pela estrutura familiar que, conseqüentemente, gera relações de simpatia e afeto e repulsa por relações impessoais. A cordialidade nega a polidez e almeja a vida em sociedade, pois vê na individualidade um grande pavor, tendo em vista a predominância da família tradicional brasileira, confrontada cada vez mais pela sociedade urbana de tipo moderno.

O “homem cordial” é um tipo ideal que não tem necessariamente em seu bojo a bondade, mas pressupõe comportamentos de caráter afetivo, manifestados até mesmo na religião, algo facilmente identificável no tratamento dos santos, em que estes são vistos como próximos e amigáveis, culminando numa aproximação exacerbada que traz à tona ritos afrouxados e humanizados. A cordialidade na política gera um patrimonialismo em que não há distinção do domínio público e privado, sendo a escolha de funcionários pelo empregador pautado fortemente pelas relações pessoais.

Mas eis que novos tempos se levantam, principalmente depois da vinda da família real, fato que revela um choque

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