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Propostas do Critical Legal Studies Movement

Por:   •  19/10/2017  •  10.169 Palavras (41 Páginas)  •  415 Visualizações

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Os Critical Legal Scholars propunham-se, no início dos anos 80, a demonstração da indeterminação da doutrina jurídica, no sentido de afirmar que qualquer conjunto dado de princípios pode ser usado para sustentar resultados concorrentes ou contraditórios; o empenhamento na análise histórica e sócio-económica para identificar os modos pelos quais grupos de interesses particulares, classes sociais, ou instituições económicas entrincheiradas beneficiam das decisões jurídicas apesar da indeterminação das doutrinas jurídicas; a tentativa de expor como a cultura e o pensamento jurídicos mistificam (iludem) elementos estranhos (intrusos-outsiders) e legitimam os seus resultados; a possibilidade de explicar novas ou previamente desfavorecidas perspectivas sociais e lutar pela sua realização na prática jurídica ou política, inserindo-as no discurso jurídico[13].

O Critical Legal Studies Movement perfilha uma perspectiva política de esquerda radical, considerando as democracias liberais de tipo ocidental como sustentadoras de ilegítimas hierarquias de poder e de privilégios. Relativamente à concepção liberal do direito, os Critical Legal Studies, entre os quais Roberto Unger e Duncan Kennedy, criticam as dicotomias próprias do Estado de Direito Liberal, tais como a separação entre Estado e sociedade civil, bem como entre público e privado, e apontam, criticamente, as suas consequências. No caso de Unger, é fundamental para a construção do seu projecto de reforma do pensamento jurídico a comprovação de que essas dicotomias não são necessárias, e cumpre mesmo eliminá-las, em nome da igualdade e da justiça.

Perante as inumeráveis orientações e ramificações teóricas e práticas dos autores que se assumem como Crits, ou, pelo menos, que se identificam com os ideais perfilhados pelo movimento, pretender definir uma homogeneidade de orientação teórica e metodológica afigura-se uma tarefa árdua[14]. Apesar de tudo, pelo menos duas afirmações são inequivocamente identificadoras do movimento. Em primeiro lugar, a de que “Law is politics”. Depois, a da existência de uma linha orientadora comum a todo o movimento: a crítica ao carácter autónomo do pensamento jurídico[15].

Ainda fundamental é o carácter anti-formalista do direito, traduzido de modo diverso nos vários autores do movimento, e tendo como núcleo essencial a crítica à pretensão de que o pensamento jurídico é a-político, científico e não admite qualquer conteúdo ideológico, e de que, e consequentemente, a aplicação do direito se traduz num juízo lógico-dedutivo. Assumindo uma posição crítica, os autores do Critical Legal Studies Movement denunciam o carácter ideológico dissimulado do pensamento jurídico liberal, e a pretensão de ocultar esse carácter, e defendem que a decisão judicial não é politicamente neutra, mas antes uma versão estilizada do discurso político. Neste sentido, ideológica seria não só a afirmação do carácter neutro da legalidade como também a própria índole da decisão judicial.

2. O Jurídico e a política: uma perspectivação ideológico- -política da dogmática jurídica

2.1. A dogmática jurídica como instrumento de intervenção política

2.1.1. A perspectivação caleidoscópica das categorias de inteligibilidade e o movimento centro/periferia: a dogmática jurídica como instrumento de inversão da orientação doutrinal dominante

Assumida a rejeição do pensamento jurídico liberal, propõem os Critical Legal Scholars, em diversas frentes, a crítica e superação das suas pretensas neutralidade, cientificidade e imparcialidade. O pensamento jurídico é agora compreendido como instrumento ao serviço de exigências de realização moral e política na sociedade. O problema coloca-se precisamente na relação entre a ideologia dominante, colocada no centro da sociedade como opção necessária, e ideologias alternativas, relegadas para a periferia. Alternativa, ao nível da dogmática jurídica, que se revelaria na substituição dessas pretensas neutralidade, apoliticidade e necessidade das deduções lógicas próprias da prática jurídica dominante – e que constituem o seu núcleo actual – pela exploração de novos sentidos e novas intenções que se encontram actualmente na periferia, legitimamente convocáveis como possibilidade de realização do direito, no momento da decisão judicial (adjudication), com vista à reconstrução do pensamento jurídico e das suas implicações sociais.

A proposta de Roberto Mangabeira Unger para a dogmática jurídica implica precisamente a movimentação de doutrinas periféricas para o centro e de doutrinas centrais para a periferia, o que seria possível sem alterações substanciais nos critérios jurídicos, apenas com a deslocação/inversão do seu sentido, da sua posição no quadro da estrutura dogmática[16]. Porém, Duncan Kennedy, diferentemente, embora também afirmando a politização do discurso jurídico[17], parece sugerir que a dogmática jurídica não tem uma estrutura independente da concepção individual que dela se tenha: a dogmática jurídica é ela própria casuística, dependente dos objectivos que o jurista decidente pretenda atingir em cada caso, bem como da sua formação e das suas experiências pessoais[18]. Não haveria, neste sentido, um centro e uma periferia, pois na resolução de cada controvérsia concreta surgiria sempre o conflito, a mediar, entre individualismo e altruísmo[19]-[20]. Não obstante, Kennedy sugere que haveria uma alteração radical na compreensão do direito privado se se invertessem as suas polaridades éticas do domínio do individualismo para o do altruísmo[21].

A convocação de princípios e contra-princípios far-se-ia, na proposta de Unger, sob uma de duas perspectivas: uma dominante e outra “deviationist”[22]. Na perspectiva dominante os contra-princípios surgem como anomalias[23]. Os princípios representam o centro operacional e conceitual da doutrina. Os contra-princípios representam a periferia conceitual e operacional: podem ser aplicados em situações excepcionais (embora exista uma presunção contra a sua aplicabilidade), e desempenham um papel relativamente marginal no funcionamento do direito. O objectivo da perspectiva “deviationist” consiste em alterar a estrutura da dogmática do direito contratual, de modo a que os contra-princípios sejam centrais e os princípios sejam casos periféricos especiais. A dogmática é agora compreendida em função dos sentidos seleccionados para constituir parte do seu centro (“core”) e parte da sua periferia (“periphery”) – consoante a perspectiva assumida, assim se projectaria a

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