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MENINAS MULHERES - Quando a criança é a senhora da casa

Por:   •  25/4/2018  •  6.334 Palavras (26 Páginas)  •  287 Visualizações

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[...] meu pai era um pai muito bom. Cuidava da gente. Não deixava nem a mãe bater na gente. (pesquisa de campo: 2015).

O drama começa com a morte do pai. Sua mãe se viu sozinha para cuidar de seis filhos. O trabalho do marido era na roça. Era de lá que ele tirava o sustendo para toda a família. Na sua morte, os filhos ainda eram muito pequenos. A viúva não tinha uma família para lhe apoiar. Os parentes por parte do marido não se manifestaram. Restando-lhe a escolha de migrar para o centro da cidade em busca de trabalho para sustentar os filhos.

É um fenômeno comum, em comunidades carentes, a migração de famílias do campo para as cidades, em busca de trabalho. Quando os pais não podem ir, por diversos fatores, mandam os filhos para a casa de parentes que já foram antes. Em outros casos entregam os filhos, principalmente as meninas, para terceiros, na esperança de que possam garantir as necessidades básicas dessas crianças, como alimento, saúde e educação.

As histórias se desenvolvem em um ambiente de desestrutura familiar e ausência do poder público. A condição de pobreza, aliada a fatores culturais, contribuíram para essa modalidade de exploração da mão de obra infantil. Essa prática está catalogada entre o rol da violência doméstica, por submeter crianças a uma condição de trabalho inadequado a sua estrutura, além de negar-lhe o direito a uma infância. O Ministério do Trabalho e Emprego lançou uma cartinha de orientação sobre o direito das crianças e adolescentes, e traz essas orientações:

O Brasil tem uma legislação ampla sobre a proteção da criança e do adolescente e a proibição do trabalho infantil. A Constituição Federal de 1988 determina: • Art. 227 – É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de coloca-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. • Art. 7º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XXXIII – Proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990), em seus artigos 60 a 69, especifica a proteção integral à criança e ao adolescente no âmbito do trabalho. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT – Decreto 5.452/1943) - em seu Capitulo IV, Título III, dispõe sobre as possibilidades e condições de trabalho a pessoas com idade inferior a 18 anos. O Decreto nº 6.481/2008 trata da proibição das piores formas de trabalho infantil, constando como proibidas 93 atividades para pessoas com idade inferior a 18 anos. A Instrução Normativa nº 77/2009, da Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego dispõe sobre a atuação da inspeção do trabalho no combate ao trabalho infantil e na proteção do trabalhador adolescente. A Inspeção do Trabalho tem por função fiscalizar o cumprimento da legislação trabalhista, dentre outras atribuições.

Em relação a primeira menina, essa ação, embora bem-intencionada, tem se tornado um produtivo caminho para exploração do trabalho infantil, na forma de violência doméstica, Invisibilizada pela “solidariedade”. As famílias que exploram essas crianças justificam estarem prestando um favor aos pais, por tirarem-nas de um estado de pobreza, lhes proporcionando moradia, algumas roupas e alimento. Contudo, analisando os fatos, nos deparamos com a triste realidade da violência mais covarde, porém, proporcionalmente intrigante, que persiste ao longo da história humana, por fatores sociais e culturais que alimentam essa prática, o que dificulta a sua erradicação.

[...] Chegou um casal lá em casa, levado por um conhecido da família, e falou com o nosso pai se ele daria uma das filhas para morar com esse casal, e ele me deu. E o casou me trouce para Belém. Disseram que iam me dar as coisas. Mas chegou na hora não ganhei nada, trabalhei de graça. A proposta era para fazer companhia, já que eles não tinham filhos, eu seria como uma filha. (pesquisa de campo: 2015).

O que leva um pai entregar uma menina, ainda criança, para trabalhar como doméstica em uma casa? [...] é a dor da pobreza extrema que explica a razão de uma pessoa entregar sua filha para ser explorada, como doméstica, na casa de terceiros. Para esses pais tal doação representa libertar suas filhas da miséria, pois imaginam que ela terá escola, comida, teto, roupa, causados e lazer garantidos. É a chance de um futuro diferente do seu. (Dutra, 2007, pag. 71).

De outro modo, percebe-se na narrativa do pai seu interesse em que a menina aprenda as “coisas”. Demonstrando com isso a presença do fator cultural determinante na criação de meninas. Como a mãe havia abandonado a família, o pai se ver desprovido de ensinar os afazeres domésticos para as filhas, a chamada “coisa de mulher” que segundo Simone de Beauvoir (2009, p. 589-590) descreve exatamente esse circuito de atividades que se destina às donas de casa e às domésticas como suas substitutas: [...] Lavar, passar, varrer, descobrir os flocos de poeira escondidos sob a noite dos armários é recusar a vida, embora detendo a morte: pois num só movimento o tempo cria e destrói; a dona de casa só lhe apreende o aspecto negativo. Sua atitude é maniqueísta. A característica do maniqueísmo não é somente reconhecer dois princípios, um bom e outro mau: é afirmar que o bem se alcança pela abolição do mal e não através do movimento positivo; [...]. Toda doutrina da transcendência e da liberdade subordina a derrota do mal ao progresso para o bem. Mas a mulher não é chamada a edificar um mundo melhor; a casa, o quarto, a roupa suja, o assoalho são coisas imutáveis: a única coisa que ela pode fazer é expulsar indefinidamente os princípios maus que nelas se introduzem: ela ataca a poeira, as manchas, a lama, a imundície; combate o pecado, luta contra Satã. Mas é um triste destino ter que rechaçar continuamente um inimigo, ao invés de se voltar para metas positivas; com frequência a dona de casa suporta-o com ódio.

[...] vocês não querem ir trabalhar na casa de família para aprender as coisas, e ganhar as coisas? (pesquisa de campo: 2015).

Nos conta a segunda menina que era um costuma naquela região,

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