Capítulo I - A História das Punições
Por: Rodrigo.Claudino • 25/4/2018 • 9.832 Palavras (40 Páginas) • 236 Visualizações
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O princípio de Talião, vulgarmente resumido na expressão "olho por olho, dente por dente", é a ideia mais simplista de justiça e punição que o homem adotou para normatizar a vingança, e assim, deixá-la sob controle. Nasce desta forma uma distinção entre a vingança social e a vingança privada. A vingança social, como já foi dito anteriormente, é a vingança que atinge a todos que tenham conexão com a pessoa merecedora de castigo. É uma vingança que não individualiza quem cometeu a conduta passível de punição de quem nada fez para tal conduta se operar atingindo sua finalidade. Incide, indiscriminadamente, em pessoas que são próximas ao legítimo culpado e até quem sequer tem conhecimento sobre a culpa ou existência do delito. Sendo assim, levava a desordem social do grupamento humano quando era operada por clãs e famílias guerreiras. Quando estendemos essa concepção de vingança a etnias e tribos, percebemos que este tipo de vingança é o principal combustível para os genocídios. Infelizmente vemos ela se operar até os dias atuais, se tomarmos como exemplo alguns conflitos bélicos recentes na Europa Ocidental (Guerra do Kosovo) e na África Central (Guerra Civil em Uganda e no Congo).
A vingança privada por sua vez, é uma vingança que individualiza a punição, incidindo, na maioria das vezes, na pessoa que cometeu a conduta merecedora de castigo. O princípio de Talião nasce com o fim de normatizar e instituir o direito de vingança das civilizações antigas. Este instituto que era considerado sinônimo de justiça e que podemos observar nas mais diversas civilizações do mundo antigo, ainda hoje, é encontrado e lembrado, por algumas teorias e costuma-se manifestar quando a coletividade se vê diante de crimes de grande repercussão e reprovação social. Seja no Código de Hammurabi[3] dos babilônios, no Pentateuco judeu ou no Código de Manu dos indianos, o princípio de Talião visa provocar no indivíduo castigado o mesmo sofrimento sentido por sua vítima. Por isso, as vezes acabava por incidir não na pessoa do criminoso, mais, acaba por incidir em pessoa que venha a provocar no criminoso, sensação parecida, não deixando nunca de provocar uma contrarreação na pessoa punida, pois, esta, tem consciência ou pelo menos noção da razão e dos porquês que levaram a sua punição:
Se um construtor edificou uma casa para um awilum, mas não reforçou seu trabalho, e a casa, que construiu, caiu e causou a morte do dono da casa, esse construtor será morto. Se causou a morte do filho do dona da casa, matarão o filho desse construtor. (HAMMURABI parágrafos 229 e 230)[4]
O princípio de Talião serviu ao seu propósito histórico, ajudando na passagem da vingança social, tida como sem limites, proporcionalidade e nociva à manutenção e estabilidade de um grupamento humano, para a vingança privada, delimitada pela normatização e capaz de atender ao sentimento de justiça, tão importante para harmonia de um corpo social. O célebre professor e jurista Miguel Reale em sua emblemática obra: Lições Preliminares de Direito, em poucas linhas resume bem a evolução que continuarei dissertando sobre:
Existiu, com efeito, primeiro, a vingança social para, depois surgir a vingança privada. De certa maneira, esta já representa um progresso, porquanto personaliza a responsabilidade. Com o decorrer do tempo, o fenômeno da vingança privada veio sendo submetido a regras, as formas delimitadoras. Há uma passagem lenta do período da vingança privada, como simples força bruta, ao período em que as contendas passam a ser resolvidas obedecendo a certas injunções ainda de força, mas já contida em certos limites. É o período dos duelos, das ordálias, do talião. Finalmente, o Estado proíbe o duelo, que já é um abrandamento da força. O Poder Público coloca-se em lugar dos indivíduos, chamando para si a distribuição da justiça, o que assinala um momento crucial na história da civilização. (REALE pp.75).
Essa gradativa mudança, relativa ao processo de punir os criminosos, embora vise excepcionar a aplicação das penas, e veremos que ao longo da história, diversos pensadores que se debruçaram sobre este tema, visaram dar nas últimas décadas, maior substância entre a distinção das palavras punição e justiça. Espero demonstrar neste estudo que não há como fugir do sentimento implacável da vingança. O pai que teve seu filho assassinado por um marginal, não terá seu filho de volta com a prisão deste marginal, mas procura na maioria das vezes, ver o responsável pelo crime que lhe imprimiu tanto sofrimento, atrás das grades. Esse sentimento é tão latente que até quando não temos a quem culpar, ou pelo menos, quando não teríamos a quem culpar, diante de tanta dor que nos é gerada, pela ocorrência de um infortúnio, buscamos um certo tipo de consolo, uma vingança que acreditamos diminuir o sofrimento de quem é atingido pela conduta reprovável de outrem. Esse consolo, essa vingança é o que muitas vezes denominamos de Justiça. Mas tal dissertação deixará mais para o final deste estudo após discorrer sobre a história e a filosofia do direito de punir. Voltando à vingança privada e sua passagem lenta e gradual para o monopólio da aplicação das penas pelo Estado. Não posso deixar de mencionar a grande fonte de inspiração do Direito contemporâneo, que é o Direito Romano. São os romanos com seu pragmatismo que passam de certa forma a distinguir a punição religiosa da punição estatal, durante o seu período Republicano. Mas, durante o período Monárquico tal como a maioria das civilizações do mundo Antigo, punia os transgressores das regras, não por uma necessidade de retribuição do sofrimento humano apenas, mas, para aplacar a ira dos deuses.
1.3 - A punição como desígnio divino e o positivismo romano
Por muito tempo, as autoridades e sábios religiosos foram os juízes da Antiguidade. Como toda regra era proveniente de um ser supremo, superior a todos os seres. tais regras quando desobedecidas, implicavam em castigos e punições que encontravam sua razão de existir na vontade destes seres. A impunidade poderia acarretar erupções vulcânicas, inundações e enchentes devastadoras, fome, guerras enfim, toda espécie de flagelo era imputada aos deuses que zangados com os homens, os punia com estes infortúnios. Histórias gregas como a de Deucalião e Pirra, muito semelhante a de Noé constante na Bíblia cristã no livro de Gênesis, Sodoma e Gomorra, dentre outras catástrofes relatadas por diversos escritos antigos, teriam ocorrido pela iniquidade dos homens em não cumprir as regras impostas pelos deuses. Sob a luz deste conceito, o crime era uma conduta reprovável não só
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