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Caderno Filosofia I

Por:   •  1/11/2018  •  28.670 Palavras (115 Páginas)  •  197 Visualizações

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A passagem que nós discutiremos hoje (Fala de Glauco) é um debate que acho que ocorre ainda nos dias de hoje, e que retoma o problema, não nas relações entre as cidades, mas na relação entre as pessoas dentro da cidade. Essa passagem é a posição de um sofista, e a gente percebe que já na Antiguidade, a tentativa de se apresentar uma teoria das leis e da justiça que não se comprometa com teoria ideológica, e específica da natureza humana, mas unicamente como sendo uma convenção social. Esse é o resultado da posição do sofista, e o Glauco aparentemente não está muito convencido dela, por isso pergunta o que o interlocutor acha dela.

(Leitura da passagem completa)

A justiça não tem a ver com Deus ou lei natural nesse ponto de vista, aqui a proposta é descrever a gênese da justiça, e não a justiça das leis. Como vocês compreendem a passagem?

Aluna: Eu entendi que a injustiça é um bem, e que você se proteger dela é a grande sacada.

A primeira observação que eu gostaria de fazer é de natureza epistemológica: a injustiça é um bem. Se a gente compreende a injustiça como um bem, e é importante destacar que nesta época, da tradução literal, a palavra bem ainda não era usada com conotação especificamente moral, que lhe foi dada no antigo testamento. Pode parecer esquisito, falar em injustiça como uma coisa boa. Na maior parte do tempo, usamos a palavra bom ou bem no sentido de moralmente relevante.

Para os fins da nossa discussão, o que ela significa é uma vantagem: do ponto de vista da pessoa que comete uma injustiça ela pode ser vantajosa. E, evidentemente, da pessoa que sofreu uma injustiça e sofreu um mal também. Ser vítima de uma injustiça é um mal maior do que o bem que há em cometê-la. Isso faz algum sentido?

Aluna: Se há um senso de vantagens e desvantagens sim. É menos vantagem sofrer injustiça do que cometer.

Como nós podemos tornar essa frase inteligível? É uma frase esquisita.

Sofrer uma injustiça é um mal, evitar sobre si é um bem ou um mal?

Acho que a comparação agora é o bem que há cometer a injustiça (B1) entre o bem que há evitar sobre isso a injustiça (B2). O que eu preso mais? Evitar sobre mim ou eu próprio realizá-lo?

Podemos talvez imaginar o mundo de psicopatas ou pessoas diabólicas, um mundo sádico cujo o bem, aquilo que elas realmente querem é impor a dor a outras pessoas. Não acho que essa passagem esteja falando sobre isso. A passagem trata de um ponto de vista onde o sujeito que interage com outras pessoas, não porque seja um bem especial de agredir outras pessoas, mas seja um instrumento de obter a satisfação do meu objetivo ou alguma coisa que eu quero.

O contexto aqui é de interação social: É uma estratégia, um cálculo de vantagens, que o que será levado em consideração não é simplesmente me dar bem ou me dar mal – eu quero ter uma maçã, mas se eu preciso matar alguém para consegui-la, mais importante ainda pra mim é que eu seja o objeto desse tipo de agressão, evitar perdas. Mas o mais importante é, se eu quero conseguir esse bem, mais importante é a minha preocupação em não permitir que as pessoas me façam mal para conseguir as coisas que elas desejam.

Como podemos usar essa passagem em sinais de maior (>) e menor (

Alguns bens valeriam mais, ou seriam > a outros.

Quando a gente pensa que o mal evitado pode ser a própria morte. Essa vai ser a estratégia dominante para evitar perdas. Parece confuso, mas basicamente a vida vale mais do que uma maçã.

O capítulo no livro 26 explora muito essa perspectiva da filosofia sofista: o mesmo objeto tem pra nós o mesmo valor, na circunferência em que perdemos o objeto ou o ganhamos. As pessoas atribuem muito mais valor as coisas que elas perdem do que o que elas ganham. Então, por exemplo: se eu tenho uma determinada caneca, eu sou muito mais avesso à perdê-la. Essa simetria tem histórico evolucionário: uma coisa é considerar a oportunidade de ganhar algo, outra coisa é considerar uma ameaça de perdê-lo.

O valor psicológico é diferente da experiência de perda ou ganho. A insatisfação psicológica é muito maior quando perdemos alguma coisa. Me chama atenção também para vários casos de negociação, por exemplo, como são irracionais as escolhas das pessoas, porque elas se apegam de tal modo a perda, pelo constrangimento que ela causa. Quanto você estaria disposto a pagar pela sua capacidade de ganhar?

A relutância para me desfazer de um objeto que eu já tenho pode ser quantificada? Quanto mais você recusar os objetos que eu tô oferecendo, eu posso quantificar a resistência em perdê-la. Algumas barganhas não vão adiante, pela incapacidade das pessoas de admitirem perdas. Do ponto histórico, mesmo da Economia, demorou para as pessoas se darem conta que isso não funcionava efetivamente…

Sob argumentos que podem ser apresentados em favor da posição, me parece metodologicamente inadequado analisar essa passagem do texto. É que as pessoas prezam as duas coisas, mas se elas prezam mais ainda alguma coisa, isso é de evitar a perda. Não parece equivocado supor que o problema é de que na hora em que analisamos as vantagens e desvantagens, aquilo que importa mais não é obter uma vantagem através da agressão de outras pessoas, mas sim perder porque a agressão foi cometida por outrem.

Eu enfatizo o “sobre si” porque isso significa dizer que não é importante para mim dizer que ninguém deve sofrer uma agressão, a partir da justificativa do indivíduo, o importante é que ele não seja objeto de uma agressão, e o que acontece com o outro não é relevante.

Imagine um mundo onde há tipicamente essa agressão. Por que essa passagem diz que esse seria um passo mais racional para as pessoas? As vezes eu me dou bem, e as vezes eu me dou mal, e há um contexto de bastante insegurança para as pessoas nesse ponto de vista. Num segundo momento, as pessoas podem entrar num acordo, como um contrato. Qual seria o resultado desse contrato? Por que as pessoas aceitariam esse contrato? Para gerar um conflito harmônico?

A justiça não é alguma coisa natural, ela não existe. A justiça seria apenas um resultado do interesse das pessoas. É claro que haveria harmonia, mas o que interessa cada pessoa, é cada um pensando individualmente, não a paz social. Do ponto de vista histórico, essa é uma teoria individualista. Poderíamos

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