A HISTÓRIA DA JUSTIÇA ELEITORAL BRASILEIRA
Por: YdecRupolo • 11/12/2018 • 7.698 Palavras (31 Páginas) • 269 Visualizações
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Ao Rei e demais políticos encarregados do estabelecimento do Estado Brasileiro após a sua independência, o grande desafio seria moldar as instituições liberais europeias à realidade local. Estava-se diante de um país cujo sentimento de cidadania sequer estava próximo de ser consolidado. A população se resumia a poucos senhores, escravos e um contingente de homens livres pobres e, na esmagadora maioria, analfabetos.
A Carta Constitucional em 1824 (BRASIL, 1824), outorgada por Dom Pedro I, previu a distribuição das funções do Estado entre poderes, mas com a manutenção para si do controle destes pela via do chamado poder moderador, além de ter instituído grande restrição ao exercício dos direitos políticos, nas acepções ativa e passiva.
Não poderiam votar, por exemplo, escravos, os menores de 25 anos, à exceção dos casados que tivessem pelo menos 21 anos, estrangeiros não naturalizados, oficiais militares, padres que viviam em comunidade claustral e bacharéis, além daqueles que não detivessem a renda líquida anual ali exigida, de acordo com o tipo de eleição. O voto, contudo, era privativo ao “gênero masculino e da cor branca, as mulheres estavam ausentes do texto, assim como os escravos e os indígenas.” (PINSKY; PINSKY, 2008, p. 526).
Decreto de 26 de março de 1824 (BRASIL, 1824b) determinou a realização da primeira eleição para deputados e senadores, sob o Governo imperial, cuja organização foi pautada pelas instruções ali definidas. O sistema eleitoral manteve-se simplificado a dois graus, com eleições paroquiais e provinciais. As instruções detinham nove capítulos, que dispunham, em resumo, sobre: (i) eleições das assembleias paroquiais; (ii) modo de proceder à nomeação dos eleitores paroquiais; (iii) apuração dos votos; (iv) organização dos colégios eleitorais e suas reuniões; (v) regulamentos sobre a eleição dos senadores, deputados e integrantes dos Conselhos Provinciais, além de como seriam apurados os votos.[4]
Para o pleito em primeiro grau, previram-se mesas eleitorais integradas por “juízes de fora” (ou de quem lhe fizesse as vezes), do pároco, além de dois secretários e dois escrutinadores, estes últimos escolhidos por aclamação em assembleia eleitoral que se realizava na igreja. “A mesa tinha poderes amplíssimos, desde a qualificação dos votantes e determinação do prazo para recebimento das cédulas até a apuração dos votos e fixação do número de eleitores da paróquia.” (LEAL, 2012, p. 207).[5] O sufrágio a eleição de segundo grau não era direto, pelo menos até a Lei Saraiva (Decreto n.º 3.029, de 09 de janeiro de 1881) (BRASIL, 1881).
Até 1842, o alistamento eleitoral ficava a cargo de mesa presidida por um juiz, com participação direta de um pároco, e ocorria no próprio dia das eleições nos locais destinados à votação: as igrejas[6]. Competia ao juiz (em conjunto com o padre) analisar a idoneidade dos que se apresentavam como votantes (qualificação), relacionar a lista dos eleitores aprovados (que passavam a integrar registros nas paróquias), determinar o momento do início e do término das eleições e, por fim, apurar os votos.
A partir de 1842, o alistamento passou a ser realizado um dia antes do pleito[7], mas desta vez o juiz e o pároco detinham a companhia de autoridade policial. Os delegados e subdelegados de política eram longa manus do poder central. “Sua influência na qualificação dos votantes deu lugar, assim, à mais desembaraçada violência, corrompendo completamente o resultado dos pleitos.” (LEAL, 2012, p. 207).
Em razão da vil interferência das autoridades policiais no processo eleitoral, editou-se a Lei n.º 387, de 19 de agosto de 1846, que promoveu um realinhamento das juntas de qualificação de eleitores, compostas “do juiz de paz mais votado – seu presidente – e de quatro membros escolhidos, por processo complicado, dentre os eleitores.” (LEAL, 2012, p. 208) e, com elas, a possibilidade dos qualificandos apresentarem recurso quando fossem rejeitados. (CITADINI, 1985). O eleitor, entretanto, não recebia qualquer documento específico para apresentação no momento da eleição. (PINSKY; PINSKY, 2008).
O voto não era secreto. O próprio eleitor levava sua cédula[8] assinada ao local de votação, com a relação dos nomes e das profissões de seus candidatos - numa espécie de sistema eleitoral de lista livre[9]; se não soubesse assinar, o juiz assinaria em seu lugar, tudo com o suposto desiderato de evitar a ocorrência de fraudes (PINSKY; PINSKY, 2008). Nesse período, ainda não se cogitava da participação feminina na política[10], que só passou a ser formalmente prevista no Código Eleitoral Brasileiro de 1932 (BRASIL, 1932).
Os presidentes das províncias, que seriam mais ou menos equivalentes hoje aos governadores de Estado, eram nomeados pelo próprio Imperador e normalmente por indicação do partido (conservador ou liberal) que detivesse o poder na localidade. Eles não detinham mandato e poderiam ser exonerados do cargo a qualquer tempo pela Coroa.
Desde a edição da Lei dos Círculos (Decreto n.º 842, de 19 de dezembro de 1855) (BRASIL, 1855), o Brasil passou a ser dotado de um sistema eleitoral do tipo distrital, com algumas variações até a chegada da chamada Lei do Terço (Decreto n.º 2.675, de 20 de outubro de 1875) (BRASIL, 1875), que tinha por finalidade assegurar uma cota de representação às forças políticas minoritárias.
Considerando que a maioria dos sistemas eleitorais que se sucederam nesse período demandava a existência de votos em diversos pontos da Província, o que vinha acontecendo na prática era uma “câmara de unânimes”, ou seja, “um Legislativo no qual um agrupamento político detinha todas, ou quase todas, as cadeiras, sem espaço para representação das minorias” (PINSKY; PINSKY, 2008, p. 528), daí a necessidade de se criar uma “quota”, para que esta fosse de certo modo garantida.
A principal inovação ocorrida no período imperial se deu com a vigência do Decreto n.º 3.029, de 09 de janeiro de 1881, Lei Saraiva (BRASIL, 1881), que foi lastro para a legislação eleitoral da Primeira República e restringiu ainda mais o sufrágio. O decreto divide as províncias em distritos eleitorais, estabelece o voto direto para câmaras e assembleias, além da vedação ao voto do analfabeto.
Manteve-se ainda o critério censitário para o exercício do sufrágio, mas com o detalhe importante de que a renda deveria ser comprovada mediante a apresentação de documentos e não mais por mera declaração de terceiro, como até então ocorrida. Conquanto “praticamente todos tivessem renda suficiente, muito poucos
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