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A ANÁLISE DO CRITÉRIO HERMENÊUTICO PARA A FUNDAMENTAÇÃO NAS DECISÕES DA ADPF N. 54/2004.

Por:   •  17/12/2017  •  3.672 Palavras (15 Páginas)  •  292 Visualizações

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Pode-se perceber um avanço substancial no voto do então presidente do STF, ministro Cezar Peluso, se comparado ao voto do ex-ministro Eros Grau, ambos proferidos em 2004. Em suas curtas considerações, Peluso foi além porque enxergou que o problema envolvia “dois grandes valores jurídicos tutelados pela Constituição”25. Além disso, o referido ministro abordou a questão de forma argumentativa, procurando contextualizar o caso concreto com uma suposta ordem escalonada de valores da Constituição. Em suma, pode-se dizer que o voto de Peluso foi mais adequado e coerente com o sistema jurídico contemporâneo, pois ao menos reconheceu a existência de uma ordem aberta de valores (princípios, na verdade) e que a decisão deve ser encontrada com base em critérios argumentativos. A questão foi posta no momento em que Peluso manifestou-se sobre a possibilidade ou não de deliberação sobre a revogação da liminar na sessão de 31 de agosto de 2004. Naquela ocasião, o ministro disse o seguinte: Nem se pode pré-excluir que o caso seja de um resultado extremamente diferente, porque, na verdade, no fundo o que está em jogo aqui é, sem avançar nenhum juízo sobre o mérito do pedido, a possibilidade teórica de que se contraponham dois grandes valores jurídicos tutelados pela Constituição. A grande pergunta é: há argumentos suficientes para se optar por um deles, de modo mais ou menos indefinido, em detrimento de outro valor, que parece ter o mesmo grau de dignidade jurídico-constitucional, ou não há?

A constatação de que alguns ministros e ex-ministros do STF reconhecem a existência de “valores jurídicos”. Dentre estes, podem ser citados Gilmar Mendes, Ellen Gracie e Carlos Velloso. Na verdade, mesmo reconhecendo certo progresso na decisão do ministro Cezar Peluso, a primeira crítica que se faz reside justamente na ideia de que existem certos valores jurídicos. Contrariando tal concepção, defende-se aqui que o ordenamento jurídico é composto por normas, e não por valores. Se o juiz funda-se em valores para embasar sua decisão, estará deixando agir por suas aspirações subjetivas, e tal situação já não encontra mais respaldo no Estado Democrático de Direito. Não que as normas jurídicas sejam proposições neutras, totalmente desvinculadas de razões, motivos ou finalidades que lhes justificam; na realidade, o “fundamento da norma jurídica ou do sistema de direito. São, portanto, valores, ideias básicas que (...) determinam os modos de comportamento individual e social”31. Nestes termos, merece destaque a posição de Amaral: O direito é, portanto, sob esse aspecto, um instrumento de controle social constituído de preceitos (princípios e normas) que representam a escolha que o legislador faz entre diversos valores, como resposta à necessidade de solução dos conflitos (AMARAL, 2008: 14). Embora não se possa negar que valores são fundamentos ou a razão de ser das normas jurídicas, com elas não se confundem. No ato de aplicar a norma ao caso concreto, o julgador deve ter bem clara esta distinção32.

Após longos anos de tramitação, dias 11/04 e 12/04/2012, o STF julgou o mérito da ADPF.

Por 8 votos a 2, os Ministros entenderam que não é crime interromper a gravidez de fetos anencéfalos.

Assim, os médicos que fazem a cirurgia e as gestantes que decidem interromper a gravidez não cometem crime de aborto.

Segundo restou decidido, para interromper a gravidez de feto anencéfalo não é necessária decisão judicial que a autorize. Basta o diagnóstico de anencefalia do feto.

Sete Ministros que participaram do julgamento consideraram que não se trata de aborto porque não há a possibilidade de vida do feto fora do útero.

O Min. Gilmar Mendes votou pela descriminalização da prática, mas considerou que tal prática configura sim aborto. Segundo o Min. Mendes, o aborto de feto anencéfalo pode ser enquadrado no inciso II do art. 128 do CP, que afirma que não se pune o aborto praticado por médico se não há outro meio de salvar a vida da gestante.

Trechos relevantes dos votos dos Ministros (com informações do site do STF):

Min. Marco Aurélio

(Relator da ADPF)

“A incolumidade física do feto anencéfalo, que, se sobreviver ao parto, o será por poucas horas ou dias, não pode ser preservada a qualquer custo, em detrimento dos direitos básicos da mulher”.

Para ele, é inadmissível que o direito à vida de um feto que não tem chances de sobreviver prevaleça em detrimento das garantias à dignidade da pessoa humana, à liberdade no campo sexual, à autonomia, à privacidade, à saúde e à integridade física, psicológica e moral da mãe, todas previstas na Constituição.

Obrigar a mulher a manter esse tipo de gestação significa colocá-la em uma espécie de “cárcere privado em seu próprio corpo”, deixando-a desprovida do mínimo essencial de autodeterminação, o que se assemelha à tortura.

“Cabe à mulher, e não ao Estado, sopesar valores e sentimentos de ordem estritamente privada, para deliberar pela interrupção, ou não, da gravidez”, afirmou, acrescentando estar em jogo a privacidade, a autonomia e a dignidade humana dessas mulheres, direitos fundamentais que devem ser respeitados.

Direito à vida

Em seu voto, o Min. Marco Aurélio sustentou que na ADPF 54 não se discute a descriminalização do aborto, já que existe uma clara distinção entre este e a antecipação de parto no caso de anencefalia. “Aborto é crime contra a vida. Tutela-se a vida potencial. No caso do anencéfalo, repito, não existe vida possível”. A anencefalia, que pressupõe a ausência parcial ou total do cérebro, é doença congênita letal, para a qual não há cura e tampouco possibilidade de desenvolvimento da massa encefálica em momento posterior. “O anencéfalo jamais se tornará uma pessoa. Em síntese, não se cuida de vida em potencial, mas de morte segura”, afirmou o Ministro.

Código Penal

Em relação ao fato de não haver menção no Código Penal aos casos de anencefalia como quesito autorizador de interrupção de gravidez, o Ministro Marco Aurélio argumentou que nas décadas de 30 e 40, quando foi editado o Código Penal hoje vigente, a medicina não possuía os recursos técnicos necessários para identificar previamente esse tipo de anomalia fetal.

Estado laico

Ao

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