Literatura infanto juvenil
Por: Lidieisa • 5/4/2018 • 7.186 Palavras (29 Páginas) • 416 Visualizações
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"- Não sou eu quem diz. O Mário, que entende, falou que o Villa não sabe harmonia nem contraponto".
As pessoas estranharam, lembrando que Mário dissera sempre o contrário. Oswald então foi mais longe e explicou:
"- Isto é porque não tem intimidade com vocês. A mim êle diz a verdade".
Diante disto a discussão morreu; mas um dos presentes não se conformou e telefonou a Mário, censurando a sua dubiedade: como é que pensava uma coisa e dizia outra? :me protestou, o interlocutor deu os pormenores, êle ficou danado. Saiu então à busca de Oswald e, encontrando-o por coincidêndia na rua Quinze, chamou-o às falas. Mas o amigo o desarmou, retrucando simplesmente, com a limpidez risonha do seu olhar azul:
"- Eu menti!"
Agora, a transposição. Como todos lembram, Macunaíma se gaba de ter caçado dois veados na Feira do Arouche, mas os irmãos chegam e desmentem, informando que tinham sido dois ratos. Os ouvintes caçoam dêle, a dona da pensão o censura, tomando satisfações pela invencionice, e êle desarma tôda a gente, dizendo com a maior candura:
"- Eu menti!"
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Contava-se que Oswald fazia sôbre o antigo amigo piadas terríveis e divertidas, que corriam mundo. Mas eu só o ouvi falar dêle no plano intelectual, com discrição e naturalidade, talvez porque o tempo da virulência tivesse passado quando estreitamos relações. Lamento não ter anotado as coisas que me disse, pois esqueci a maior parte e a memória vai deformando o resto.
Do seu lado, Mário nunca falava de Oswald e dizia não ter lido nada do que êste escrevera depois da briga. Certa vez alguém lhe perguntou por que motivo fizera as pazes com determinado escritor e não as fazia com êle. Resposta: "É que Fulano eu não respeito, e o Oswald eu respeito". Quando eu estava preparando o artigo sôbre a expectativa de Marco zero, disse a Mário que A estréIa de absinto era muito ruim. "Eu acho muito bom", respondeu com um riso sem graça. Em 1945 ambos participaram do Congresso de Escritores. Mário, assíduo e calado; Oswald, intervindo mais. Numa das sessões, entrou com uma pilha de volumes de Chão, que acabava de sair, e foi distribuindo a vários congressistas.
A sessão de encerramento, onde foi divulgado o nosso manifesto pedindo a volta das liberdades, teve lugar no Teatro Municipal, que estava atulhado. Oswald fêz um discurso fogoso, lançando por conta própria, para grande contrariedade tanto dos liberais quanto dos esquerdistas, o nome do Brigadeiro Eduardo Gomes, que por algum tempo deu a impressão de ser o candidato de quase tôdas as oposições, da direita à esquerda. Mas no momento ainda não era para falar nêle e muitos se irritaram com a gafle. O público, todavia, reagiu entusiasmado e assim Oswald desencadeou a grande ovação da tarde. Desencadeou também um pequeno tumulto, ao meter o pau na sociedade paulistana, glosando um cronista social. René Thiollier, que êle havia convidado e pouco antes eu vira cordialmente junto dêle, no saguão, levantou-se indignado e protestou, defendendo a sua classe e o seu meio com muita hombridade. Mas teve de sair debaixo de uma furiosa vaia, nós berrando como possessos. Oswald canalizou bem a bagunça e focalizou a sátira no escritor indignado, verdadeiro exemplo caído do céu para a sua diatribe.
Eu, que aplaudira com entusiasmo e aceitara tôda a sua linha, fiquei desapontado quando, na saída, ouvi falar em "pro-
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vocação" e soube que Monteiro Lobato se havia retirado durante o discurso. E mais ainda quando, em companhia de Paulo Emílio, no saguão, recebi de Mário de Andrade, irritadíssimo, um contravapor em regra. me achava que Oswald não tinha o direIto de bancar o censor da sociedade, como se fôsse um vatão de Plutarco. E foi, creio eu, a única vez que o vi expandir-se sôbre o antigo companheiro.
Isto aconteceu em fins de janeiro. Dali a um mês Mário morreu, domingo à noite, sendo enterrado segunda-feira à tarde. Oswald, que estava numa estação de águas com sua mulher Maria Antonieta de Alkmin, tomou o trem de volta têrça-feira cedo. No caminho, comprou os jornais da véspera e começou a ler. De repente, Maria Antonieta ouve um grito surdo e vê o marido atirar-se no banco da frente, amarfanhando o jornal no peito e chorando convulsivamente. Era a notícia da morte de Mário; e foi ela quem me contou o fato, mais de uma vez, diante de Oswald. Chegando a São Paulo, êste deu logo depois uma entrevista homenageando a pessoa e a obra do morto. Mais tarde, quando se inaugurou no jardim da Biblioteca Municipal o busto esculpido por Bruno Giorgi, êle apareceu e assistiu a tudo, indo depois abraçar o irmão de Mário, Carlos de Moraes Andrade.
No fim da vida, em 1954, mandou me chamar um domingo à tarde na casa da rua Caravelas, a última que habitou; que precisava muito falar comigo. Encontrei-o tomando sol na entrada de automóvel, com a boina que não tirava. Disse que desejava manifestar o seu juízo definitivo sôbre Mário, e com efeito falou bastante da sua obra (não da sua pessoa). Do que lembro com segurança: que a considerava a realização do que sonhara para o Modernismo; que achava Macunaíma uma obra-prima; que se êle fôra o preparador e o batalhador, sem Mário não teria havido Modernismo. E de tudo se desprendia uma espécie de consciência serena de ter influenciado o companheiro.
4 Nos últimos tempos.
Depois da rua Martiniano de Carvalho, se não me engano Oswald foi morar num apartamento da rua Aurora, onde só
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estive uma ou duas vêzes, creio que para encontrar Jorge Amado, talvez em 1944. A partir de 1946 freqÜentei muito as suas três últimas residências (tirando a chácara em Ribeirão Pires, onde estêve durante algum tempo): a casa da rua Monsenhor Passalacqua, o apartamento da rua Ricardo Batista, a referida casa da rua Caravelas, onde morreu em outubro de 1954, depois de um sofrimento comprido e pavoroso.
Nos últimos anos se desinteressou da ficção, voltando-se para o ensaio filosófico e a redação das memórias, que infelizmente não pôde acabar. Penso que a virada foi o concurso que prestamos em 1945, com mais quatro concorrentes, para a cadeira de Literatura Brasileira da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo, do qual
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