Analise do filme "Os Deuses Devem Estar Loucos"
Por: Juliana2017 • 6/3/2018 • 2.450 Palavras (10 Páginas) • 1.615 Visualizações
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Podemos começar a discussão do filme com os textos estudados em sala de aula, focando primeiramente na pessoa do nativo e questionando: Esse nativo é um humano tanto quanto um civilizado? A essa pergunta, Geertz responde afirmando que os “nativos” sabem que são diferentes dos animais porque tornaram-se humanos. Segundo Geertz “Tornar-se humano é tornar-se individual, e nós nos tornamos individuais sob a direção dos padrões culturais, sistemas de significados criados historicamente em termos dos quais damos forma, ordem, objetivo e direção às nossas vidas. Os padrões culturais envolvidos não são gerais, mas específicos – não apenas o “casamento”, mas um conjunto particular de noções sobre como são os homens e as mulheres, como os esposos devem tratar uns aos outros, ou quem deve casar-se com quem...” (GEERTZ, 1989). E ele complementa: “(...) os nativos deixaram de ser apenas os ‘primitivos’ e se transformaram nos ‘outros’, sucessivamente remotos no espaço, remotos no tempo, menos remotos na mesma sociedade, até a conclusão recente de que ‘agora somos todos nativos’.
Quanto a garrafa de Coca Cola – símbolo universal da moderna civilização de consumo – adentrando o universo dos bosquímanos, torna-se objeto de impressionante utilidade para toda a tribo. Cada dia passam a descobrir novas formas de sua utilização na musica, na decoração de vestuário, no curtimento de peles de animais, na preparação de comida. Como era só um objeto e muitos o requisitavam, este elemento estranho à cultura tornou-se rapidamente num bem escasso e, passado algum tempo, começou a ser disputado e tornou-se alvo de discórdias e conflitos que originou sentimentos de posse e inveja, despertando a sensação de querer ter e não partilhar. Em pouco tempo a garrafa de vidro transformou a sua organização social e o relacionamento entre eles, causando dificuldade na sua comunicação, rivalidades e disputas violentas. Assim é o que acontece nas sociedades ditas civilizadas onde os objetos materiais influenciam e até moldam o comportamento dos seus membros tornando-se ao mesmo tempo alvos de disputas e infelicidades. Para a teoria do funcionalismo, elaborada por Malinowski, o indivíduo sente necessidades e cada cultura vai satisfazê-las criando instituições (econômicas, jurídicas, políticas, educativas) para dar resposta coletiva organizada, resultando em soluções para atender as necessidades.[a]
Percebendo os malefícios que aquele objeto estava causando nas relações entre os vários membros da sociedade, Xi, o chefe da tribo, decide devolvê-lo aos deuses para resolver a discórdia e voltarem à sua vida sossegada. Em primeiro lugar, desconhecendo a força da gravidade, lançou-o aos céus, mas o objeto voltava sempre a terra. Na segunda tentativa, a garrafa caiu em cima da cabeça de uma criança ferindo-a. Por causa disso, Xi enterra a garrafa num terreno afastado do acampamento, mas os animais através do cheiro a sangue desenterram-na e certo tempo depois, o objeto é encontrado pelas crianças. Como última tentativa de desfazer a garrafa, de trazer de volta a felicidade à tribo, decide ir pessoalmente ao fim do mundo e arremessá-la para fora do mundo. Assim, o filme termina com Xi, depois de passar por tantos choques culturais, chegando ao pico de uma montanha com vista para uma paisagem verde imersa em nevoeiro. Ali, segundo os seus significados e valores, seria o local onde os deuses moravam e foi aí que se desfez da garrafa.
O absurdo de querer ir ao fim do mundo devolver a ‘coisa má’ não é lógico, mas quando entendemos a quantidade de coisas que surgem em nossa vida, transformando-a e nos levando a desejar seu desaparecimento ou nossa incompreensão diante de sua existência, compreendemos que a garrafa do filme é uma analogia, um símbolo a tudo que é novo em nosso caminho que desestabiliza a nossa harmonia ou que nos obriga a nos adaptarmos. Isso nos leva a concluir que não somos culturalmente diferentes dos bosquímanos.[b]
Na caminhada em direção ao “fim do mundo”, Xi interpreta os seus encontros com novas sociedades de acordo com a sua cultura e todas as suas reações se devem ao seu nulo conhecimento do mundo exterior. Ao se deparar com um homem e, depois, com uma mulher branca trocando-se, observa-a admirado, como diante de uma deusa.
Neste ponto (entre tantos outros), vale citar o conceito de cultura defendido por Clifford Geertz “...acreditando que o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e a sua análise; portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura do significado”. Segundo Geertz a pesquisa etnográfica consiste como experiência pessoal em situar-se entre eles, pois “... um ser humano é um enigma completo para outro ser humano. Aprendemos isso quando chegamos a um país estranho, com tradições inteiramente estranhas[c]...”
Analogamente a cultura do bosquímano o fez interpretar que o homem branco, que acabara de encontrar, era um deus (ou deusa, no caso), e por este motivo, tentou devolver o “presente”. Em contrapartida, a mulher ao ver um nativo estranho lhe oferecendo uma garrafa vazia, interpretou como um ato estranho, e de certa forma assustador para ela. Estava aí estabelecido mais um choque cultural que precisava ser compreendido por ambas culturas.
Mais adiante Xi se depara ainda com outros objetos estranhos, que acha curioso, e os entende à sua maneira, por exemplo, considerando um automóvel como um animal estranho. Nesse ponto, vale lembrar que, segundo Ruth Benedict, a cultura é como uma lente através da qual o homem vê o mundo, sendo assim, indivíduos de diferentes culturas veem o mundo sob diferentes lentes. A maneira que Xi vê as modernidades de nossa sociedade nada mais é que o resultado da lente pela qual Xi vê o mundo. Aqui são as outras pessoas de culturas completamente diferentes da dele que ele encontra pelo caminho.
Nesses encontros percebe-se o forte conceito de alteridade e etnocentrismo abordados frequentemente em sala de aula. Ao longo do filme, nesses vários encontros entre diversas culturas podemos ver o quando é difícil para as pessoas, no geral, compreenderem umas às outras. A descoberta da alteridade é a descoberta da relação que nos permite deixar de identificar nossa pequena província de humanidade como a humanidade e assim deixar de rejeitar o presumido “selvagem” fora de nós.
Foi com Malinowski que a Antropologia se tornou a ciência da alteridade. As sociedades de costumes diferentes têm significados e coerência próprios, com sistemas lógicos perfeitamente elaborados. A partir daí a Antropologia
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