Uma incursão a resistência à re-existências das comunidades remanescentes de quilombos
Por: Sara • 20/5/2018 • 6.859 Palavras (28 Páginas) • 457 Visualizações
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A analisar a gênese do “Estado”, Bourdieu (2003: p.99) mostra como o funcionamento de seu monopólio é resultado de um processo de concentração de diferentes tipos de capitais, como o da força física, o econômico, o cultural, capital da informação e o simbólico, que constitui o “Estado” como detentor de um metacapital, que dispõem de poder sobre os outros capitais e seus detentores. Aqui, encontramos o conflito como um jogo, em que os detentores de diferentes tipos de capitais disputam o poder sobre o capital estatal, que ao mesmo tempo, tem poder sobre diferentes tipos de capitais e sua reprodução. Assim, para o autor, ele se constitui como uma doxa, como uma verdade inquestionável, dominante, ou seja, seria um ponto de vista particular, o ponto de vista dos dominantes que se impõem como universal, “o ponto de vista daqueles que dominam dominando o “Estado” e que constituíram seu ponto de vista em ponto de vista universal ao criarem o “Estado” ( Idem : p.120)
Para Baviskar (2010), a violência do “Estado” é rotineira, legitimando quem pode usar e aqueles que podem sofrer a violência. A união da política com a violência é a origem do mito do “Estado”, constituída pela parte incoerente, brutal e banal com os bens e qualidades atribuídas ao “Estado”, contradição que cria uma ilusão e legitima o uso da força. Mas, é nas próprias contradições que são criadas as possibilidades de resistências e de negociação com o “Estado”.
Nesse ponto, forma-se um lugar do encontro de diferentes concepções de vida e visões de mundo e do desencontro de temporalidades históricas diversas (MARTINS, 2009: p.27). O “Estado” e as diferentes formas de “ser” e “estar” no(s) mundo(s) são constituídos em temporalidades diferentes, um é fruto de um processo histórico de formação homogeneizadora e universalizante que se impõem sobre outros tempos históricos. Além disso, é importante ressaltar que o “Estado”, não é constituído como um bloco monolítico; pelo o contrário, o seu poder é disputado por vários agentes internos com diferentes visões de mundo e interesses. É nessa instabilidade que é formado as brechas de sua penetração. O seu capital é disputado por outros agentes do poder privado, que se articulam com o “Estado” disputando hegemonia dentro dele. Nessa articulação temos vários tipos de agentes com temporalidades históricas diferentes (MARTINS, 2009) na margem da legalidade, como as autoras Veena Das e Deborah Poole (2008) assinalam ao comentar sobre figuras de autoridade local que:
[...] representan simultáneamente formas de poder privado altamente personalizadas y la supuesta autoridad neutral e impersonal del estado. Es precisamente por el hecho de que actúan como representantes del estado que pueden atravesar —y aquí lo turbio— la aparentemente clara separación entre formas de imposición y castigo legales y extralegales. (DAS; POOLE, 2008: p.29)
Assim, o “Estado” realiza seu poder sobre vários níveis a partir de vários atores locais, que podem ou não serem efetivamente membros da burocracia estatal (e mesmo quando o são, isso não totaliza suas intencionalidades e ações). Veena Das e Deborah Poole (2008), colocam que essa autoridade local, estende-se como força do mesmo, através de formas de violência ilegal. Por outro lado, os que estão à margem também se constituem como grupos composto por visões de mundo e temporalidades históricas diferentes. Apesar desses diversos agentes estarem em temporalidades diferentes, o primeiro grupo, constituído pelo “Estado” e o capital privado, nas suas bases desenvolvimentistas, tende a sobrepor sobre essas outras visões de mundo e expropriarem seus territórios. Entendemos esse processo como um tempo de fronteira, que assim como Martins (2009: p.40) interpreta, é o lugar da alteridade permeada pelo conflito, sendo que “essas “faixas” se mesclam, se interpenetram, pondo em contato conflitivo populações cujos antagonismos incluem o desencontro dos tempos históricos em que vivem”.
Para além do encontro de visões de mundo e do desencontro e tempos históricos problematizados por Martins (2009), Veena Das e Deborah Poole (2008) colocam outro modo de pensar as fronteiras, enfatizando que o “Estado” é sempre um projeto incompleto, por isso a fronteira deve ser pensada como margens que se deslocam e se multiplicam tanto para o centro quanto para a periferia constituindo o próprio “Estado”. “Los margenes no son simplesmente espacios periféricos” (Das & Poole, 2008: p.34), elas são formadas cotidianamente nesses lugares onde a ação estatal é contraditória e efetuada numa negociação constante que não se conforma no ideal racional e abstrato do “Estado” moderno. Assim, os estudos das margens é um convite para repensar as fronteiras em uma perspectiva da compreensão do “Estado” e do moderno Estado-nação.
A abordagem para se pensar a margem vai para além dos espaços físicos, mesmo que o controle do território geográfico pelo “Estado” também afetam os corpos. Centra-se, como ressaltam Veena Das e Deborah Poole (2008), na formação de fronteiras que estabelece o “Estado” como uma margem para o corpo dos cidadãos, e que ao mesmo tempo permite estratégias para os corpos impelirem o corpo do “Estado”. A margem aqui é posta pelas autoras, a partir da noção de soberania e do biopoder, que designa outros tipos de sociabilidades para se referir a novas maneiras de enfrentar o poder. É oferecer as margens, além desse olhar de espaços amostrais que só devem ser administrados, uma conotação de espaços de vida controlada e gerenciada pelo “Estado”, mas que também flui para fora desse controle. Não podemos pensar as margens para fora do “Estado” e nem o “Estado” fora das margens. Estão relacionados e em constante negociação, criando e reformulando as fronteiras e os limites dessas fronteiras.
Ao mesmo tempo, a partir dessa perspectiva, pode-se pensar as formas de resistências. Como já colocamos, a disputa dentro do próprio corpo do “Estado”, ainda como acrescenta Baviskar (2001: p.3), e a necessidade de manter a legitimidade em diferentes níveis, cria a oportunidade para jogar um conjunto de atores contra outros. É nessas falhas genealógicas no interior do “Estado” e nas tensões inerentes a ele, juntamente com a pressão de forças opostas, que segundo autora, permitem as mudanças políticas contra o interesse do “Estado”. Esse é um fator importante, as brechas do corpo do “Estado” e as diversas formas de penetra-lo, e como enfatiza Baviskar (2001: Idem), quando os movimentos sociais “that engage with the state at different levels try to choose an arena for action
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