A MARÉ ROSA SUL-AMERICANA E A ASCENSÃO DA ESQUERDA NO BRASIL
Por: SonSolimar • 29/3/2018 • 3.074 Palavras (13 Páginas) • 416 Visualizações
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Por quase toda a América do Sul, esse período foi marcado por um rígido controle inflacionário a partir de políticas fiscais e monetárias restritivas, forte abertura econômica e financeira, obtendo-se um êxito econômico a curto prazo em alguns países, a partir de planos de estabilidade econômica, como no Brasil e na Argentina. Porém, a médio e longo prazo, as conseqüências foram bastante negativas: aumento da dependência ao capital estrangeiro, enfraquecimento da indústria nacional, aumento do déficit público interno e externo, balança comercial deficitária, aumento do desemprego e do trabalho informal. Tais conseqüências se deram de forma muito mais agravante nas economias periféricas sul-americanas do que nos países desenvolvidos que também adotaram a cartilha liberal. Por isso, se faz importante discutir aqui algumas características estruturais do desenvolvimento capitalista da América do Sul.
CARACTERÍSTICAS ESTRUTURAIS DA INDUSTRIALIZAÇÃO SUL-AMERICANA
Utilizando o termo de Albert Hirschman, a indústria latino-americana se caracterizou por ser late-late comer[3] ou tardia mais retardatária. Isto é, não se desenvolveu nem na primeira fase do capitalismo industrial, no final do século XVIII, nem na industrialização posterior das novas economias industriais como Alemanha, Japão e Itália - late-comers – na segunda metade do século XIX. Dessa forma, a posição duradoura de colônia na economia internacional deu aos países da América Latina características estruturais comuns no que se refere ao desenvolvimento do capitalismo.
Sem entrar nas especificidades do desenvolvimento da industrialização de cada país sul-americano, é necessário, ao menos, citar as características estruturais que levaram à consolidação de uma realidade sui generis no subcontinente: 1) utilização histórica de mão-de-obra escrava levando a um mercado consumidor de menores proporções e/ou capacidade, que se satura rapidamente – resultando no fim de ciclos econômicos[4]; 2) ausência de burguesia desenvolvimentista nacional consolidada, levando o Estado a cumprir o papel do capital privado em alguns setores, como o setor de bens de capital, pouco lucrativo a curto prazo e demandante de pesados investimentos; 3) setor financeiro pouco integrado ao setor produtivo, de forma que os bancos privados não tinham, e ainda não o têm, tradição de liberar crédito para o investimento produtivo, vivendo, fundamentalmente, da especulação financeira[5] 4) problema estrutural de inflação inercial, pois a pouca disponibilidade de crédito abre espaço para um aumento geral de preços como uma das poucas possibilidades de auto-financiamento industrial. Isto é, devido à falta de crédito barato as indústrias se financiam aumentando a taxa de lucro; 5) Por último, a economia dos late-late-comers é altamente influenciada pelo Path Dependence: há poucos incentivos para o empreendedorismo, gerando uma forte tendência a investir em um produto cuja a infraestrutura necessária já esteja instalada no país e a existência de lucro seja certa. Isso acaba gerando uma dependência da economia em alguns poucos produtos e baixa diversificação econômica.[6]
Além disso, é necessário lembrar que o processo de industrialização por substituição de importações sul-americano foi além do keynesianismo da simples regulação estatal nas relações econômicas e trabalhistas. A industrialização por substituição de importações posicionou o Estado como interventor direto e criador da indústria de base, infraestrutura energética e tranportes, setores que não receberiam investimento privado num primeiro momento devido a custos altos e lucro a longo prazo. Essa realidade somada à influência da CEPAL[7] contribuiu na formação de atores políticos e ideias de tendência esquerdista, sejam estas mais ou menos ortodoxas. É interessante perceber que inclusive a “burguesia nacional” brasileira, se é que ela existe, tem a tradição de defender a presença do Estado na economia. Logicamente, na busca de seus próprios interesses, ou seja, na forma de subsídios, como produtor de insumos e controlador de barreiras. De qualquer forma, essa visão vai de encontro à perspectiva liberal de que o Estado é ineficiente e deve existir apenas para garantir a segurança interna e externa do país. Não esquecendo que muitos governos autoritários e interventores - tanto socialmente quanto economicamente - do Cone-sul foram apoiados pelas próprias elites econômico-produtivas locais. Exemplo disso, foi o apoio inicial dado pela classes médias e o setor empresarial brasileiro ao governo militar, que adotou diversas políticas de caráter heterodoxo na busca do crescimento, resultando no Milagre Econômico em 1973.
ANOS 2000 E A MARÉ ANTILIBERAL NA AMÉRICA DO SUL
As indústrias sul-americanas não tinham nem a maturidade nem a competitividade necessárias para suportar a abertura econômica e financeira do período neoliberal. O grau de abertura requerido pelos organismos internacionais não era viável de ser sustentado em países periféricos como o é em países desenvolvidos. Na teoria, a opção de abertura e valorização cambial com fins de controle inflacionário parecia muito eficiente. Entretanto, na prática, ela foi bastante custosa, já que diversas empresas foram coagidas a reduzir seus preços devido à alta competitividade dos produtos importados e muitas não resistiram, indo à falência e provocando desempregos conjunturais. Como resultado, a redução do investimento produtivo, agravada pelo encarecimento do crédito – fruto de políticas antiinflacionárias – gerou dependência ao capital externo, aumento do desemprego, da pobreza e da informalidade do trabalho.
Essa conjuntura de recessão das economias periféricas neoliberais abriu espaço para uma resposta conjuntural, assim como estrutural, dos países latino-americanos com a ascensão de governos antiliberais ao poder executivo de diversos países[8]. A partir da reformulação interna de líderes e partidos surge a denominada Terceira Onda ou Maré Rosa, na América do Sul. Aqui foi utilizado o exemplo do Brasil e do Partido dos Trabalhadores para exemplificar a inflexão e reestruturação interna sofrida por um partido tradicional trabalhista portador de discurso antiliberal. Este passa a adotar elementos da política neoliberal, como a preocupação contínua de controle inflacionário e controle do déficit fiscal, variando em maior ou menor medida em cada país. No caso do Brasil, nos dois mandatos do governo Lula, a política antiinflacionária foi notadamente marcada por juros altos, aumentando o custo do capital para os tomadores de crédito e limitando o crescimento
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