COMPARTILHAMENTO DE MEMÓRIA E DE CONHECIMENTO: UM ESTUDO DE CASO DA BIENAL DO MERCOSUL
Por: SonSolimar • 7/9/2018 • 3.463 Palavras (14 Páginas) • 397 Visualizações
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2 COMPARTILHAMENTO DA MEMÓRIA: A BIENAL DO MERCOSUL
A Bienal do Mercosul teve sua primeira edição em 1997, e ocorre a cada dois anos. Com o título Se o Clima for Favorável, a 9ª Bienal do Mercosul de Porto Alegre se caracterizou como um convite à reflexão sobre quando, como e por que certos trabalhos de arte e ideias ganham ou perdem visibilidade em um dado momento no tempo. O projeto curatorial da 9ª Bienal foi concebido e realizado por meio de três iniciativas centrais: Portais, Previsões e Arquipélagos, nome dado à exposição de arte contemporânea que apresentou obras novas e históricas; Encontros na Ilha, uma série de discussões e publicações; e Redes de Formação, um programa pedagógico em arte. Ainda destacando fatos e números da Bienal, a 9ª Edição trouxe exposições e instalações de diversos países, e apresentou 101 obras de arte de 59 artistas de 28 países.
O processo de construção da 9ª Bienal do Mercosul (2013) teve início dois anos antes, aproximadamente. No caso da 9ª Edição, a FBAVM elegeu a presidência em 2012 e até o final do evento ocorreram as seguintes etapas, como se observa na Figura 1 a seguir:
Figura 1: Linha do tempo da Bienal
[pic 3]
Fonte: Elaborado pelos pesquisadores (2016)
A memória que se analisa neste estudo está pautada na continuidade e na coletividade e, ainda que se fale de um indivíduo, ou de uma nação, a base da formação da memória se faz presente em cada detalhe. De acordo com os estudos de memória de Halbwachs (2006) entende-se que:
O que justifica ao historiador estas pesquisas de detalhe, é que o detalhe somado ao detalhe resultará num conjunto, esse conjunto se somará a outros conjuntos, e que no quadro total que resultará de todas essas sucessivas somas, nada está subordinado a nada, qualquer fato é tão interessante quanto o outro, e merece ser enfatizado e transcrito na mesma medida. (HALBWACHS, 2006, p.89).
Procurando somar cada detalhe para compor a memória da 9ª Bienal do Mercosul destacam-se as entrevistas realizadas com os principais envolvidos na edição em estudo. Ao entrevistar a produtora da 9ª Edição é possível entender que a memória ainda é o local de armazenamento de informações, pois:
[...] até hoje às vezes eles me ligam perguntando: olha, tem um questionamento de uma obra assim, assim, tu lembra?
(...)
Não. Às vezes tu lembra, e diz. Sim eu lembro, aí tu procura na tua pasta e acha: ahhh tá lá. Especificamente gravado em um e-mail. O curador queria que essa obra fosse assim. Então o que a gente tem, um e-mail usado na própria Bienal. Se eles quiserem fazer backup de todas as conversas, fica com eles. Toda a parte da documentação física, que a gente acha que é importante registrar tudo e questões específicas de cada obra. Questão de importação, exportação. Ficha de empréstimo assinada ou a ficha de obra que as pessoas assinam.
(ENTREVISTADO 1)[2]
A formalização de processo existe, mas grande parte da informação está na memória individual, que somada aos demais formam a memória coletiva. No entender do Entrevistado 2, uma das poucas pessoas que são fixas na Bienal, seria importante manter uma equipe de produção fixa, entretanto o custo é alto e a cada edição essa equipe se desfaz, pois:
Fornecedores, 98% são fornecedores e a equipe permanente já teve ideias de ter ou manter as coordenações chaves de um projeto para outro, porque a gente ganha muito em qualidade e conhecimento, mas existe um costume muito grande, digamos assim, a Bienal se realiza num período de 2 em 2 anos. A gente teria que manter teria um custo para a manutenção destas coordenações. Exemplificando: assessor de imprensa, coordenação de captação de recursos. A gente poderia manter de um ano pra outro essas pessoas e eles ficariam planejando neste período entre bienais. Planejando a próxima edição. Só que isto custa muito caro. Então a gente tem que se desmanchar praticamente, se desestruturar para não ter este custo. (ENTREVISTADO 2)
Os estudos de Pierre Nora (1993) trazem noções de memória e história. Na década de 1970 o descontentamento com o mundo pós-industrializado e a crise da sociedade moderna, que era fundamentada na história, deu origem à "crítica da modernidade". A dinâmica da sociedade de massas parece estar sempre em ruptura com o passado. Nesse sentido, Nora (1993) vê a necessidade de se buscar o passado, através da memória, ou seja, o passado está próximo e não distante: "A verdadeira percepção do passado consistia em considerar que ele não era verdadeiramente passado" (NORA, 1993, p. 18).
A separação entre memória e história é significativa para o autor, no contexto da sociedade contemporânea, sendo que a memória é a tradição definidora, que possui uma herança, dando sentido e forma, sendo viva e dinâmica. E acrescenta que ela é:
[...] ditatorial e inconsciente de si mesma, organizadora e toda-poderosa, espontaneamente atualizadora, uma memória sem passado que reconduz eternamente a herança, conduzindo o antigamente dos ancestrais ao tempo indiferenciado dos heróis, das origens e dos mitos. (NORA, 1993, p. 8)
Com este modo de ver e pensar, associados aos apontamentos de Foucault (2012), a sociedade precisa da história, para ser um instrumento, dando significado para o que não se consegue mais armazenar. Ou seja:
[...] a história contínua é o correlato indispensável à função fundadora do sujeito: a garantia de que tudo que lhe escapou poderá ser devolvido; a certeza de que o tempo nada dispensará sem reconstituí-lo em uma unidade recomposta; a promessa de que o sujeito poderá, um dia – sob a forma da consciência histórica -, se apropriar, novamente, de todas essas coisas mantidas a distância pela diferença, restaurar o seu domínio sobre elas e encontrar o que se pode chamar sua morada. (FOUCAULT, 2012, p. 15)
Nora (1993) conceitua os lugares de memória como um misto de história e memória, sendo que não há mais como se ter somente memória, há a necessidade de identificar a origem, alguma fonte que possibilite o transporte da memória ao passado, trazendo-a para o novo. Por fim, os espaços de memória, na concepção de Nora (1993), necessitam que sejam criados arquivos, para organizar celebrações, manter aniversários, pronunciar elogios fúnebres, notariar atas, “porque estas operações não são
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