Tenhora da Mucanda: Notas sobre Educação Quilombola e Tecnologias
Por: kamys17 • 7/2/2018 • 4.833 Palavras (20 Páginas) • 455 Visualizações
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A análise aqui empreendida é tributária da pesquisa qualitativa e utiliza como métodos a observação participante, a pesquisa documental e bibliográfica. O trabalho parte da experiência durante o processo de construção do Plano Municipal de Educação do Município de Curaçá em abril de 2015. Durante esse processo foram realizadas diversas reuniões com membros das comunidades quilombolas, docentes e técnicos educacionais, com encontros regulares na Secretaria de Educação e miniconferência no Colégio Ivo Braga, culminando em plenária realizada na referida escola.
EDUCAÇÃO QUILOMBOLA
Conforme Kabenguele Munanga (2004), a palavra “quilombo” se refere a um tipo de instituição sociopolítico militar conhecido na África Central, principalmente na região constituída pela atual República Democrática do Congo (Zaire) e Angola (MUNANGA, 2004 apud MONTE ALTO, 2012). Os quilombos representam a resistência cultural, social e política de um povo. As comunidades foram construídas, em grande parte, distantes dos centros, em locais inóspitos, o que significou um distanciamento das políticas públicas e consequentemente contribuiu para a precarização da vida nessas comunidades que sempre retiraram da terra seu sustento.
De acordo com a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, os quilombolas são:
Grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição (BRASIL, Decreto 6.040/2007).
Considerando a conceituação a partir do decreto supracitado, pode-se compreender que as comunidades quilombolas possuem grande diversidade, distribuindo-se por todo país. Assim, “os territórios tradicionais são espaços necessários à reprodução cultural, social e econômica dos povos e comunidades tradicionais [...]” (BRASIL, Decreto, 6.040/2007).
Para além da conceituação empreendida, na qual o quilombo é caracterizado enquanto território, uma importante consideração deve ser aqui exposta. Trata-se da compreensão que caracteriza os quilombos como “movimento de massa”, apontando para o aspecto reivindicatório desses grupos, que participaram ativamente das lutas por direitos e por participação social ao longo de gerações, demonstrando resistência e reafirmando sua identidade enquanto povo. Nesse sentido, Carneiro (1988) considera que:
O quilombo é, portanto, um acontecimento singular na vida nacional, seja qual for o ângulo por que o encaremos. Como forma de luta contra a escravidão, como estabelecimento humano, como organização social, como reafirmação dos valores das culturas africanas, sob todos estes aspectos o quilombo revela-se como um fato novo, único, peculiar, uma síntese dialética (CARNEIRO, 1988, p.14).
No final do século XX, no processo de expansão dos movimentos sociais, os quilombolas se fortaleceram na luta contra a exclusão socioeconômica e político-cultural, reivindicando o reconhecimento de seus direitos e o acesso aos mesmos numa perspectiva de reparação das desigualdades vivenciadas durante séculos. É nesse contexto, que as reivindicações pela educação escolar quilombola ganham espaço na agenda governamental.
Entretanto, somente nos anos 2000 que começam a surgir legislação específica sobre a temática. Assim, a Lei 10.639/2003 representa um marco legal para a educação quilombola, alterando a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”. Assim,
O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil (BRASIL, Lei 10.639/2003).
Nesse sentido, a legislação traz uma proposta de enfrentamento das desigualdades étnico-raciais no âmbito educacional, possibilitando a construção de ações mais efetivas que visam a valorização da cultura negra brasileira e africana, bem como da educação quilombola.
Em 2004, o Conselho Nacional de Educação aprovou as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino da História e Cultura Afro-brasileira e Africana. Nesse sentido, as Diretrizes Curriculares representam uma iniciativa
na área de educação que norteia a implementação de políticas reconhecendo-se o patrimônio dos povos quilombolas.
As Diretrizes Nacionais Curriculares destacam que:
A Educação Escolar Quilombola é desenvolvida em unidades educacionais inscritas em suas terras e cultura, requerendo pedagogia própria em respeito à especificidade étnico-cultural de cada comunidade e formação específica de seu quadro docente, observados os princípios constitucionais (grifo nosso), a base nacional comum e os princípios que orientam a Educação Básica brasileira. Na estruturação e no funcionamento das escolas quilombolas, deve ser reconhecida e valorizada sua diversidade cultural (DIRETRIZES NACIONAIS CURRICULARES, p. 46).
Reforçando o posicionamento das Diretrizes, o parecer CNE/CEB Nº 16/2012 destaca os seguintes pontos:
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola deverão estar de acordo com o conjunto das Diretrizes Curriculares Nacionais em vigor na educação brasileira. Contudo, como apresentado, a especificidade histórica, econômica, social, política, cultural e educacional dos quilombolas, assegurada pela legislação nacional e internacional, demanda a elaboração e a implementação de Diretrizes Curriculares Nacionais específicas (CNE/CEB Nº 16/2012, 2012, p. 18).
A partir da concepção apresentada nos documentos supracitados, compreende-se que:
A formação educacional quilombola deve contribuir para que as pessoas, os grupos continuem nos seus territórios, nos seus lugares sendo quem são e possam exercer seu modo de vida através dos tempos. Assim, pensar a escolarização de quilombolas implica
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