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Educar em tempos de biopoder

Por:   •  24/4/2018  •  3.721 Palavras (15 Páginas)  •  241 Visualizações

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Candiotto (2011), afirma que ao situar no sexo a disputa política em torno da vida administrada e dos corpos disponíveis, Foucault chegou a problematização do Estado. O biopoder atuaria nos dispositivos de segurança estatais que administram os perigos em relação à vida da espécie. Por essa razão, afirma ele, o biopoder logo se cristaliza na forma de biopolítica. A atuação recorrente dos dispositivos de segurança nos estados contemporâneos constitui um exemplo da sedimentação do biopoder na forma de biopolítica. Administrar a desordem e não necessariamente preveni-la constitui um meio para ressignificar o exercício soberano do biopoder nos estados liberais. Permite-se que a desordem aconteça no interior de uma população de modo a justificar, por exemplo, o controle da delinquência.

Por tudo isso temos nos preocupado em investigar não apenas como atua o biopoder sobre nossas vidas, mas, sobretudo, em pensar como podemos resistir e nos contrapor a essa tecnologia de poder e gestão da vida da população. Para tanto, temos apostado em determinadas experiências de educação como dispositivos de resistência na medida em que operam na construção de outras formas de relação dos sujeitos com os outros e consigo mesmos. O biopoder da atual tecnologia em gerar habilidades no domínio da vida coloca-se como um desafio à educação.

Temos, porém, consciência de que Foucault não tratou da educação como um de seus principais temas de estudo. Mas, para autores como Veiga-Neto, e Gallo, é a questão do sujeito que conecta a educação à obra do filósofo francês.

Nesse sentido, em se tratando de educação, poder-se-ia falar dos modos através dos quais ela se agencia à questão ou ao problema “da subjetividade”: num primeiro caso, envolvendo-se em processos, políticas, dispositivos e mecanismos de subjetivação, isto é, de constituição de identidades, de personalidades, de formas de sensibilidade, de maneiras de agir, sentir e pensar, normalizadas, sujeitadas, regulamentadas, controladas; num segundo caso, em que a resistência ao poder entra em foco, dando-se por uma via ético-estética, pode-se pensar como ela, a educação, se encontra implicada na invenção de maneiras singulares de relação a si e com a alteridade (GADELHA, 2009, p. 173).

As pesquisas de Foucault nos dão o testemunho de seu esforço inventivo para lidar com os problemas suscitados por diferentes dispositivos e tecnologias políticas de dominação, com o intuito de tornar visível o que condiciona nossas existências no presente, mas também o que concorre para nos tornar diferentes do que éramos até recentemente (GADELHA, 2009, p. 206). É nessa busca, por nos tornarmos diferentes daquilo que somos, que tentamos aqui refletir sobre a educação.

Educação não formal: um tombamento, uma experiência

No Brasil, a educação tem sido pautada pela necessidade de qualificação para a produtividade social, produzindo um estreitamento das suas finalidades formativas (FREITAS, 2005). Esse tipo de formação possui estreita ligação com a manutenção da biopolítica e das formas de governo e gestão da vida humana. Por essa razão, privilegiamos neste ensaio a problematização de outras pedagogias e de outros sujeitos educativos (ARROYO, 2012) que possam contribuir com perspectivas mais amplas sobre a educação e a criação de formas de vida resistentes. A compreensão compartilhada, com Gohn (2001) e Flickinger (2009), é que nas experiências de educação não formal estaríamos lidando com uma concepção ampliada de educação relativa a todos os processos que envolvem a aprendizagem pelos grupos sociais, configurando elementos fundamentais para a geração de novas práticas sociais, pautadas em princípios como liberdade, ética e cuidado.

A educação não formal diz respeito aos diferentes tipos de aprendizado que tem lugar na sociedade civil, em seus grupos e experiências e compreende seis grandes áreas de intervenção: a aprendizagem política dos direitos; a capacitação para o trabalho; a aprendizagem da prática para o exercício da organização coletiva; a aprendizagem dos conteúdos da escolarização formal (em formas e espaços diferenciados); a educação pela mídia; e a educação para a vida através de práticas voltadas para o auto-conhecimento. A diferença em relação aos espaços formais de educação reside na estrutura do processo de aprendizagem, onde são respeitadas as diferenças existentes para a absorção e reelaboração dos conteúdos nos processos formativos. A forma de operacionalizar os conteúdos tem diferentes dimensões e abordagens (GOHN, 2001).

Na educação não formal, o ideal formativo não está atrelado ao aprendizado de conteúdos específicos. Pelo contrário, o processo formativo se fundamenta justamente na liberdade que os sujeitos possuem diante de seu próprio processo de formação. Ela traz para o pensamento educacional a necessidade de reconhecermos a dimensão formativa das lutas por liberdade, emancipação, garantia de direitos (ARROYO, 2012). Acontece, nesse sentido, um trabalho formativo com sujeitos coletivos e uma preocupação com os processos de construção de aprendizagens e saberes coletivos que fundamentam-se no critério da solidariedade e identificação de interesses comuns e é parte do processo de construção da cidadania coletiva dos sujeitos (GOHN, 2006).

“As pedagogias e processos em que se formam os sujeitos sociais, éticos, políticos são inseparáveis das lutas contra os contextos e relações sociais de poder e dominação em que estão segregados” (ARROYO, 2012, p. 11). Por isso mesmo pedagogias outras. “São pedagogias de resistência aprendidas em práticas, lutas, ações coletivas, na resistência. Experiências radicais que produzem saberes radicais” (id.; ib., p. 14). Daí porque um dos seus pressupostos básicos é o de que a aprendizagem se dá por meio da própria prática social e coletiva e do vínculo criado entre os sujeitos.

Flickinger (2009) trata dos espaços de educação não formal como lugares onde existe a relevância dos aspectos ético-sociais e biográfico-construtivos da educação no processo formativo dos indivíduos, onde se expressa o desejo de realizar outras formas de convívio social que vão de encontro a uma “racionalidade meramente instrumental”. A formação dos sujeitos da educação passa aí pela busca por formas de resistir e criar outras maneiras de ser e estar no mundo.

A bildung (formação) implica principalmente o exercício da cidadania e não o simples aprendizado de conteúdos específicos (FREITAS, 2008), o que nos permite fazer uma ligação direta da formação humana com

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