Resenha: Partilha da África
Por: kamys17 • 21/12/2018 • 5.306 Palavras (22 Páginas) • 411 Visualizações
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Em suma, por toda parte começava a aparecer no interior do continente, uma guarda avançada européia – viajantes que não se limitavam mais a cruzar a terra, como faziam os exploradores, os caçadores e os que procuravam riquezas minerais, por exemplo. Surgiam estabelecimentos mais permanentes. No interior da África oriental postos comerciais foram instalados nos rios; os missionários se instalaram em pontos muito afastados da costa, na África oriental, ocidental e meridional. No sul, os bôeres, sempre em busca de terras amplas (3 mil hectares ou mais) para suas fazendas de gado, começavam a pensar em atravessar o rio Limpopo, na África central. Até então, porém, os Estados europeus em poucos casos se tinham preparado para estender sua autoridade política até essas posições no interior.
Até a década de 1880, as potências européias tinham demonstrado pouco interesse pela ampliação do poder “formal” que exerciam na África, pois isso parecia uma operação custosa e, além de tudo, desnecessária. O comércio, que representava somente uma pequena fração do comércio mundial, era praticado com razoável continuidade, embora em alguns lugares as interrupções parecessem agora mais freqüentes. Quando defrontados com crises reais, essas potências podiam exercer sua influência de modo “informal”, enviando conselheiros, renegociando o pagamento de dívidas, designando cônsules, para proteger os cidadãos europeus, assinando tratados de comércio. Por que essa situação mudou? Por que os comerciantes europeus e outros grupos passaram a solicitar a proteção dos seus governos, e por que esses governos passaram subitamente a se interessar pelo estabelecimento de domínio “formal” sobre a África? Para responder a essas perguntas precisamos examinar os novos desenvolvimentos que ocorriam nas principais regiões africanas.
A África setentrional sempre tivera uma dupla posição: participava do mundo mediterrâneo e também da Grande África. Estava ligada ao primeiro por rotas comerciais muito antigas e pelas ambições imperiais de Roma, dos árabes e dos turcos otomanos; à segunda, pelas grandes rotas do comércio do Saara e a leste pelo sistema fluvial do Nilo. No século XIX, alguns fatores tinham passado a influenciar o modo como os europeus abordavam os países da África setentrional. Em primeiro lugar, a importante expedição napoleônica ao Egito, em 1798, tornara os ingleses ainda mais conscientes do significado que tinha a África do norte nas rotas para a Índia, que já utilizavam as pontes terrestres do istmo de Suez e do Levante (permitindo o contato com o grande sistema fluvial da Mesopotâmia e o Golfo). Em segundo lugar, os vínculos que prendiam os países norte-africanos ao Império Otomano começavam a se enfraquecer. Em teoria, Constantinopla, a capital do Império, continuava a exercer soberania sobre todos os governantes da região, mas na prática estes emergiam como potentados independentes. Mehemet Ali, o grande estadista egípcio, tomou a iniciativa, no princípio do século XIX: com suas pretensões imperiais, criou laços comerciais e financeiros próprios com os europeus. Outros governantes da região fizeram o mesmo, levantando assim o perigoso espectro do envolvimento europeu com seus Estados. Por último, os países europeus passaram a alimentar a ambição de transformar sua área de influência no Mediterrâneo em esferas exclusivas de influência comercial e política. Os franceses e os italianos tentariam transformar primeiro o Mediterrâneo ocidental e depois o central em um “lago” respectivamente francês e italiano.
Os franceses começaram o processo em 1830 quando anexaram a Argélia, durante as últimas semanas da velha monarquia Bourbon. A partir de meados do século eles começaram a alimentar a idéia de um grande domínio na África ocidental, estendendo-se do Mediterrâneo à costa atlântica; mas só na década de 1870, quando essas idéias foram associadas a projetos grandiosos de ferrovias transaarianas, elas passaram a atrair os políticos. Nesse momento, a partilha da África do norte se vinculara ainda mais ao declínio do Império Otomano. Um marco crucial foi a crise de 1877-8, quando as potências da Europa Ocidental tentaram frustrar os desígnios russos com relação ao território otomano, e ao assumir essa posição, substituíram, em alguns lugares, o poder otomano.
Em 1898, toda a África subsaárica já tinha sido partilhada, com exceção da Libéria e da Etiópia; mas a partilha da África do norte ainda não estava completa. Quando ingleses e franceses chegaram a um entendimento, em 1904, decidiram que a França tivesse as mãos livres no Marrocos. Contudo, os franceses só se beneficiaram desse acordo depois que a Alemanha demonstrou ter ambições nessa área, ameaçando sua posição. Mesmo assim, só depois de duas crises marroquinas é que aquele país foi dividido entre a França e a Espanha, em 1912. Quanto à Itália, suas ambições foram satisfeitas, afinal, com a aquisição da Líbia, também em 1912.
Os europeus vinham comerciando na costa da África ocidental desde os séculos XVI e XVII, usando postos fortificados. No princípio do século XVIII, alguns desses postos comerciais se tinham transformado em colônias embrionárias. A área que mais interessava aos franceses era a região do rio Senegal e adjacências, onde os franceses pretendiam estabelecer bases européias desde 1818, o que não ocorreu. A partir da década de 1840 se estabeleceram em vários lugares na Costa do Marfim. Em 1849, o governo britânico nomeou um cônsul para os golfos de Benin e Biafra, estabelecendo assim os primórdios de uma zona de influência na região do Níger. Além das importantes zonas de influências francesas e inglesas, havia na África fortificações postos comerciais pertencentes aos portugueses, espanhóis, holandeses, dinamarqueses, aos portos hanseáticos da Alemanha e a Brandemburgo. Deste modo, certas áreas de interesse específico foram sendo esculpidas; áreas que tendiam a se fortalecer, à medida que o século progredia. Para tornar a situação ainda mais complexa, os comerciantes de cada país não operavam necessariamente de suas bases nacionais. Na verdade, muitas vezes evitam fazê-lo, precisamente para fugir ao pagamento dos direitos aduaneiros cobrados em tais estabelecimentos para custear os serviços de administração e proteção. Os mesmos comerciantes que procuravam escapar do pagamento de impostos exigiam a proteção governamental quando seu comércio ou instalações pareciam ameaçados. Por volta de 1880, estavam exigindo o reconhecimento das suas áreas de operação como esferas de interesse nacional, a partir das quais podiam competir vantajosamente com os rivais de outros países.
Todos esses fatores
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