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Resenha O Avesso da Memória, de Luciano Figueiredo

Por:   •  18/10/2018  •  1.676 Palavras (7 Páginas)  •  309 Visualizações

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Diante disso, as denúncias feitas e o temor de fugas, rebeliões, danos à propriedade (o escravo), levam as autoridades a, por um lado, regulamentar os ganhos e as vendas e, por outro, restringir a presença dessas mulheres a locais específicos, longe do alcance das lavras. Diversas medidas foram tomadas ao longo do século, a fim de dar cabo ao comércio ambulante ou as vendas sob domínio de forros e escravos. Porém, as medidas não foram eficientes pois, segundo o autor, a dispersão típica do comércio ambulante limitava tais restrições.

No segundo capítulo é abordada a prostituição, outra atividade da qual as mulheres pobres (e negras, pois a documentação sobre prostitutas brancas é mínima) se ocupavam. As fontes mostram que foi na região de Minas gerais onde a prostituição tomou maiores proporções na Colônia.

Durante sua exposição, o autor vai apresentando fatores que condicionam a prostituição em Minas; inicialmente, a falta de mulheres brancas, seguida da constante mobilidade espacial dos que trabalhavam com o ouro, o que dificultava a formação de famílias, que era acentuada pela política fiscal que, ao cobrar pesados tributos, acabavam por obrigar mulheres negras e pobres a se prostituírem para pagar o tributo ao Estado; finalmente, o autor relaciona a prostituição com a falta de oportunidades de incorporação da mulher às atividades produtivas, apesar de sua atuação no comércio. Além disso, muitas mulheres serviam de ‘alcoviteiras’. Estas abriam suas casas e vendas para os encontros clandestinos de prostituição. Portanto, a prostituição nas Minas torna-se um meio de garantir a sobrevivência, sendo a extrema pobreza “um traço comum à situação de todas as prostitutas” (p. 79).

No terceiro capítulo, “Vida familiar”, mostra-se que o concubinato era a forma de organização familiar típica das camadas populares, além das famílias matrifocais, vide a documentação. Essa característica da população mineira quebra com a versão da historiografia que toma a família patriarcal como dominante. Dessa forma, o controle social através do casamento, tão almejado pela Igreja e pela Coroa, batia de frente com a realidade das práticas cotidianas, onde as normas de relação social eram transgredidas pelas relações de senhores com escravas, de mulheres forras com escravos, de escravas com forros, entre outros além de homens e mulheres casados que iniciavam novos relacionamentos.

Porém, mais uma vez, o autor parece cometer uma falha ao atribuir a falta de casamentos aos custos impostos pela igreja e pela falta de mulheres brancas (de novo!), sem em momento algum considerar que o concubinato fosse simplesmente um costume daquele lugar, justamente por ser tão recorrente e por tratar-se de uma sociedade urbanizada, móvel diversa, diferente do resto da Colônia. Além disso, relaciona concubinato com prostituição, reafirmando o caráter dos documentos oficiais (impregnados de uma mentalidade católica e preconceituosa), que identificam as formas diferenciadas de afetividade, de relacionamentos (neste caso, o concubinato), como prostituição.

No quarto capítulo, “universo religioso”, destaca-se o papel das visitas eclesiais no controle da população. Fica evidente que as mulheres negras, forras e escravas, por levarem a vida nos centros urbanos, espaço usado por elas para a reprodução de sua vida material, são mais presentes nas denúncias e mais sujeitas a punições. Ademais, o autor mostra, através de muitos documentos, a atuação feminina nas irmandades religiosas. Aliás, a documentação demonstra o esforço do Igreja em manter as diferenciações sociais e raciais uma vez que havia irmandades específicas apenas para brancos e apenas para negros.

Comparando as diferentes irmandades, o autor chega à conclusão de que as irmandades para negros se diferenciam das irmandades para a elite social nos aspectos de participação feminina nas hierarquias. Enquanto as mulheres brancas tinham participação mínima em suas irmandades de elite, as mais pobres (negras em sua maioria), tinham participação ativa em suas irmandades, chegando a cargos importantes. Dessa forma, para as mulheres brancas, as irmandades acabavam por reforçar o papel de submissão à ordem patriarcal.

No último capítulo, “Poder, resistência e trabalho”, tem-se uma exposição da participação das mulheres nas formas de lazer, na religiosidade e no desempenho de atividades econômicas. O autor relata sobre a presença da mulher na mineração (mesmo que minimamente), na agricultura e na prestação de alguns serviços (lavadeiras, parteiras etc.), além da prática da feitiçaria, que serviu de renda para algumas mulheres que faziam adivinhações e curas através dela.

Além disso, fica evidente como os momentos de lazer e distração, dos quais as mulheres pobres participavam e que envolviam maior parte da população (que era pobre, negra), eram vistos como uma ameaça à ordem. Por isso, as danças, os feitiços e os batuques foram perseguidos e reprimidos com frequência. O governo tinha medo e se desagradava dessas manifestações, "oscilando entre o congraçamento que propiciavam às camadas sociais empobrecidas e o desvio do tempo de trabalho na mineração, onde a Igreja viria contribuir com eficiência para a repressão dessas manifestações ao reduzir, através da justificativa moral, o elemento ideológico para a condenação do batuque” (p.73). Ademais, salientando a violência contra a mulher, o autor examina desde a situação da mulher branca à da mulher negra, esta mais sujeita à violência sexual.

Portanto, o livro O Avesso da Memória revela-se como sendo essencial para a compreensão da situação das mulheres no Brasil colônia. Luciano Figueiredo explicita a condição de pobreza das mulheres de Minas que, mesmo em meio às

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