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Resenha I História do Futebol

Por:   •  15/5/2018  •  2.268 Palavras (10 Páginas)  •  263 Visualizações

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A partir desta conclusão, torna-se fundamental o aprofundamento no tema do pertencimento clubístico. Um dos temas mais importantes ao se tratar de futebol, o pertencimento é um dos elos mais representativos do papel da cultura e do meio social na identificação do indivíduo enquanto pertencente a um coletivo. Podemos definir a escolha de um clube do coração como a passagem do “ser indivíduo” para o “ser pessoa”, ou seja o processo complexo de inserção do indivíduo nas diversas redes de sociabilidade.

Geertz nos fornece um excelente depoimento da relação dos homens balineses com seus galos. Os animais são por vezes tratados com apego e recebem atenção e tratamento de primeira importância. Os galos eram vistos, e o termo na língua nativa reforçava isso, como o pênis dos homens. Um verdadeiro símbolo da masculinidade, e não sem justificativa as mulheres são afastadas deste mundo da briga de galos. O galo é ainda alimentado com uma dieta especial e recebe banhos constantemente, com as mesmas ervas que são usadas nos banhos das crianças. Apesar da relação dos galos com o animalesco, tão rejeitado e temido pelos balineses, é esse jogo periogoso de aproximação com a “arte das trevas” que o animalesco representa para essa sociedade que torna a relação ainda mais interessante para eles. E é ainda nessa relação que a briga de galos simboliza uma das suas principais características: ser a representação da violência desregrada em uma sociedade regrada. A violência simbólica, onde socialmente a violência concreta está presente mas é reprimida.

A partir desta leitura de Geertz podemos, sem tentar fazer comparações engessadas (uma vez que se tratam de processos distintos em diversos pontos), iniciar o entendimento de dois temas fundamentais ao estudo do futebol em nossa sociedade: o pertencimento clubístico e a violência simbólica.

Optei por não me aprofundar nestes dois temas, uma vez que o curso apresentará outras duas unidades (“Clubes e pertencimento clubístico” e “Torcedores e torcidas”) que aprofundarão os mesmos. Ao empenhar esforço em definir as leituras acerca do significado do futebol é importante pelo menos captar alguns conceitos sobre os temas. Do pertencimento clubístico, é fundamental definir os aspectos que orientam a escolha de um clube do coração. Como aponta Damo, essa escolha está intimamente, mas não obrigatoriamente, relacionada às redes de sociabilidade. A família, os amigos, os vizinhos e semelhantes constituem as bases dessa decisão. Para Wisnik, ainda, a escolha de um time reproduz as nossas primeiras experiências de identificação. A decisão pode se dar ainda influenciada por momentos simbolicamente marcantes neste período para o indivíduo (um grande time campeão, uma partida marcante, uma visita ao estádio em um dia de jogo, presentes relacionados ao time, etc.).

A escolha de um time do coração é antes de tudo a reprodução do processo de identificação social ao fazer parte de uma totalidade a partir de uma relativa individualização. Este duplo sentido da identificação clubística é fundamental para entendermos mais profundamente o fator disjuntivo do esporte, pois, ao mesmo tempo que inclui-se em uma coletividade, individualiza-se por diferenciar-se dos demais torcedores de outros clubes. Torna-se torcedor de um clube ao negar sua relação de um possível pertencimento com outros. É importante, no entanto, reforçar a importância dos clubes rivais na construção da relação com seu clube do coração. É graças à existência dos seus rivais que o indivíduo (agora pessoa) caracteriza-se enquanto torcedor do seu clube.

Outro fator importante entre os autores é a violência simbólica presente no futebol. Em seu estudo sobre a briga de galos em Bali, Geertz definiu que: “Segundo o provérbio, cada povo ama sua própria forma de violência. A briga de galos é a reflexão balinesa sobre essa violência deles (...)” (pág. 210) A questão central aqui colocada é que enquanto submerso em um universo de representações e interpretações culturais, muitas delas intimamente ligadas aos símbolos totêmicos, o esporte carrega em si muitos destes aspectos, dramatizados, como a violência.

Wisnik nos apresenta uma leitura mais completa desse aspecto da prática futebolística. Na sua interpretação, o futebol é uma forma artística (como para Damo), e baseado nos escritos de Pasolini poderia ser melhor comparado à literatura nas formas de futebol prosa (europeu) e poesia (sul-americano). Assim como as formas de arte, o futebol carrega em si um potencial de dramaticidade que reproduz em certo ponto a violência social. Podemos dizer que o futebol reproduz aspectos violentos, que são coibidos no dia a dia, dramatizados e acirrados, sem necessariamente corresponder às ações agressivas propriamente ditas. A própria ideia de duas equipes se confrontando está carregada de potencial violento, é o bem contra o mal, a vitória contra a derrota, o embate entre dois times. Para além das quatro linhas, a disputa entre duas torcidas que se atacam com palavras de acusação, de forma por vezes irreverente, pode ser considerado um embate.

É consenso entre os estudiosos do futebol o seu potencial artístico. O futebol é uma manifestação artística. Atribuições e comparações das mais variadas são produzidas nas leituras sobre este fenômeno, desde forma literária e musical às artes cênicas, e esta característica é utilizada para entendermos por exemplo o seu aspecto violento. O futebol ocupa socialmente um papel de "objeto simultâneo de paixão e desafio intelectual" (pág. 46) o que torna tolerável, e até certo ponto pede, este aspecto da violência que torna o futebol em um campo de conflitos simbólicos (pág. 44).

O importante aqui é entendermos que, para além destas relações potencialmente violentas, o futebol serve como catalisador (como todos os esportes de bola, segundo Wisnik) das violências acumuladas e que são suprimidas socialmente, mas é também o futebol quem demonstra que essa violência está presente na nossa sociedade mas pode (e deve) ser relativizada. Os termos ofensivos, dirigidos a torcidas por outras rivais, são por vezes incorporados e tomam uma nova significação se tornando objeto de orgulho e reconhecimento. Assim como os conflitos dentro de campo ficam (ou deveriam ficar) sempre dentro de campo, e a chacota e a brincadeira entre os torcedores ganha as ruas em tom de brincadeira. Ele desempenha nesse momento seu fator de educador pelo sentimento, proporcionando uma reflexão que nos ensina sobre diversos aspectos da nossa sociedade. O futebol “brinca com fogo sem se queimar”.

É inegável que a violência no futebol

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