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RACIONALISMO X EMPIRISMO: O PENSAMENTO FILOSÓFICO EM RENÉ DESCARTES E DAVID HUME, E SUAS CONTRAPOSIÇÕES.

Por:   •  21/3/2018  •  3.561 Palavras (15 Páginas)  •  426 Visualizações

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Por outro lado, segundo o mesmo autor, esta nova ordem que vinha surgindo conviveu com a reação da escolástica medieval e a Contra-Reforma da Igreja Católica, criando um ambiente de dualidade na Europa nesse período: por um lado, a tradição religiosa trazendo uma visão de mundo baseada na fé, e por outro, o aparecimento de ideias racionais trazidas pelos avanços científicos, dando ao homem autonomia para interpretar os fenômenos. Isto posto, identificamos neste cenário os primeiros elementos de transição da sociedade medieval para a modernidade. Segundo Marcondes (2001), é neste contexto que Descartes se encontra e desenvolve seu pensamento.

A ideia de modernidade [...] está assim estreitamente relacionada à ruptura com a tradição, ao novo, à oposição à autoridade da fé pela razão humana e à valorização do indivíduo, livre e autônomo, em oposição às instituições. Essas ideias terão uma importância central no desenvolvimento do pensamento de Descartes. A crença no poder crítico da razão humana individual [...], e a ideia de busca de progresso que orienta a própria tarefa da filosofia são alguns dos traços fundamentais da modernidade de Descartes. (MARCONDES, 2001, p. 159)

Este período, em que descobertas científicas confrontavam conhecimentos antes tidos como absolutos pela Igreja, influenciou o pensamento de Descartes no sentido de questionar a autoridade e a inquestionabilidade destes conhecimentos, dando lugar a razão. Nesse sentido, para Descartes, o conhecimento verdadeiro é aquele obtido a partir de uma evidência racionalmente alcançada, e não por uma simples imposição de uma autoridade institucional, como era na sociedade medieval.

Pois, enfim, quer estejamos acordados, quer dormindo, nunca nos devemos deixar persuadir senão pela evidência de nossa razão. Há que se notar que digo de nossa razão, e não de nossa imaginação, nem de nossos sentidos. Assim, embora vejamos o sol muito claramente, nem por isso devemos julgar que ele seja apenas do tamanho que o vemos (DESCARTES, 1996, pág. 45).

O objetivo principal do pensamento de Descartes era, portanto, criar uma epistemologia que produzisse um meio de se obter as verdades sobre as coisas através do pensamento científico racionalmente processado, colocando de lado as autoridades dogmáticas apresentadas pelas instituições de autoridade na idade média, que apresentaram supostas “verdades” que foram posteriormente provadas como inverdades através do conhecimento científico, rejeitando também as impressões dadas pelas nossas percepções, oriundas de nossos sentidos.

Para alcançar o pensamento racional, Descartes criou um método (que será mais detalhadamente discutido posteriormente) que partia da dúvida metodológica que permitiria chegar a um conhecimento sobre tudo aquilo que o espírito humano pode saber. Partindo da dúvida sobre conhecimentos incertos, que têm origem na tradição, no pensamento dogmático da Igreja, chegava-se ao oposto da dúvida, que é a certeza. Tal caminho trazia como resultado uma verdade absoluta, também dogmatizando o saber humano, no entanto com base na racionalidade. Esta concepção racional dogmática de produção de uma verdade absoluta será contestada mais tarde pelo empirista David Hume.

Hume, filósofo e historiador, não foi contemporâneo a Descartes, tendo passado todos os seus 65 anos de vida dentro do século XVIII (1711 – 1776). E assim como Descartes, Hume desenvolveu seu pensamento filosófico como produto de seu tempo, tendo como principais influências o empirismo introduzido por John Locke (1632 – 1704), filósofo ao qual também não foi contemporâneo, e o ideário iluminista, sendo considerado o próprio Hume um dos principais nomes do iluminismo britânico. Segundo Mascaro (2012, pag. 133):

O Iluminismo é composto por pensadores que, muitas vezes, debatiam entre si sobre pontos fundamentais, mas apresenta como identidade a busca de se fundar na razão. Seu inimigo, o Absolutismo, extraía o poder do soberano de Deus, portanto, de um procedimento formal teológico. O Iluminismo, creditando tal visão às trevas da fé, insistirá nas luzes da razão, e daí a origem de seu nome. A razão, para os iluministas, não era apenas uma possibilidade de interpretação do mundo, com tanta dignidade quanto a fé. Pelo contrário, sendo universal e imutável, a razão se sobrepunha a todas as idiossincrasias das crenças e dos costumes.

É possível observar neste trecho citado elementos semelhantes aos que surgiam no século anterior vivenciado por Descartes, como um início de um processo de substituição de uma ordem anterior pautada na soberania da igreja e do conhecimento pela fé por uma nova ordem pautada na razão. Desta forma, é possível inferir que Descartes vivenciou um momento de transição mais intenso na cultura e sociedade europeia como um todo, tendo este vivenciado uma grande diversidade de experiências nesse cenário, como bem coloca Marcondes (2001, pág. 161) na seguinte passagem:

Homem de sua época, Descartes foi, ao mesmo tempo, viajante contumaz e homem retirado, soldado engajado [...] e homem em busca de tranquilidade, aliado de católicos e de protestantes, homem da corte e habitante da província, pensador isolado e correspondente da intelectualidade europeia, [...] racionalista, homem da ciência e interessado na magia e nos mistérios dos rosa-cruzes [...]. É a diversidade dessas experiências que forma a matéria a partir da qual Descartes desenvolve o seu pensamento, e é por insistência do próprio Descartes que devemos compreender o pensamento filosófico como resultado da reflexão sobre a experiência de vida.

Por outro lado, Hume vivenciou no século seguinte um momento de maior estabilidade e afirmação desse novo mundo, desenvolvendo sua teoria sob influencia deste contexto, e cuja contribuição filosófica acabou por agregar ao conjunto descentralizado de ideias iluministas.

É importante acrescentar que a contribuição do racionalismo de Descartes, em dado momento de transformação na Europa ocidental teve grande aceitação e predominava no pensamento filosófico e científico do continente já a época de John Locke. A análise empirista da epistemologia proposta por Locke, Hobbes e posteriormente por Hume introduziram a crítica ao racionalismo e uma nova leitura deste campo da filosofia.

Direcionados por contextos e motivações diferentes, Descartes e Hume deram contribuições antagônicas para a filosofia e a epistemologia. Enquanto Descartes, crente em deus, desenvolveu sua teoria do conhecimento baseada no racionalismo, introduzindo um método que, segundo seus postulados, leva ao conhecimento da verdade absoluta,

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