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A Epistemologia e Conhecimento Antropológico

Por:   •  3/12/2018  •  1.870 Palavras (8 Páginas)  •  280 Visualizações

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extensão e movimento; é passiva, eterna e reversível, mecanismo

cujos elementos se podem desmontar e depois relacionar sob a forma de leis; não tem

qualquer outra qualidade ou dignidade que nos impeça de desvendar os seus mistérios,

desvendamento que não é contemplativo, mas antes ativo, já que visa conhecer a

natureza para a dominar e a controlar. Como diz Bacon, a ciência fará da pessoa

humana "o senhor e o possuidor da natureza". (SANTOS, 1987: 25).

Desta forma, o determinismo mecanicista, alicerce do paradigma dominante, faz do mundo uma

"máquina" cujas leis podem-se desvendar e prever, tudo em vista de um possível controlo da

natureza, já que esta rege-se de maneira previsível e causal.

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Por outro lado, a revolução científica moderna implicou uma rutura completa com o saber

medieval e aristotélico, e, consequentemente, com o senso comum, que é completamente

descartado como falível e ineficaz na construção de um saber científico. Há uma rutura das

ciências naturais, que vão ser a força motriz do paradigma racionalista, com os estudos

humanísticos, que incluem a história, a filosofia, a literatura, postas em segundo plano, o que vai

gerar, dentro do paradigma dominante, o perpétuo conflito entre ciências físicas e ciências

sociais.

A história dos paradigmas e das revoluções científicas é a história dos paradigmas e das

revoluções sociais. De facto, a ciência faz-se no campo social, é feita por pessoas num dado

contexto histórico do qual surge esta inevitabilidade de associar conhecimento científico à

sociedade que o produz, sucintamente feita por Boaventura e os três autores que revisitaram o

Discurso sobre as ciências: tal como na Idade Média o culto da divindade servia aspirações

feudais, em que o poder político e o poder religioso caminhavam lado a lado, o racionalismo, que

ao início foi feito à margem da sociedade, muitas vezes valendo aos seus percursores a

condenação pública, é instalado de forma hegemónica por uma burguesia que emerge como

classe revolucionária e que visa "minar as bases da estrutura feudal" (SANTOS org, 2003: 192).

A ideia do mecanicismo como estruturador de uma realidade perfeitamente cognoscível é, para

Boaventura, "o grande sinal intelectual da ascensão da burguesia"(SANTOS, 1987: 31). A

aliança entre a ciência e a tecnologia sob a égide burguesa produziu efeitos notórios que

associamos ao progresso e ao desenvolvimento humano, mas de tal forma foram a dimensão dos

seus efeitos nefastos que seria inútil mencioná-los a todos neste ensaio.

Por um lado, não tarda muito para que o modelo totalitário do racionalismo se estenda para as

ciências sociais. No contexto positivista do século XIX as ciências sociais surgem sob as

condições do modelo mecanicista que presidia as ciências naturais: "para conceber os factos

sociais como coisas, como pretendia Durkheim, o fundador da sociologia académica, é

necessário reduzir os factos sociais às suas dimensões externas, observáveis e mensuráveis"

(SANTOS, 1987: 35). Esta forma totalitária de racionalismo estende a ideia de um "mundomáquina" para a sociedade, que também está sujeita à exploração e à dominação através de um

conhecimento que divide, matematiza, e decompõe os fenómenos esquecendo a sua

complexidade "o valor máximo é o lucro (…) Assim, a burguesia conservadora substitui a

vontade de Deus pelas leis dos mercados." (SANTOS org, 2003: 192). A sobrevalorização da

matemática, mesmo nas ciências sociais, servindo-se da macroeconomia para dar uma ideia

errada e superficial da sociedade: "A sobrevalorização dos métodos estatísticos é útil na

conservação do poder (…) recorrendo aos dados duros da macroeconomia (…) vendem a ideia

de uma situação económica favorável enquanto a gente comum morre de fome" (SANTOS org,

2003: 195).

Por outro lado, o paradigma racionalista permitiu uma hiperespecialização dos cientistas,

confinados a uma área do saber específico, ignorando todas as restantes. É como se, na sociedade

industrial, a divisão do trabalho do operário em tarefas cada vez mais especializadas e

específicas encontrasse um paralelismo na fragmentação da ciência em áreas disciplinares que

produzem cientistas especializados. Os autores de Ciência e humanismo, capacidade criadora e

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alienação tecem uma inteligente analogia entre o cientista moderno e a antiga casta sacerdotal,

os monges confinados ao seu mundo, isolados da realidade social. Segundo os autores: "a sua

visão do mundo restringe-se à medida que acumula distinções e graus académicos (…) É esta a

forma como serve melhor o sistema." (SANTOS org, 2003: 193). Também Edgar Morin aponta o

lado negativo da especialização dos cientistas no seio do paradigma da ciência moderna: "O

desenvolvimento disciplinar

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