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Tarkovski: Esculpindo o Tempo

Por:   •  27/12/2017  •  2.678 Palavras (11 Páginas)  •  227 Visualizações

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Por mais complexa ou profunda, se verdadeiramente honesta, a obra está destinada à encontrar um público e despertar nele as motivações que inspiram um criador. Anulamos da questão a arte para as grandes massas - o cinema como industria - se o artista busca apenas uma compreensão de uma maioria não será capaz de produzir algo com conteúdo relevante. ´As longas discussões sobre o fato de uma obra fazer sentido para a chamada "grande massa" do público — para alguma mítica maioria — servem apenas para obscurecer toda a questão do relacionamento entre o artista e o público: em outras palavras, a questão de como o artista se relaciona com o seu tempo.´ (TARKOVSKI, Andrei, página 200). A relação entre o artista e o público é uma via de duas mãos, o artista depende de um espectador; porém, deve manter-se fiel à si próprio, a caminho da verdade. Novamente vale reforçar que uma obra não pode ser de um nível tão abstrato que não encontre de fato algum público. As obras de Tarkovski são embuídas de subjetividade, o diretor trabalha em planos de diferentes dimensões, todos enraizados em sua personalidade e visão de mundo. Ao assistir seus filmes pela primeira vez, muitos enfrentam grande dificuldade de compreensão ou até mesmo identificação. Apesar da pessoalidade de seus filmes há uma outra grande parcela de pessoas que se relacionam com suas obras, veem nelas uma relação instrínseca entre o seu mundo e o do diretor. Suas obras provocam questionamentos em nós; buscamos compreender as aspirações que motivaram o realizador- adentramos, portanto, o mundo de Tarkovski - seu tempo.

Tarkovski não parecia se importar em atingir a grande população, é claro que todo artista busca reconhecimento, porém não se pode almejar como objetivo a compreensão. A obra deve ser verdadeira e não uma tentativa de sucesso, ela está destinada à um grupo seleto, por menor que seja. É um absurdo usar o sucesso de um filme como critério de avaliação, ou esperar uma reação unanime do público. O filme como instrumento de venda de uma indústria não se enquadra nos parametros da arte, não provoca o questionamento, esta destinado apenas à entreter. “O artista não se pode propor o objetivo específico de ser compreensível — seria tão absurdo quanto o seu contrário, ou seja, tentar ser incompreensível.” (TARKOVSKI, Andrei, página 201). A relação simbiótica entre o artista e seus espectadores acontece apenas caso o público tenha um poder de compreensão emocional que a obra requer. Essa é uma outra razão pela qual a arte é seletiva, o que pode ser raro para uns é pouco para outros. Para assimilar o universo expresso pelo artista é nescessario um senso crítico, um olhar além da superfície e questões banais. Um diretor de filmes não será compreendido por todos, e nem deve almejar isso, a partir do momento de conclusão sua obra está destinada a encontrar um público. O significado de uma imagem artística é sempre inesperado e único, uma vez que reflete a visão de mundo de seu autor. A percepção e assimilação das ideias do autor será familiar a algumas pessoas e totalmente estranha as outras. O verdadeiro diálogo de um autor com seu público só é possível se ambos têm o mesmo grau de compreensão. "Quem quiser desfrutar a arte, deve ser educado artisticamente." Karl Marx

O artista não pode se fazer refém do seu público ou sucesso. O trabalho de criação e o processo criativo, vêm como uma necessidade de expressão do artista, um questionamento sobre as perguntas que o circundam. Caso um artista trabalhe exclusivamente à aceitação do público, todos os seus problemas, angústias e conflitos serão imediatamente deturpados por inflexões que não são suas. A obra não expressará suas idiossincrasias; não se relacionará com o mundo do artista, sendo então, um falso testemunho. “Tudo que o artista tem a oferecer ao público é a honestidade e a sinceridade na luta que trava com seu material. O público, por sua vez, avaliará o significado de nossos esforços. Se tentarmos agradar o público, aceitando acriticamente suas preferências, isso significará apenas que não temos respeito algum por ele, que só queremos o seu dinheiro. Em vez de educarmos o espectador através de obras de arte inspiradoras, estaremos apenas ensinando o artista a garantir seu lucro.” (TARKOVSKI, Andrei, página 210). A grande ambiguidade reside em expressar com clareza seus conflitos internos, porém em uma linguagem minimamente acessiva, para que há uma compreensão e assimilação por parte do público.

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O Espelho abre com um ritual curioso: uma curandeira hipnotiza um menino gago afim de curá-lo. Na sequência, a primeira cena de fato da narrativa onde Masha está sentada em uma cerca de madeira, observando o imenso pasto à sua frente. Um homem desconhecido, que tomou o caminho errado, se aproxima. Ele é um médico, veste terno e gravata - a armadura do trabalhador - e carrega consigo uma maleta. Masha usa um casaco de lã em cima de um vestido longo e tem seu cabelo trançado. Talvez Tarkovsky quis por frente à frente os opostos da Rússia à época da narrativa; o moderno e o rural. Contrastar o homem contemporâneo, sobrecarregado de compromissos, à vida pacata no campo. Há um movimento de câmera muito interessante em que Tarkovski procura Masha com um close mas ela insisti em virar o rosto. A câmera segue para o lado contrario de seu olhar, ocultando sua expressão. A personagem está de costas e de repente vira-se diretamente à camera, à nós. A cena causa um leve estranhamento, desconforto no espectador.

A história acompanha pequena parte da vida de Masha até pular para após a guerra. Temos algumas evidências do tempo passado como a televisão e o figurino. O filme passa a girar em torno de Ignat, seu pai Alexei, e sua mãe Marusya. um momento em que Alexei, ex-marido de Marusya, diz à ela que as memórias de sua mãe são com o seu rosto. O fato de Masha e Marusya serem interpretadas pela mesma atriz (Margarita Terekhova) sugere que a mãe de Alexei seja Masha. Há de se perceber um viés materno muito forte nos filmes de Tarkovski. O diretor explora isso sobre diversas maneiras: no diálogo em que Marusya pergunta a Alexis qual o tipo de relação que ele gostaria de ter com sua mãe, o divórcio e escolha entre um dos pais ou até mesmo a presença do leite em duas cenas diferentes.

Tarkoski quebra a linearidade em planos imaginários e analepses regidos pela poesia de seu pai. Acredito que as memórias sejam de Alexei, que ao fim do filme está deitado em estado grave. As cenas de guerra, a moça ruiva mencionada por telefone à Ignat e suas conversas com sua mãe compõem

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