Ensaio sobre "A sangue frio"

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familiarização do autor com o tema, com a cidade, os investigadores e especialmente com os assassinos condenados, assim como fundamentais para a construção de um texto tão intrigante e bem amarrado, também desempenharam um papel prejudicial na imagem do autor.

A provável afeição mútua entre Capote e Perry Smith (homem que efetivamente assassinou os quatro membros da família Clutter) que o levou a tentar até mesmo evitar a pena de morte, mudando os rumos da história que acompanhava como jornalista é apenas um boato. Uma conversa que se espalhou e “fez sentido”, afinal, Perry é o único personagem retratado em profundidade, complexidade e, por vezes, provido de ternura, apesar de seu papel na trama. É Perry também quem mais empresta o seu ponto de vista para o narrador, em diversos trechos do livro.

Mas foi o final do livro o que mais contribuiu para as dúvidas sobre o valor da obra aos olhos da crítica, e gera discussões até hoje. Prometendo ser uma obra entre o romance e o jornalismo, pendendo ora para um gênero, ora para outro, “A Sangue Frio” transpõe toda a barreira do factual ou da reconstrução a partir de relatos quando Capote escolhe para a última cena , um encontro fictício entre os personagens Alvin Dewey (investigador do caso Clutter) e Susan Kidwell (melhor amiga de Nancy, uma das vítimas) em uma tarde ensolarada, em frente ao túmulo da família Clutter. O encontro acontece logo após o enforcamento dos condenados, cinco anos após a prisão.

Parece que o autor, diante a sua proximidade com a história, aproximação que permitiu uma ambientação tão marcante durante todo o livro, optou por forjar um final sereno, ao invés de encerrar o caso como ele acabou: com a fria execução dos assassinos. O que muitos chamam de “escorregada”, outros entendem como uma escolha inevitável diante da dificuldade de representar o real, e volta-se para a discussão: quantos juízos e conclusões não são forjados no jornalismo diariamente, tal qual o encontro idealizado por Capote?