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Etnografia e Corpografia

Por:   •  18/10/2018  •  2.081 Palavras (9 Páginas)  •  260 Visualizações

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Durante a parte de seu livro que caracteriza por "descrição etnográfica" o sociólogo utiliza um "frescor etnográfico" para aproximar, também, o leitor desse universo e “colocá-lo na pele do boxeador” – recurso que está presente em toda a primeira parte, chamada A Rua e o Ringue. E o faz também com grande intensidade quando, em seu último capítulo do livro, denominado "Busy Louie" nas Golden Gloves, apresenta uma espécie de caderno de campo, com a descrição de sua preparação como boxeador para lutar nas Golden Gloves.

Neste livro, especialmente no prólogo, podemos ver o que é abordado tanto por Magnani quanto por Velho em seus estudos sobre a etnografia urbana. Wacquant não tinha o boxe como algo familiar, apesar de conhecido, e a partir da sua entrada na gym passou a praticar o boxe junto com os demais, deixando de lado o conhecimento superficial e estereotipado do local e da prática, e se inseriu – em um olhar de perto e de dentro – no ambiente da academia, passando a ser considerado um "nativo" por seus colegas de esporte que lá estavam.

Em "Administrar seu capital-corpo", Wacquant coloca seu próprio corpo como instrumento investigativo para entender o ofício de boxeador. O autor passou a viver daquilo, sentir-se parte do boxe e detalhar todo o seu esforço físico, seu preparo corporal e seus sentimentos em relação ao seu treinamento e de seus colegas.

O uso do corpo dentro da antropologia é um tema recorrente, sendo o estudo sobre técnicas corporais de Marcel Mauss a obra mais conhecida a respeito. O corpo passa a ser instrumento de investigação em inúmeras áreas do conhecimento, que passam a pensar as transformações dos corpo em diferentes contextos.

É nesse sentido que se insere o antropólogo Tim Ingold em Estar Vivo, Ensaio sobre movimento, conhecimento e descrição. O autor, em A cultura no chão, trabalha com a ideia de percepção do mundo através dos pés, e como esse acaba esquecido como parte importante e integrante de nossos sentidos.

Segundo Ingold, os pés foram se mecanizando como parte integrante de um conjunto maior de mudanças que acompanharam a modernidade. Modernidade essa que buscou por separar as atividades do corpo e da mente, como se fossem quase impossíveis de funcionarem juntas - é a partir desse antagonismo criado pelos tempos modernos que Ingold aborda o caminhar.

Ele mostra que essa atividade é um marcador de classe social. No começo, o caminhar era visto como atividade cotidiana e que era o oposto do viajar. Quem caminhava não viajava, e vice-versa. O viajar era característica de classes mais abastadas, por onde se percorriam grandes distâncias - visto que um pedestre comum não tem o costume de caminhar por longos trajetos.

Ainda com esse marcador espacial, a ideia de movimento nesse período (século XVIII) era tida como negativa. Justamente porque corpo e mente foram separados acreditava-se que o deslocamento físico abalava a mente, impossibilitando-a de operar adequadamente, e era só quando esta estivesse em repouso que voltaria ao seu funcionamento próprio. "A experiência corporificada do movimento do pedestre" era posta de lado pela elite viajante, que desconsiderava toda a movimentação do caminho. O andar nesse período era marginalizado.

No século XIX a ideia do caminhar se modificou, mas não perdeu seu caráter de classe. O caminhar passou a ter um fim em si mesmo. Com o advento do transporte público e a acessibilidade desse ao trabalhador o caminhar passou a ser questão de escolha e não mais de necessidade.

O que nos mostra Ingold com essa transformação no caminhar é que, acompanhado dessa mudança no que chamamos de nossos "costumes", está todo o entorno da modernidade e das mudanças nas cidades: o caminhar, o sentar-se e a postura corporal ereta são marcas da sociedade em que nos inserimos e as modificações que ocorrem em nossos corpos se transformam e se relacionam às transformações das cidades. Segundo ele, os seres humanos "vivem em, não sobre o mundo, e as transformações históricas que acarretam são parte integrante da autotransformação do mundo" (INGOLD, 2015, p. 91).

Ocorre que, com essas transformações que afetam o mundo e também nossos corpos, nossa forma de interagir com a cidade e com o outro também mudam ao longo da história. A transformação e a modernização das cidades acabou por afetar também os indivíduos nela inseridos (Simmel, 1903): com o avanço da modernização e do capitalismo ocorre a "individualização" do homem – tentativa de tornar-se único dentro de uma lógica de produção e divisão do trabalho que se espalham por todo o tipo de relação humana, gerando um "esvaziamento" de reações interiores, sentimentais.

Esse esvaziamento é também abordado por Magnani (2002) e Sassen (1998) que mostram que essas cidades modernas – ou cidades globais - são esvaziadas de seus atores sociais e a única lógica operante a partir de então é a do capital. Assim entendem também Paola Jacques e Fabiana Britto em seu texto Corpo e Cidade.

As autoras se utilizam do corpo – conforme abordado anteriormente – como parte fundamental de sua investigação e o conecta com a cidade para que possam compreender "os processos urbanos contemporâneos" (BRITTO; JACQUES, 2012, p. 143). Segundo Jacques e Britto, as cidades contemporâneas passam por um processo de espetacularização que as transforma em cidades cenográficas.

Dessa forma, as autoras buscam entender que pr'além dos corpos ficarem inscritos nas cidades, "as cidades também ficam inscritas e configuram nossos corpos" (p. 144). Pensando através da dança e da arquitetura, as autoras propõem uma maneira de experimentar a cidade e fazer dela, com o nosso corpo, uma cartografia; é o que elas chamam de corpografia urbana.

Elas chamam de corpografia uma

cartografia realizada pelo e no corpo, que corresponde a diferentes memórias urbanas que se instauram no corpo como registro de experiências corporais da cidade, uma espécie de grafia da cidade vivida que fica inscrita, mas que, ao mesmo tempo, configura o corpo de quem a experimenta (p. 145).

Ou seja, estas se dão pela relação de corpo e cidade, em que se pode experimentar e colocar o corpo em contato com a cidade e a cidade com o corpo. Elas nos permitem perceber nossas memórias corporais que resultaram de experiências de/com a espacialidade, bem como as nossas relações entre corpo e ambiente, produzidas pela interação de integrantes de um ambiente com um campo de processos

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